Crítica
Ouvimos: André 3000, “New blue sun”

- New blue sun é o primeiro álbum solo de André 3000, integrante da dupla de hip hop Outkast. O disco é instrumental, tem oito faixas em mais de uma hora de duração (a versão vinil é tripla) e não tem nada de hip hop: Andre aparece tocando vários tipos de flautas, das digitais às de bambu, e som está próximo do jazz.
- André e o californiano Carlos Niño cuidaram da produção e da mixagem (esta, ao lado de Ken Oreole). Também compuseram as faixas ao lado dos músicos participantes – uma lista que inclui Nate Mercereau (guitarra e samplers), Surya Botofasina (teclados) e Deantoni Parks (bateria).
- Amigos de André como Tyler The Creator e Frank Ocean o incentivaram a lançar o disco. “Eu tenho músicas, mas não são coisas de rap que eu realmente me sinto feliz em compartilhar. E realmente, essa é a parte mais importante. É por isso que New blue sun algo que eu percebi: uau, eu realmente quero que as pessoas ouçam. Eu realmente quero compartilhar isso”, disse à NPR.
Você só vai conseguir curtir de verdade esse disco solo do André 3000 se estiver: 1) com tempo; 2) com saco (dependendo do seu grau de resistência a instrumentais longos e relaxantes); 3) chapado/chapada; 4) na pilha para escutar uma mescla incendiária de jazz tocado na flauta, sons indianistas e meditativos.
O som é jazz psicodélico sem recorrer a clichês da psicodelia, especialmente porque boa parte desses chavões pertence ao universo do rock. Já tem críticos comparando New blue sun à fase mística de Alice Coltrane, autora de discos como Illuminations, com Santana (1974). Minha quase total burrice jazzística permite ver ali momentos que lembram Holy magick, disco crowleyano de Graham Bond (1970), e um ou outro psicodelismo que faz lembram a Mahavishnu Orchestra, com diálogos entre flauta (vários tipos de flautas, por sinal), sintetizadores e samplers, além de percussões com sons de “natureza”. Não há diferenciações enormes entre as músicas, e o resultado soa como um só tema que vai sendo acrescido de outros elementos – ou como um lo-fi mais sofisticado.
O lado mais espiritualista e sério do disco é quebrado pelos títulos irônicos (e enormes!) das faixas, que dão a entender que New blue sun é quase uma paródia do jazz mântrico. Coisas como a politicamente incorreta Ghandi, Dalai Lama, Your Lord & Savior J.C. / Bundy, Jeffrey Dahmer, and John Wayne Gacy, unindo nomes de líderes espirituais e assassinos famosos (com direito a vocalises “da selva”, entre um som e outro). Ou o “pedido de desculpas” sonoro da faixa de abertura, I swear, I really wanted to make a “rap” album but this is literally the way the wind blew me this time. Tem também Ninety three ’til infinity and Beyoncé, e o final com a supostamente positiva Dreams once buried beneath the dungeon floor slowly sprout into undying gardens.
Existe uma possibilidade bem grande dos fãs de André 3000 e do Outkast ficarem decepcionados ou não entenderem rigorosamente nada de New blue sun. Provavelmente qualquer jazzista radical vai ouvir o disco e ver nele uma boa maluquice, mas não necessariamente algo técnico, ou feito para fãs de jazz ouvirem – de fato, é mais a, vamos dizer assim, idealização de um estilo musical do que qualquer outra coisa. Ou um bom retorno da era da new age music (lembra?).
Nota: 7,0
Gravadora: Epic/Sony
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Cynthia Erivo – “I forgive you”

RESENHA: Cynthia Erivo transforma dor e perdão em arte no sensível I forgive you, disco de soul contemplativo, emocional e camerístico, com 20 faixas marcantes.
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Todah Opeyemi, jornalista da BBC Africa, escreveu no Medium que chorou ao ouvir o segundo disco da cantora e atriz Cynthia Erivo, I forgive you. De fato, o novo álbum de Cynthia, cantora sensível a ponto de ter interpretado Aretha Franklin (na série Genius: Aretha) e de ter feito shows cantando os repertórios de Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Nina Simone (um deles no Hollywood Bowl, em julho de 2021), é um mergulho corajoso na alma, em letras, melodias e honestidade emocional.
Cynthia, ao lado de mais nove produtores (ela também cuida da produção), cria em I forgive you novas texturas para o r&b, a ponto de transformar tudo o que toca em pop de câmara, com vocais angelicais – a ponto do álbum já ter sido reeditado em uma versão com várias canções a cappella. Tanto que, de modo geral, se trata de um disco pop recomendado para quem compreende estilo como r&b e soul por uma perspectiva mais elaborada e independente – fãs de artistas como Moses Sumney, Anohni and The Johnsons e Hozier, por exemplo, vão gostar bastante.
Usando o perdão, a autodescoberta e a palavra como possibilidades de cura, Cynthia abre o álbum com uma vinheta baseada em Why (faixa de Annie Lennox de 1992) e prossegue com as batidas insinuadas de Best for me, o soul vaporoso de More than twice, o voo ambient e orquestral de You first, a parede de vocais (e o tom de trilha de filme) de Save me from you e o pop noventista e repleto de texturas de Worst of me.
- Ouvimos: Moses Sumney – Sophcore (EP)
- Ouvimos: Little Simz – Lotus
- Ouvimos: Anohni and The Johnsons – My back was a bridge for you to cross
São vinte faixas e, durante todo o disco, Cynthia investe no lado mais contemplativo do pop, aproximando-se de um folk soul mágico em She said, de fusões com jazz e blues em What you want e de truques levemente psicodélicos na derretida Push and pull. Além do clima gospel e quase clássico de Holy refrain, que fala sobre um amor quase existencial – mesmo tema do soul leve e empoderado de I choose love, por sinal.
No álbum, Cynthia fala bastante, às vezes como um subtexto, sobre não se perder de si própria – um tema que aparece com força na meditativa Replay e no soul orquestral Brick by brick. Já o final, com Grace, esconde uma história triste: a voz infantil que aparece na faixa é de uma menina – a Grace do título da faixa – que trocava vídeos com Cynthia e morreu aos 13 anos. A letra é uma homenagem a ela, e encerra I forgive you como um último recado, uma despedida que fica ressoando por um bom tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Verve
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Yungblud – “Idols”

RESENHA: Yungblud lança Idols, disco cheio de referências (Bowie, Manson, Suede), letras sobre identidade e amores, e clima de ópera-rock moderna.
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“Misture Robbie Williams, o falecido vocalista do Prodigy Keith Flint e o personagem Dennis, o Pimentinha, num liquidificador e, depois de alguns segundos, você terá Yungblud”, escreveu Ollie Macnaughton no jornal The Independent, tentando diagnosticar – sem deixar a ironia de lado – qual é a de Dominic Richard Harrison, o popular Yungblud.
Britânico de Yorkshire, ele está há quatro discos cumprindo, mais do que uma carreira musical, um projeto de vida: tornar-se um daqueles nomes do rock que se tornam tão imensos que, mais do que caberem no guarda-chuva do pop, transformam-se eles próprios em imensos guarda-chuvas. Nomes como Freddie Mercury e David Bowie volta e meia são citados por jornalistas e fãs na hora de falar dele (eu faria uma comparação com o senso comum que joga Jão e Cazuza no mesmo saco de gatos, aqui no Brasil).
- Quem é quem (e o que é o que) na ficha técnica de Ziggy Stardust, de David Bowie
- Ouvimos: David Bowie – Rock and roll star!
Se a ideia é ter o mesmo nível de fama dessa turma, pode até rolar. Mas em termos de criação musical e de manutenção dos tubos de ensaio do pop, 2025 é um ano, digamos, bem diferente de 1972, quando Bowie estourou com Ziggy Stardust. Hoje, discos são criados por times, equipes fazem estudos para entender qual é de determinados artistas, as referências estão ao alcance da mão – às vezes tão ao alcance que tudo pode beirar o mero plágio.
E aí que Yungblud, nascido em 1997, é mais filho dessas criações de laboratório do que de uma época em que você ficava esperando horas para ouvir sua música preferida no rádio – e, honestamente, tudo bem. Idols, quarto disco do rapaz (e primeira parte de uma ópera-rock dupla sobre a “loucura da vida”, entre outros temas), é um bom exercício de – vamos dizer assim – fantasmagoria pop.
Em Idols, Yungblud veio com uma boa safra de canções e o repertório parece assombrado por vários espectros. Há uma mescla de Depeche Mode, Led Zeppelin, Queen e Bowie na épica e quilométrica Hello heaven, hello. Também há algo entre Sisters Of Mercy, My Chemical Romance e Marilyn Manson em Zombie (balada emo com ar gótico que pergunta: “você iria continuar me querendo se eu parecesse um zumbi?”). Vai por aí.
Tem mais: o pós-punk pesado de The greatest parade lembra Suede e Placebo. Monday murder e Ghosts unem U2, The Cure e britpop anos 90 no mesmo caldeirão – a segunda tem elementos de Pride (In the name of love), de Bono & cia, e vai se transformando num gospel pesado aos poucos. E falando em britpop, o disco em vários momentos soa como um redesenho emo na época e no estilo – a tal resenha do The Independent cravou The Verve como referência, eu cravaria além deles, os já citados Suede e Placebo. Em termos de letras, a “loucura da vida” inclui conversas honestas sobre masculinidade, formação de identidade, idolatria, amores que vão e vem etc.
Vale repetir: Idols é bom. Se você em algum momento acha que não tem mais idade para ouvir Yungblud, repense. A biblioteca de referências do disco, inclusive, não aponta para nenhuma atrocidade ou mistura malfeita – nem mesmo quando ele resolve fazer uma espécie de Oasis brega, na balada Change (olha, acho que faz sentido).
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: Locomotion/Capitol
Lançamento: 20 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Florence Road – “Fall back” (EP)

RESENHA: Florence Road mistura indie pop com rock 90s, grunge e britpop, mirando fãs de Olivia Rodrigo e pais fãs de PJ Harvey.
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Tem muita coisa no som do Florence Road que lembra o Sunday (1994), que resenhamos outro dia. A diferença é que o Sunday investe numa espécie de shoegaze baixos teores, próprio para tocar no rádio, e esses irlandeses, no EP Fall back, fazem guitar rock com molho pop, investidos da mesma disposição para voltar à música dos anos 1990.
Um pouco de olho nos fãs de Olivia Rodrigo e Taylor Swift, um pouco de olho nos pais deles, o Florence Road mistura introversão e barulho em Hand me downs, leva tom pop ao indie rock com emanações de Pixies e Weezer em Goodnight e faz folk melancólico de FM em Caterpillar. Os vocais de Lily Allon tem aquele tom agridoce típico do rock feminino dos anos 1990, herdado de Alanis Morrisette, PJ Harvey, Dolores O’ Riordan (The Cranberries) – além de servirem uma versão light de Dana Margolin (Porridge Radio) em alguns momentos.
Essa receita “infalível” (vamos dizer assim) prossegue oscilando entre o grunge e o britpop em Figure it out, e invadindo a grande área do pós-punk em Heavy. No fim, Fall back é uma pequena demonstração de um som que ainda pode render.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Warner
Lançamento: 20 de junho de 2025.
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