Cultura Pop
O som de 1994: descubra agora!

Qual a música de 1994? A de 1991/1992 talvez fosse o grunge. A de 1994 era… tudo o que você puder imaginar, embora muita gente ainda reduza o começo da década ao estouro das bandas de Seattle. Tinha punk pop, reggae nacional, trilhas de novela obrigando todo mundo a ouvir Julio Iglesias, música desbocada em português e o retorno definitivo do rock britânico às paradas. Resumimos essa história de 30 anos atrás em alguns itens e possivelmente esquecemos de muita coisa. Mas tá aí.
GRANDES HITS DE 1994. Era a “era grunge”. Mas não era só rock, claro: tinha o grupo de hip hop TLC fazendo sucesso com Waterfalls, o Public Enemy continuando com Give it up, o argentino Fito Paez lançando o disco Circo beat, havia o comecinho da onda do funk melody (com clássicos como Mel da sua boca, do Copacabana Beat) e vai por aí. No Brasil, por causa do telesucesso A viagem, de Ivani Ribeiro, não houve ser humano vivo que escapasse de Crazy, cantada em inglês pelo espanhol Julio Iglesias, da versão de Art Garfunkel (o que fazia dupla com Paul Simon) de Why worry (Dire Straits) e de I’m your puppet, com Elton John e Paul Young. Por causa da mesma novela, os Pretenders conquistavam ouvintes por aqui com a romântica I’ll stand by you, e o sombrios Cramberries tinham fãs dos 8 aos 80 anos por causa de Linger.
FALANDO EM BRASIL… Fora daqui, discussões sobre o que era “rock alternativo” ou não, ganhavam terreno. No Brasil, por sua vez, quem ligasse o rádio a qualquer hora do dia, esbarrava com músicas dos discos novos do Skank (Calango), do Cidade Negra (Sobre todas as forças) ou com sucessos do pagode, como o Raça Negra, ou o grupo paulistano Cravo e Canela, que lançou em 1993 o disco Sabor de paz e ainda frequentava as rádios com o hit La vem o negão. O Raça Negra, por sinal, era uma das raras coisas a serem encontradas ainda em vinil nas cadeias de lojas de discos brasileiras, já que o formato foi abandonado em prol do CD. Em 1994, divulgavam o disco que trazia os hits Me leva junto com você e Te quero comigo, além da versão pagode de Pro dia nascer feliz, do Barão Vermelho.
Hits mais emepebísticos daquele ano, como Segue o seco, de Marisa Monte, Malandragem, de Cássia Eller, e Catedral, estreia de Zélia Duncan, foram tão importantes na época que tocaram loucamente no rádio, e alguns deles ressurgiram, premiados ou indicados, no primeiro Video Music Brasil, da MTV nacional, em 1995. Chico Science e Nação Zumbi também estreavam com Da lama ao caos, que angariou fãs, rendeu prestígio, shows, e pôs Chico no inconsciente coletivo do pop nacional. Já Zeca Pagodinho, incrivelmente, não era um grande hit nem um grande vendedor de discos naquele ano: só em 1995 ele teria uma retomada com Samba pras moças.
AXÉ. Em 1994 ninguém dançava ainda ao som do É O Tchan. Por um motivo básico: a banda de pagode baiano não apenas ainda não havia gravado seu primeiro disco (que sairia em 1995) como ainda se chamava Gera Samba. O nome foi abandonado após um cisão no grupo, que adotou o nome de seu primeiro hit, É o tchan. Após um período em que a música baiana foi chamada em alguns estados pelo nome genérico de “timbalada”, tirado do grupo criado por Carlinhos Brown (a filial carioca da Rádio Cidade chegou a ter um programa chamado Timbalada da cidade, por exemplo), o nome “axé music”, tirado do nome de um disco da Banda Beijo, passou a ser usado por jornalistas entre 1993 e 1994. Hits como Dia de festa, de Netinho, Música de rua, de Daniela Mercury, e Alô paixão, da Banda Eva, são dessa época.
E LÁ FORA? Kurt Cobain havia se tornado um ser humano misterioso, problemático, escondido das vistas dos fãs e da mídia – e evidentemente, todo mundo queria saber dos passos dele, ou se o Nirvana ainda continuaria. Não continuou, como ficou público e notório. O único lançamento da banda naquele ano, Unplugged in New York, saiu póstumo, em novembro. Por outro lado, foi um ano excelente para estilos como trip hop (saiu Dummy, do Portishead), techno (nomes como Banco de Gaia estrearam naquele ano), para o lado mais selvagem do eletrônico (Music for a jilted generation, do Prodigy, é deste ano).
E havia muito espaço para o punk renovado feito nos Estados Unidos. Após uma pequena briga entre selos, o Green Day foi para a Reprise e lançou Dookie. O Offspring, contratado da pequena Epitaph, pegou feito piolho em creche com o álbum Smash. O Bad Religion foi para a Atlantic e lançou Stranger than fiction. Seattle ainda comandava a (digamos) festa: era quase dever cívico para roqueiros de todos os estilos ouvir do começo ao fim Superunknown, disco do Soundgarden lançado em 8 de março.
TEVE MADONNA. Tentando escapar de qualquer estigma que o disco Erotica (1992) tenha lhe pregado, Madonna voltou fazendo pop romântico “adulto” e som mainstream no disco Bedtime stories, que saiu em 25 de outubro daquele ano. Músicas como Secret, Human nature e Take a bow tocaram muito no rádio e na MTV e redefiniram a imagem de Madonna, mais suavizada e madura. “O sexo é um assunto tão tabu, e é uma distração que eu prefiro nem oferecer”, chegou a dizer a cantora, reclamando que foi mal interpretada na época de Erotica e do livro Sex.
TEVE MARIAH CAREY. O sucesso do álbum Music box (1993), alternando canções de r&b com baladas açucaradas, ainda rendia – três dos cinco singles do disco saíram em 1994, inclusive o gospel Anytime you need a friend. Mas por acaso, Mariah decidiu encerrar 1994 lançando um disco de Natal, Merry Christmas, que virou presente imediato de fim de ano. All I want for Christimas is you, parceria da cantora com o produtor Walter Afanasieff, virou um dos maiores sucessos de todos os tempos – e voltou a fazer sucesso, resgatada pelo streaming e pelo tik tok.
E TEVE R.E.M.. Monster, álbum do R.E.M. lançado em 27 de setembro, largava o som quase folk dos discos anteriores e pesava a mão: guitarras altas, riffs e melodias intensas dominavam o álbum, que abria com uma guitarrada à moda de Ziggy Stardust, de David Bowie (no hit What’s the frequency, Kenneth?) e ainda homenageava Kurt Cobain e o ator River Phoenix, mortos naquele ano. Tão mainstream que parecia parte da paisagem musical dos anos 1990, o R.E.M. estava bem a fim de voltar aos palcos para divulgar o disco (não excursionavam desde 1989). Tanto que o grupo gravou muita coisa do álbum quase ao vivo. Mas o afastamento do grupo do dia a dia das turnês era tão grande que, basicamente, Michael Stipe e cia tiveram que reaprender a existir como banda.
E TEVE… WOODSTOCK? Teve: em 12 de agosto teve início o Woodstock 2 ou Woodstock 94, segunda edição da feira de música de 1969, com uma mescla de muitos artistas recentes (Green Day, Red Hot Chili Peppers, Nine Inch Nails, Cranberries, Metallica, Primus) e alguns antigos (Bob Dylan, que não havia se apresentado no festival original, e Joe Cocker, que havia feito bastante sucesso no evento em 1969). Como no evento de 1969, houve poucas mortes, muita gente querendo entrar e… prejuízo, já que os sem-ingresso não tiveram dificuldades para entrar na Fazenda Winston, a oeste de Saugerties, Nova York, onde rolou tudo. No Brasil, um compacto com os melhores momentos foi exibido pela Band, num programa curiosamente chamado Hollywood Rock in Concert (mas que nada tinha a ver com o festival de mesmo nome, quase privativo da Rede Globo).
DAVI CONTRA GOLIAS. A batalha bíblica foi citada como exemplo para definir a briga da banda norte-americana Pearl Jam contra a gigante dos ingressos Ticketmaster, que durou o ano de 1994. Eddie Vedder, cantor do grupo, reclamava do monopólio da empresa e das taxas que encareciam os ingressos. O grupo decidiu não fazer mais shows nos Estados Unidos, o Pearl Jam entrou com uma queixa antitruste contra a empresa e o Departamento de Justiça abordou a banda para que rolasse uma investigação federal na Ticketmaster.
A investigação não deu em muita coisa (“felizmente os fatos estavam do nosso lado e nós vencemos”, disse um porta-voz). O Pearl Jam lançou em novembro de 1994 um disco, Vitalogy, que fez sucesso a ponto de conseguir emplacar sua versão em vinil (formato ultrapassado na época) nas paradas. Mesmo assim, problemas aguardavam o grupo: boicotando e provocando a Ticketmaster, a banda iniciou em 1995 uma turnê auto-produzida, em que ingressos eram vendidos por empresas alternativas. O estresse foi imenso, e a banda praticamente ficou isolada, sem muitos apoios.
MAIS GRANA? Lançado em 1º de julho de 1994, o real, nova moeda do país, vinha de um plano de combate à inflação do governo Itamar Franco, que passou por várias fases, cortou zeros e afastou o fantasma da hiperinflação que rondou a vidas de todo mundo durante os anos 1980 e o começo dos anos 1990. O plano ajudou a catapultar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso à presidência da república, deu uma organizada na bagunçadíssima economia do país na época e levou milhões de brasileiros aos shopping centers.
O sonho foi bom (digamos) enquanto durou. Para quem comprava discos, era o paraíso, pelo menos no início: grandes magazines vendiam CDs importados (boa parte deles eram de séries “best price” de gravadoras como Sony e Warner, o que era anunciado por um adesivo com ponto de exclamação na capa), álbuns novos eram mais encontrados em edições importadas do que em nacionais, lojas de discos que já tinham filiais viravam verdadeiras cadeias, espalhadas pelas cidades brasileiras. Com o tempo, claro, o acesso aos shoppings foi diminuindo, lojas foram fechando, a pirataria foi tomando conta e o sonho virou pesadelo pra uma turma bem grande.
OBRAS PARADAS. 1994 foi célebre por um detalhe que deixou uma turma enorme sem dormir, aqui no Brasil: pela primeira vez desde 1986 não houve um disco novo dos Engenheiros do Hawaii, banda que (tudo considerado) era a mais bem sucedida do rock brasileiro no começo dos anos 1990. O guitarrista Augusto Licks havia saído da banda após uma briga com o líder Humberto Gessinger e a banda ficou parada por uns tempos – o site Setlist.com indica que os shows ficaram suspensos de novembro de 1993 a outubro de 1994, com exceção de um aparição no Programa Livre, de Serginho Groisman, em janeiro.
O grupo anunciou um novo guitarrista para o lugar de Augusto, Ricardo Horn, mas o trio não funcionou. Em 1995 os Engenheiros seriam um quinteto e seriam ouvidos fazendo uma cafonérrima mescla de country e hard rock de arena no álbum Simples de coração.
ALIÁS E A PROPÓSITO os Paralamas do Sucesso davam uma lição de experimentalismo e “alternatividade” no rock nacional lançando em 1994 Severino, disco produzido pelo ex-Roxy Music Phil Manzanera. O álbum conseguiu estourar mais ou menos o rap-rock Cagaço, o balanço Dos margaritas e a balada esquisitaça O amor dorme – um prodígio, aliás. Os Titãs se recolheram e deram espaço a trabalhos individuais dos seus integrantes – Nando Reis estourou Onde você mora, feita com a então namorada Marisa Monte, no disco Sobre todas as forças, do Cidade Negra.
ROCK BOCA SUJA. Os pais se assustavam, os professores reclamavam, mas o fato é que naquele ano começava a fazer sucesso nas rádios o forró-core dos Raimundos, repleto de sacanagens politicamente incorretas e palavrões. Se hoje músicas como Puteiro em João Pessoa, Palhas do coqueiro (“debaixo de um teto de espelhos/é onde tu estás a me chifrar”) e Selim chocam hoje, na época a banda estreou com bênçãos de todos os benzedores possíveis, dos Titãs à MTV, e abriu a porteira para milhares de outros grupos que misturavam rock e ritmos brasileiros, além das novas bandas de Brasília (Little Quail and The Mad Birds, Maskavo Roots, etc).
Ouvindo o disco de estreia dos Raimundos com antecipação e anunciando o lançamento para maio de 1994, Fabio Massari (então VJ da MTV) comentava sobre a banda na Folha, já anunciando o esgotamento do termo “forró-core”: “Os Raimundos dão o que falar, e isso é bom. Mas o melhor é ouvir. E o ideal é não esperar por um disco-tratado sobre a nossa realidade que faça fusões com a tal da sonoridade nordestina”, escreveu.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Raimundos, o primeiro disco epônimo da banda, marcava a estreia do Banguela, selo do produtor Carlos Eduardo Miranda com os Titãs. Outra invenção daquele ano, e um dos poucos selos indies nacionais ligados a grandes gravadoras (a Warner, no caso) a ocuparem lugar no mercado. Numa época de contenção de custos na gravadora, o selo chegou a ter um elenco maior do que o de sua nave-mãe.
ALTERNATIVAS A QUEM MESMO? Não havia como negar: considerado a cara musical do começo dos anos 1990, o termo “alternativo” ia se esgotando aos poucos. Usado para definir quase todo mundo que havia lançado disco entre 1991 e 1993 (e anteriormente, utilizado para falar de artistas que pertenciam a selos pequenos), acabou não conseguindo definir mais nada nem ninguém – era basicamente um nome cata-corno que bandeirava qualquer artista “jovem” que pusesse um pouco de sujeira a mais que o normal em seu som. Tanto que bandas que definitivamente não eram alternativas a nada, como o Live (do hit Pain lies on the riverside) eram ensanduichadas com grupos como Screaming Trees, Soundgarden, Alice In Chains e várias outras formações.
Todas essas bandas, claro, eram bastante desafiadoras (o Live, não!). Mas entregavam um som que era mais ou menos o que dava certo na época – variações em torno do heavy metal, do punk e da psiqué sombria do rock do começo dos anos 1990. Jornalistas reclamavam que aquele alternativo-nada-alternativo invadia até mesmo os festivais criados originalmente como canhões de comunicação para novas bandas. Como o Lollapalooza, que em 1994 receberia os bem sucedidíssimos Smashing Pumpkins, e quase recebeu o Nirvana, que recusou uma suposta oferta de US$ 10 milhões.
ALIÁS E A PROPÓSITO, o vocalista Kurt Cobain não foi sequer procurado para apitar nessa saída da banda. Principalmente porque nem sequer estava vivo para dizer sim ou não – o cadáver dele foi descoberto em 8 de abril, no dia seguinte ao anúncio da saída da banda do festival, e a perícia concluiu que ele já estava morto desde o dia 5.
E ENFIM, KURT SE FOI. “O dia em que a música morreu”, disse o periódico The Daily News no dia em que foi noticiado mundialmente o óbito de Kurt Cobain. O corpo foi encontrado por um eletricista, Gary Smith, contratado para fazer reparos na casa do músico em Seattle. Gary entrou na casa com relativa facilidade e, ao ver o corpo, inicialmente pensou que fosse um manequim jogado no chão. Toda a história a partir do momento em que encontram o corpo de Kurt é confusa e precisou passar por várias perícias e apurações. A começar pelo fato de que o músico tinha tanta heroína no sangue que dificilmente conseguiria pegar uma arma e atirar, o que deu início a uma enorme temporada de suspeitas de que ele havia sido assassinado.
Subitamente começaram a aparecer sinais de que Kurt, totalmente drogado e intratável, contou bastante com a falta de atenção das pessoas que o cercavam. A espingarda que foi encontrada perto de seu corpo (e que só seria periciada em maio) havia sido comprada para ele por um amigo, por exemplo. Poucos dias antes de rolar uma intervenção feita por seus amigos mais próximos, o baixista do Nirvana, Krist Novoselic, esteve com ele, e ficou impressionado com a falta de conexão do amigo com a realidade. Seja como for, a morte de Kurt foi uma nota muito triste, que não poderia encerrar de maneira mais deprimente a era grunge – e representou uma divisão de épocas no mercado musical.
NIRVANINHAS EM AÇÃO. Com o sucesso do Nirvana, várias bandas independentes foram contratadas por gravadoras grandes. Algumas dessas bandas ficariam mais algum tempo contratadas – o Mudhoney ficou na Reprise até 1998, o Helmet ficaria na Interscope até encerrar atividades, e em 2004 voltaria contratado do selo. Incrivelmente, a banda podre Melvins, clássico do sludge metal local, ficaria na Atlantic até 1997, com direito a uma discografia paralela e mais anticomercial ainda saindo por selos menores.
OASIS. Em 25 de setembro de 1994, o Rio Fanzine, seção alternativa do jornal carioca O Globo destacava uma “sensação do rock” chamada Oasis, cujo disco de estreia, Definitely maybe, tinha vendido 150 mil cópias em uma semana – e já era o disco de estreia mais vendido de todos os tempos na Inglaterra. Carlos Albuquerque, autor da matéria, destacava que o DJ John Peel havia falado para a banda que “John Lennon adoraria o som deles”. Nada de baixo astral: o guitarrista Noel Gallagher dizia que a música da banda era “sobre como a vida poderia ser melhor se você fosse uma estrela do rock ou se tivesse aquela garota inatingível”. Faixas como Live forever, Cigarettes and alcohol e Rock and roll star eram realmente impressionantes – aliás o disco todo era.
BRIT POP. O rock britânico, com raras exceções, estava escondido no começo dos anos 1990 – apesar de um hit do Suede ali, outro dos Soup Dragons acolá. Em 1994, o Blur lançava o redefinidor disco Parklife – um álbum mutante, influenciado tanto pela onda indie dance dos anos 1980 quanto pelo anglicismo storyteller de bandas como Kinks e Who (era o disco de Girls and boys, sem falar na faixa-título).
A disputa com o Oasis pela primazia do novo rock britânico viria a cavalo, claro. Mas, na briga, estavam o Suede com Dog man star, o Pulp com His’ n hers, o Ride, com Carnival of light. Isso tudo saiu em 1994. Ano por sinal, durante o qual o Elastica, grande sensação do rock britânico em 1995, já estava em estúdio gravando o álbum de estreia.
MAS AFINAL, EXISTIA ROCK ALTERNATIVO NESSA ÉPOCA? Sim, e muito. O termo podia ser usado para definir bandas que estavam até mesmo em grandes gravadoras, como Sonic Youth, Dinosaur Jr, Weezer (estreados naquele ano com o “blue album”), Posies e Teenage Fanclub (este, lançado na Inglaterra pela Creation e nos EUA pela DGC, selinho indie da grandalhona Geffen Records). No Brasil, valia para bandas como Pin-Ups, Second Come, Gangrena Gasosa, Pelv’s e Killing Chainsaw, ou até para O Rappa, banda de reggae rueiro que lançara seu primeiro álbum pela Warner, com péssima distribuição. Não valia nem um pouco para a fase “pesada” dos Titãs, já que os próprios, mesmo gravando versos como “não sei qual é o problema/qual é o problema, seu bosta?” faziam questão de lembrar que “a gente não é alternativo, a gente trabalha para a Warner”.
Valia igualmente para o Pavement, que em 1994 lançava o segundo disco, Crooked rain, crooked rain, para o Sugar, banda nova de Bob Mould (Hüsker Dü), para o Guided By Voices, para PJ Harvey, e para novos nomes do folk-rock como Grant Lee Buffalo e Uncle Tupelo (que daria origem ao Wilco naquele mesmo ano). Valia também para uma onda de indie rock lo-fi que se iniciava e que inspirou muitas bandas no Brasil: Sebadoh, Tall Dwarfs, Liz Phair (discos como Exile in guyville e Whip-smart fizeram cabeças). Aliás valia até para Beck, estourado em 1994 com o disco Mellow gold, mas que alternava álbuns independentes em meio a discos pela Geffen.
4 discos
4 discos: Ace Frehley

Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.
Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.
Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.
Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução
“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.
Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…
“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).
O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.
“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.
“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
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