Cultura Pop
O som de 1994: descubra agora!

Qual a música de 1994? A de 1991/1992 talvez fosse o grunge. A de 1994 era… tudo o que você puder imaginar, embora muita gente ainda reduza o começo da década ao estouro das bandas de Seattle. Tinha punk pop, reggae nacional, trilhas de novela obrigando todo mundo a ouvir Julio Iglesias, música desbocada em português e o retorno definitivo do rock britânico às paradas. Resumimos essa história de 30 anos atrás em alguns itens e possivelmente esquecemos de muita coisa. Mas tá aí.
GRANDES HITS DE 1994. Era a “era grunge”. Mas não era só rock, claro: tinha o grupo de hip hop TLC fazendo sucesso com Waterfalls, o Public Enemy continuando com Give it up, o argentino Fito Paez lançando o disco Circo beat, havia o comecinho da onda do funk melody (com clássicos como Mel da sua boca, do Copacabana Beat) e vai por aí. No Brasil, por causa do telesucesso A viagem, de Ivani Ribeiro, não houve ser humano vivo que escapasse de Crazy, cantada em inglês pelo espanhol Julio Iglesias, da versão de Art Garfunkel (o que fazia dupla com Paul Simon) de Why worry (Dire Straits) e de I’m your puppet, com Elton John e Paul Young. Por causa da mesma novela, os Pretenders conquistavam ouvintes por aqui com a romântica I’ll stand by you, e o sombrios Cramberries tinham fãs dos 8 aos 80 anos por causa de Linger.
FALANDO EM BRASIL… Fora daqui, discussões sobre o que era “rock alternativo” ou não, ganhavam terreno. No Brasil, por sua vez, quem ligasse o rádio a qualquer hora do dia, esbarrava com músicas dos discos novos do Skank (Calango), do Cidade Negra (Sobre todas as forças) ou com sucessos do pagode, como o Raça Negra, ou o grupo paulistano Cravo e Canela, que lançou em 1993 o disco Sabor de paz e ainda frequentava as rádios com o hit La vem o negão. O Raça Negra, por sinal, era uma das raras coisas a serem encontradas ainda em vinil nas cadeias de lojas de discos brasileiras, já que o formato foi abandonado em prol do CD. Em 1994, divulgavam o disco que trazia os hits Me leva junto com você e Te quero comigo, além da versão pagode de Pro dia nascer feliz, do Barão Vermelho.
Hits mais emepebísticos daquele ano, como Segue o seco, de Marisa Monte, Malandragem, de Cássia Eller, e Catedral, estreia de Zélia Duncan, foram tão importantes na época que tocaram loucamente no rádio, e alguns deles ressurgiram, premiados ou indicados, no primeiro Video Music Brasil, da MTV nacional, em 1995. Chico Science e Nação Zumbi também estreavam com Da lama ao caos, que angariou fãs, rendeu prestígio, shows, e pôs Chico no inconsciente coletivo do pop nacional. Já Zeca Pagodinho, incrivelmente, não era um grande hit nem um grande vendedor de discos naquele ano: só em 1995 ele teria uma retomada com Samba pras moças.
AXÉ. Em 1994 ninguém dançava ainda ao som do É O Tchan. Por um motivo básico: a banda de pagode baiano não apenas ainda não havia gravado seu primeiro disco (que sairia em 1995) como ainda se chamava Gera Samba. O nome foi abandonado após um cisão no grupo, que adotou o nome de seu primeiro hit, É o tchan. Após um período em que a música baiana foi chamada em alguns estados pelo nome genérico de “timbalada”, tirado do grupo criado por Carlinhos Brown (a filial carioca da Rádio Cidade chegou a ter um programa chamado Timbalada da cidade, por exemplo), o nome “axé music”, tirado do nome de um disco da Banda Beijo, passou a ser usado por jornalistas entre 1993 e 1994. Hits como Dia de festa, de Netinho, Música de rua, de Daniela Mercury, e Alô paixão, da Banda Eva, são dessa época.
E LÁ FORA? Kurt Cobain havia se tornado um ser humano misterioso, problemático, escondido das vistas dos fãs e da mídia – e evidentemente, todo mundo queria saber dos passos dele, ou se o Nirvana ainda continuaria. Não continuou, como ficou público e notório. O único lançamento da banda naquele ano, Unplugged in New York, saiu póstumo, em novembro. Por outro lado, foi um ano excelente para estilos como trip hop (saiu Dummy, do Portishead), techno (nomes como Banco de Gaia estrearam naquele ano), para o lado mais selvagem do eletrônico (Music for a jilted generation, do Prodigy, é deste ano).
E havia muito espaço para o punk renovado feito nos Estados Unidos. Após uma pequena briga entre selos, o Green Day foi para a Reprise e lançou Dookie. O Offspring, contratado da pequena Epitaph, pegou feito piolho em creche com o álbum Smash. O Bad Religion foi para a Atlantic e lançou Stranger than fiction. Seattle ainda comandava a (digamos) festa: era quase dever cívico para roqueiros de todos os estilos ouvir do começo ao fim Superunknown, disco do Soundgarden lançado em 8 de março.
TEVE MADONNA. Tentando escapar de qualquer estigma que o disco Erotica (1992) tenha lhe pregado, Madonna voltou fazendo pop romântico “adulto” e som mainstream no disco Bedtime stories, que saiu em 25 de outubro daquele ano. Músicas como Secret, Human nature e Take a bow tocaram muito no rádio e na MTV e redefiniram a imagem de Madonna, mais suavizada e madura. “O sexo é um assunto tão tabu, e é uma distração que eu prefiro nem oferecer”, chegou a dizer a cantora, reclamando que foi mal interpretada na época de Erotica e do livro Sex.
TEVE MARIAH CAREY. O sucesso do álbum Music box (1993), alternando canções de r&b com baladas açucaradas, ainda rendia – três dos cinco singles do disco saíram em 1994, inclusive o gospel Anytime you need a friend. Mas por acaso, Mariah decidiu encerrar 1994 lançando um disco de Natal, Merry Christmas, que virou presente imediato de fim de ano. All I want for Christimas is you, parceria da cantora com o produtor Walter Afanasieff, virou um dos maiores sucessos de todos os tempos – e voltou a fazer sucesso, resgatada pelo streaming e pelo tik tok.
E TEVE R.E.M.. Monster, álbum do R.E.M. lançado em 27 de setembro, largava o som quase folk dos discos anteriores e pesava a mão: guitarras altas, riffs e melodias intensas dominavam o álbum, que abria com uma guitarrada à moda de Ziggy Stardust, de David Bowie (no hit What’s the frequency, Kenneth?) e ainda homenageava Kurt Cobain e o ator River Phoenix, mortos naquele ano. Tão mainstream que parecia parte da paisagem musical dos anos 1990, o R.E.M. estava bem a fim de voltar aos palcos para divulgar o disco (não excursionavam desde 1989). Tanto que o grupo gravou muita coisa do álbum quase ao vivo. Mas o afastamento do grupo do dia a dia das turnês era tão grande que, basicamente, Michael Stipe e cia tiveram que reaprender a existir como banda.
E TEVE… WOODSTOCK? Teve: em 12 de agosto teve início o Woodstock 2 ou Woodstock 94, segunda edição da feira de música de 1969, com uma mescla de muitos artistas recentes (Green Day, Red Hot Chili Peppers, Nine Inch Nails, Cranberries, Metallica, Primus) e alguns antigos (Bob Dylan, que não havia se apresentado no festival original, e Joe Cocker, que havia feito bastante sucesso no evento em 1969). Como no evento de 1969, houve poucas mortes, muita gente querendo entrar e… prejuízo, já que os sem-ingresso não tiveram dificuldades para entrar na Fazenda Winston, a oeste de Saugerties, Nova York, onde rolou tudo. No Brasil, um compacto com os melhores momentos foi exibido pela Band, num programa curiosamente chamado Hollywood Rock in Concert (mas que nada tinha a ver com o festival de mesmo nome, quase privativo da Rede Globo).
DAVI CONTRA GOLIAS. A batalha bíblica foi citada como exemplo para definir a briga da banda norte-americana Pearl Jam contra a gigante dos ingressos Ticketmaster, que durou o ano de 1994. Eddie Vedder, cantor do grupo, reclamava do monopólio da empresa e das taxas que encareciam os ingressos. O grupo decidiu não fazer mais shows nos Estados Unidos, o Pearl Jam entrou com uma queixa antitruste contra a empresa e o Departamento de Justiça abordou a banda para que rolasse uma investigação federal na Ticketmaster.
A investigação não deu em muita coisa (“felizmente os fatos estavam do nosso lado e nós vencemos”, disse um porta-voz). O Pearl Jam lançou em novembro de 1994 um disco, Vitalogy, que fez sucesso a ponto de conseguir emplacar sua versão em vinil (formato ultrapassado na época) nas paradas. Mesmo assim, problemas aguardavam o grupo: boicotando e provocando a Ticketmaster, a banda iniciou em 1995 uma turnê auto-produzida, em que ingressos eram vendidos por empresas alternativas. O estresse foi imenso, e a banda praticamente ficou isolada, sem muitos apoios.
MAIS GRANA? Lançado em 1º de julho de 1994, o real, nova moeda do país, vinha de um plano de combate à inflação do governo Itamar Franco, que passou por várias fases, cortou zeros e afastou o fantasma da hiperinflação que rondou a vidas de todo mundo durante os anos 1980 e o começo dos anos 1990. O plano ajudou a catapultar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso à presidência da república, deu uma organizada na bagunçadíssima economia do país na época e levou milhões de brasileiros aos shopping centers.
O sonho foi bom (digamos) enquanto durou. Para quem comprava discos, era o paraíso, pelo menos no início: grandes magazines vendiam CDs importados (boa parte deles eram de séries “best price” de gravadoras como Sony e Warner, o que era anunciado por um adesivo com ponto de exclamação na capa), álbuns novos eram mais encontrados em edições importadas do que em nacionais, lojas de discos que já tinham filiais viravam verdadeiras cadeias, espalhadas pelas cidades brasileiras. Com o tempo, claro, o acesso aos shoppings foi diminuindo, lojas foram fechando, a pirataria foi tomando conta e o sonho virou pesadelo pra uma turma bem grande.
OBRAS PARADAS. 1994 foi célebre por um detalhe que deixou uma turma enorme sem dormir, aqui no Brasil: pela primeira vez desde 1986 não houve um disco novo dos Engenheiros do Hawaii, banda que (tudo considerado) era a mais bem sucedida do rock brasileiro no começo dos anos 1990. O guitarrista Augusto Licks havia saído da banda após uma briga com o líder Humberto Gessinger e a banda ficou parada por uns tempos – o site Setlist.com indica que os shows ficaram suspensos de novembro de 1993 a outubro de 1994, com exceção de um aparição no Programa Livre, de Serginho Groisman, em janeiro.
O grupo anunciou um novo guitarrista para o lugar de Augusto, Ricardo Horn, mas o trio não funcionou. Em 1995 os Engenheiros seriam um quinteto e seriam ouvidos fazendo uma cafonérrima mescla de country e hard rock de arena no álbum Simples de coração.
ALIÁS E A PROPÓSITO os Paralamas do Sucesso davam uma lição de experimentalismo e “alternatividade” no rock nacional lançando em 1994 Severino, disco produzido pelo ex-Roxy Music Phil Manzanera. O álbum conseguiu estourar mais ou menos o rap-rock Cagaço, o balanço Dos margaritas e a balada esquisitaça O amor dorme – um prodígio, aliás. Os Titãs se recolheram e deram espaço a trabalhos individuais dos seus integrantes – Nando Reis estourou Onde você mora, feita com a então namorada Marisa Monte, no disco Sobre todas as forças, do Cidade Negra.
ROCK BOCA SUJA. Os pais se assustavam, os professores reclamavam, mas o fato é que naquele ano começava a fazer sucesso nas rádios o forró-core dos Raimundos, repleto de sacanagens politicamente incorretas e palavrões. Se hoje músicas como Puteiro em João Pessoa, Palhas do coqueiro (“debaixo de um teto de espelhos/é onde tu estás a me chifrar”) e Selim chocam hoje, na época a banda estreou com bênçãos de todos os benzedores possíveis, dos Titãs à MTV, e abriu a porteira para milhares de outros grupos que misturavam rock e ritmos brasileiros, além das novas bandas de Brasília (Little Quail and The Mad Birds, Maskavo Roots, etc).
Ouvindo o disco de estreia dos Raimundos com antecipação e anunciando o lançamento para maio de 1994, Fabio Massari (então VJ da MTV) comentava sobre a banda na Folha, já anunciando o esgotamento do termo “forró-core”: “Os Raimundos dão o que falar, e isso é bom. Mas o melhor é ouvir. E o ideal é não esperar por um disco-tratado sobre a nossa realidade que faça fusões com a tal da sonoridade nordestina”, escreveu.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Raimundos, o primeiro disco epônimo da banda, marcava a estreia do Banguela, selo do produtor Carlos Eduardo Miranda com os Titãs. Outra invenção daquele ano, e um dos poucos selos indies nacionais ligados a grandes gravadoras (a Warner, no caso) a ocuparem lugar no mercado. Numa época de contenção de custos na gravadora, o selo chegou a ter um elenco maior do que o de sua nave-mãe.
ALTERNATIVAS A QUEM MESMO? Não havia como negar: considerado a cara musical do começo dos anos 1990, o termo “alternativo” ia se esgotando aos poucos. Usado para definir quase todo mundo que havia lançado disco entre 1991 e 1993 (e anteriormente, utilizado para falar de artistas que pertenciam a selos pequenos), acabou não conseguindo definir mais nada nem ninguém – era basicamente um nome cata-corno que bandeirava qualquer artista “jovem” que pusesse um pouco de sujeira a mais que o normal em seu som. Tanto que bandas que definitivamente não eram alternativas a nada, como o Live (do hit Pain lies on the riverside) eram ensanduichadas com grupos como Screaming Trees, Soundgarden, Alice In Chains e várias outras formações.
Todas essas bandas, claro, eram bastante desafiadoras (o Live, não!). Mas entregavam um som que era mais ou menos o que dava certo na época – variações em torno do heavy metal, do punk e da psiqué sombria do rock do começo dos anos 1990. Jornalistas reclamavam que aquele alternativo-nada-alternativo invadia até mesmo os festivais criados originalmente como canhões de comunicação para novas bandas. Como o Lollapalooza, que em 1994 receberia os bem sucedidíssimos Smashing Pumpkins, e quase recebeu o Nirvana, que recusou uma suposta oferta de US$ 10 milhões.
ALIÁS E A PROPÓSITO, o vocalista Kurt Cobain não foi sequer procurado para apitar nessa saída da banda. Principalmente porque nem sequer estava vivo para dizer sim ou não – o cadáver dele foi descoberto em 8 de abril, no dia seguinte ao anúncio da saída da banda do festival, e a perícia concluiu que ele já estava morto desde o dia 5.
E ENFIM, KURT SE FOI. “O dia em que a música morreu”, disse o periódico The Daily News no dia em que foi noticiado mundialmente o óbito de Kurt Cobain. O corpo foi encontrado por um eletricista, Gary Smith, contratado para fazer reparos na casa do músico em Seattle. Gary entrou na casa com relativa facilidade e, ao ver o corpo, inicialmente pensou que fosse um manequim jogado no chão. Toda a história a partir do momento em que encontram o corpo de Kurt é confusa e precisou passar por várias perícias e apurações. A começar pelo fato de que o músico tinha tanta heroína no sangue que dificilmente conseguiria pegar uma arma e atirar, o que deu início a uma enorme temporada de suspeitas de que ele havia sido assassinado.
Subitamente começaram a aparecer sinais de que Kurt, totalmente drogado e intratável, contou bastante com a falta de atenção das pessoas que o cercavam. A espingarda que foi encontrada perto de seu corpo (e que só seria periciada em maio) havia sido comprada para ele por um amigo, por exemplo. Poucos dias antes de rolar uma intervenção feita por seus amigos mais próximos, o baixista do Nirvana, Krist Novoselic, esteve com ele, e ficou impressionado com a falta de conexão do amigo com a realidade. Seja como for, a morte de Kurt foi uma nota muito triste, que não poderia encerrar de maneira mais deprimente a era grunge – e representou uma divisão de épocas no mercado musical.
NIRVANINHAS EM AÇÃO. Com o sucesso do Nirvana, várias bandas independentes foram contratadas por gravadoras grandes. Algumas dessas bandas ficariam mais algum tempo contratadas – o Mudhoney ficou na Reprise até 1998, o Helmet ficaria na Interscope até encerrar atividades, e em 2004 voltaria contratado do selo. Incrivelmente, a banda podre Melvins, clássico do sludge metal local, ficaria na Atlantic até 1997, com direito a uma discografia paralela e mais anticomercial ainda saindo por selos menores.
OASIS. Em 25 de setembro de 1994, o Rio Fanzine, seção alternativa do jornal carioca O Globo destacava uma “sensação do rock” chamada Oasis, cujo disco de estreia, Definitely maybe, tinha vendido 150 mil cópias em uma semana – e já era o disco de estreia mais vendido de todos os tempos na Inglaterra. Carlos Albuquerque, autor da matéria, destacava que o DJ John Peel havia falado para a banda que “John Lennon adoraria o som deles”. Nada de baixo astral: o guitarrista Noel Gallagher dizia que a música da banda era “sobre como a vida poderia ser melhor se você fosse uma estrela do rock ou se tivesse aquela garota inatingível”. Faixas como Live forever, Cigarettes and alcohol e Rock and roll star eram realmente impressionantes – aliás o disco todo era.
BRIT POP. O rock britânico, com raras exceções, estava escondido no começo dos anos 1990 – apesar de um hit do Suede ali, outro dos Soup Dragons acolá. Em 1994, o Blur lançava o redefinidor disco Parklife – um álbum mutante, influenciado tanto pela onda indie dance dos anos 1980 quanto pelo anglicismo storyteller de bandas como Kinks e Who (era o disco de Girls and boys, sem falar na faixa-título).
A disputa com o Oasis pela primazia do novo rock britânico viria a cavalo, claro. Mas, na briga, estavam o Suede com Dog man star, o Pulp com His’ n hers, o Ride, com Carnival of light. Isso tudo saiu em 1994. Ano por sinal, durante o qual o Elastica, grande sensação do rock britânico em 1995, já estava em estúdio gravando o álbum de estreia.
MAS AFINAL, EXISTIA ROCK ALTERNATIVO NESSA ÉPOCA? Sim, e muito. O termo podia ser usado para definir bandas que estavam até mesmo em grandes gravadoras, como Sonic Youth, Dinosaur Jr, Weezer (estreados naquele ano com o “blue album”), Posies e Teenage Fanclub (este, lançado na Inglaterra pela Creation e nos EUA pela DGC, selinho indie da grandalhona Geffen Records). No Brasil, valia para bandas como Pin-Ups, Second Come, Gangrena Gasosa, Pelv’s e Killing Chainsaw, ou até para O Rappa, banda de reggae rueiro que lançara seu primeiro álbum pela Warner, com péssima distribuição. Não valia nem um pouco para a fase “pesada” dos Titãs, já que os próprios, mesmo gravando versos como “não sei qual é o problema/qual é o problema, seu bosta?” faziam questão de lembrar que “a gente não é alternativo, a gente trabalha para a Warner”.
Valia igualmente para o Pavement, que em 1994 lançava o segundo disco, Crooked rain, crooked rain, para o Sugar, banda nova de Bob Mould (Hüsker Dü), para o Guided By Voices, para PJ Harvey, e para novos nomes do folk-rock como Grant Lee Buffalo e Uncle Tupelo (que daria origem ao Wilco naquele mesmo ano). Valia também para uma onda de indie rock lo-fi que se iniciava e que inspirou muitas bandas no Brasil: Sebadoh, Tall Dwarfs, Liz Phair (discos como Exile in guyville e Whip-smart fizeram cabeças). Aliás valia até para Beck, estourado em 1994 com o disco Mellow gold, mas que alternava álbuns independentes em meio a discos pela Geffen.
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
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Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
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E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
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Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
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