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Cultura Pop

Laura Finocchiaro: um papo sobre música, reality shows e independência

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Laura Finocchiaro fala sobre música, reality shows e independência

O papo que o Pop Fantasma bateu com a gaúcha Laura Finocchiaro passou por vários temas: seus 40 anos de carreira independente, o lançamento do novo disco, Oxigênio (que foi gravado em seu quarto durante o ano de 2020 e serviu para ela como “um alívio” em meio à pandemia), sua militância contra o machismo e a homofobia. Mas a conversa chegou em mais detalhes: a luta pessoal de Laura contra o jabá na música, seu amor e devoção à obra da irmã Lory F (morta em agosto de 1993 e que ganhou uma homenagem em Porto Alegre no ano passado) e… o período que Laura passou trabalhando na TV.

Pois é, Laura fez canções para o infantil TV Colosso (saíram até no disco do programa) e passou um bom tempo cuidando da produção musical de reality shows, como o Casa dos artistas, do SBT e A fazenda, da Record. No primeiro, sonorizou as cenas de romance entre Supla e Bárbara Paz e chegou a trabalhar mais de 30 horas seguidas – a história da entrada de Laura na equipe, por sinal, rende lances que mais parecem história de espionagem. Na conversa a seguir, ela relembra essa época com detalhes e volta lá no comecinho da carreira.

Foto: Marian Starosta/Divulgação

Como você tá vendo esses 40 anos de independência? E como foi a opção pela independência?

Então, a opção veio quando me dei conta nos anos 1980, quando eu saía em todas as revistas … Porque eu era novidade, né? E o mercado precisa de novidade.

Eu me lembro.

Aí chega uma mulher, guitarrista. A partir de 1981 eu comecei a empunhar minha guitarra e meu primeiro show foi oficialmente em 1982. O nome era Minha grande paciência ser gente. Era meu show autoral, onde eu comandava a banda, que era gigantesca: sax, percussão, bateria. Eu que fiz os arranjos, eu que dirigi, fiz os arranjos dos backings. Como foi 1982 eu marco 40 anos, foi o primeiro show. Antes eu cantei com o Taranatiriça, o Gordo Miranda (o produtor Carlos Eduardo Miranda) montou essa banda. O primeiro show que eles fizeram, fiz backings pra eles. Mas isso era 1979, 1980. Depois veio o Carlinhos Hartlieb, um grande compositor gaúcho, que fez um trabalho incrível de rock no Sul. E foi no show dele que ele me deu o primeiro espaço para fazer uma música minha.

Comecei a compor por volta de 1980, quando me apaixonei pela primeira mulher da minha vida. Foi por causa da poesia e da voz dela. Desde criança e adolescente eu que animava as festas dos meus pais. Aprendi violão aos nove anos, quando fui para a primeira aula, de mãos dada com a Lory F, minha irmã, grande roqueira. Aliás, tu vai ter que mergulhar na obra dela, hein?

Claro!

Esse ano ela foi iluminada, 28 anos depois da morte dela, a Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, fez um palco com o nome Lory F. Veio também a exposição, um documentário que já tem mais de mil visualizações, e foi feito por um jovem de 23 anos. Tem shows, lives… Eu consegui relançar o disco dela, que fui eu que mixei depois da morte dela. E o disco entrou para os 50 melhores discos de rock do Sul, o Lory F Band. A vida inteira eu a homenageei mas esse ano fiz um show a ela, Tributo a Lory F no dia mundial da aids, em São Paulo.

Até hoje, por causa da morte da Lory, me tornei uma artista militante. Passei a ter que entender a morte, porque eu não aceitava, ela era minha vida, minha parceira. Foi ela que me levou para o rock, ela era minha baixista, a gente tocava juntas, ela que me acompanhava. Minha paixão pela música é igual até hoje. Esses dias o Luizinho do Duofel (Luiz Bueno) me viu tocando e me disse: “Laura, tu parece uma criança tocando, você toca de um jeito adolescente”. Ele que me fez perceber como eu sou criança até hoje. Fiquei naquele lugar da paixão pela música.

Eu vim para São Paulo nos anos 1980 fazer um show no Lira Paulistana, fiquei dez anos fazendo show aqui, fui revelada por Veja, Isto É, Folha, JB, aparecei em tudo quanto é lugar. Cheguei dez anos depois no Rock In Rio (Laura participou da segunda edição, em 1991), mas não conseguia entrar no mercado porque eu tenho essa ingenuidade. Faço música com amor e eu não consigo. Vejo essa putaria, o quanto esse mercado da música brasileira é vazio de arte. Só tem gente corrompendo, pagando pra fazer sucesso, os produtores não sabem escrever uma partitura, são uns merdas. A maioria é embuste. Não vou cair numa roubada dessas por causa de sucesso.

Nos anos 1980 eu ia nas rádios e falavam: “Só posso tocar se tu pagar mil reais por mês”. E meu show estava arrebentando. Nos anos 1990 procurava as rádios e era 40 mil, 20 mil reais… Vim para São Paulo só com a passagem de vinda, não tinha dinheiro para voltar. Mas eu dei até mais que meu sangue pela minha carreira. Com 40 anos de luta, eu não sabia que seria tão difícil. Quando eu estive na TV qualquer coisa que eu quisesse eu conseguia, né? Mas aí eu tinha um crachá. Mas minha história é fazer música, fazer rock.

E eu me sinto roqueira mas não sou rock´n roll. Lembro que fui no programa do Serginho Groisman quando fiz o Rock In Rio e um garoto ligou para la e reclamou que eu não era roqueira! Até o Serginho falou: “Mas como vocês são caretas! Ela não faz rock mas ela é roqueira, tem atitude!” Hoje eu entendo que tenho atitude porque ninguém me compra. Hoje até essas merdas de banner do Spotify e impulsionamento de Facebook me revoltam. O Facebook não é honesto. Se você pagar 5 reais não resolve nada. Tem que pagar 500. Só que no outro você tem que pagar 1000, no outro 1500, é que nem uma progressão geométrica. Esses algoritmos comem o negócio.

Então respondendo sua pergunta lá do começo, é como se eu estivesse começando (rindo)... O Sesc me encampou no começo e hoje ninguém lá me atende, aliás em lugar nenhum. Só vou conseguir manter minha carreira se passar em editais. O primeiro edital que eu passei foi o da Lei Aldir Blanc, porque aí os artistas já estavam passando fome e eles passaram todo o mundo. A Benedita da Silva (PT) é responsável por isso, ela que levou adiante. Foi a primeira vez que tive ajuda federal na carreira, daí fiz três videoclipes novos. É um projeto que se chama Laura Finocchiaro Live Show. Contratei uma equipe e consegui dar um hype na minha carreira enquanto eu gravava o disco novo, Oxigênio, que eu quis gravar no meu quarto. A essa altura, em 2019, eu já estava cheia de música nova, com uma letra inédita do Jorge Salomão…

Muito linda a letra, por sinal.

É demais, não é? E quando eu vi aquela letra, pensei: é impossível de musicar. Porque não tem um refrão. Eu fui deixando a letra mais pop, tirei umas coisas. Era difícil de fazer, mas falei: eu vou fazer. Falei que ia fazer um disco em casa, sozinha, e fiz. Não tinha nenhuma gravadora, tentei Biscoito Fino, várias, ninguém quis. Aliás, ninguém nunca me quis. Eu tenho a máquina em casa, sou formada em áudio, faço música eletrônica desde os anos 1980 e fui pioneira em música eletrônica no Brasil.

Dessa vez fiz sozinha, mas lá pelo meio do caminho, o Hans Zeh, que é meu amigo desde sempre, é produtor, é técnico de som, trabalhava com o RPM, me ofereceu ajuda. Ele produziu duas músicas porque eu queria ter pelo menos onze e não estava dando tempo. Demora muito tempo fazer tudo, eu escrevia a música, a partitura, os arranjos, depois pré-produzir…

Você compõe no violão mesmo? Como é a composição?

Faço de várias formas. Às vezes vem da cabeça, quando eu estou andando, aí vem a letra, uma ideia, e escrevo. Aí faço a harmonia em cima da letra. Às vezes um parceiro me dá uma ideia. Os parceiros que eu tenho, eu que inventei. Eu os obrigo a fazer letra. Tu já tá convidado também!

Opa!

É, eu peguei muito jornalista que nunca tinha escrito letra, o João Luiz Vieira por exemplo é jornalista. Falei: “Escreve sobre o vírus no Brasil, sobre o lockdown, sobre o Bolsonaro”. Ele escreveu Vírus. Só que não era exatamente aquela métrica, aí eu venho e faço a métrica.

Eu ia até perguntar sobre isso: por que é que tem dois jornalistas compondo com você?

Porque eu gosto, todos os meus casamentos foram com jornalistas (rindo). Apesar de eu amar músicos nunca casei com um. Preciso de uma coisa que não seja igual a mim e que me desafie. E jornalistas desafiam! (risos) A Cilmara Bedaque, uma das minhas primeiras parcerias, era jornalista e nunca tinha escrito letra, não se considerava letrista. E fizemos várias. A Vange Leonel (cantora, compositora e esposa de Cilmara, morta em 2014) gravou com a banda dela, Nau, Linha esticada, que é uma das músicas mais lindas que eu tenho, e a interpretação dela é linda.

No começo da carreira, com quem comparavam mais você?

Sempre me comparavam com Rita Lee e Cássia Eller, aqui do Brasil. Fora daqui era Joan Baez, Patti Smith, Bjork, por aí. Até Madonna!! Já tive meus tempos de Madonna. Talvez se a grande indústria tivesse investido em mim na época do Rock In Rio eu virasse a Madonna! Eu fazia aula de dança, tinha bailarinos, coreógrafos, fui a primeira mulher a misturar eletrônico com acústico no palco, usando gravações.

Na época nem tinha MIDI, podia dar um pau. Tinha que pré-gravar e levar em DAT. O Prince fazia isso em ADAT e levava 48 canais pré-gravados. Eu tava no palco do Prince no Rock In Rio e vi como ele fazia. Embaixo do palco dele tinha um japonês vestindo um terno Armani, a coisa mais chique, comandando uma sala técnica que era um estúdio. E embaixo do palco dele! Ali eu entendi como faziam shows ao vivo, aqueles espetáculos. Se eu estivesse lá fora, eu era milionária. Imagina, eu fiz TV Colosso

Você fez várias músicas do disco da trilha do programa, não foi? Como foi isso?

Eu que inventei essa coisa de música de pista para crianças! Eu já vivia na pista. Quando me encomendaram as músicas, foi me inspirar nas pistas de dança. Só que eu peguei o groove eletrônico das pistas que eu convivi. Conheço isso, sou gay, conheço os gays, isso é dos gays.

Por mais que depois o Tutinha tivesse vindo inventar de fazer aquela merda de música eletrônica que tocava na Jovem Pan, aquilo é coisa de heterossexual que não conhece o mundo underground. Underground é pra quem dá o c… e quem dá o c… é gay, eu sou amiga dos gays! Desculpa, mas fui bem literal (rindo). O hetero não tem a vivência do underground, e a música eletrônica é do underground. Essa música eletrônica de pista é uma merda…

E ficou muito banalizada essa coisa da música eletrônica para dançar.

Ficou! Quem tomou conta foi a grande indústria, né? E ela faz essa merda, feita por essas pessoas que não estão no underground, e não é de verdade. As pessoas consomem mentira, consomem carne, açúcar branco, se matam… Eu falo isso porque sou macrobiótica, não como carne há mais de 35 anos, li sobre yoga, hare krishna. A Lory foi minha mestra. Por isso que eu a homenageio até hoje, acredito na contracultura, acredito em milagre, acredito que a vida é tão maravilhosa que não pode ser só essa mediocridade que o mercado de consumo quer oferecer pra gente.

Como você vê o fato de as pessoas hoje em dia só quererem saber de números?

Ah vão se f… os algoritmos, né? Vou fazer uma música sobre os algoritmos, não dá para a gente ser refém disso. Não é para mim. Hoje eu tenho orgulho de só ter 2 mil seguidores no meu Instagram. Tenho 5 mil em cada Facebook, nem sei porque me seguem, se são fãs ou não. Não é uma coisa louca, não é comprado (rindo). É tipo amigo, vou ficando amiga. Meu YouTube tem mais de 500 vídeos, posto desde 2014 lá. É uma obra incrível que tá lá, ninguém sabe, mas tá lá.

Isso teria um valor. O Ruriá Duprat, sobrinho do Rogério Duprat, até me disse que se eu estivesse em Nova York ou Miami, eu estava de limusine na porta de casa e morando na cobertura (rindo). E eu faço trilhas sonoras também, desde os anos 1980.

Você tem feito trilhas?

Nos anos 1980 eu fiz muita coisa para teatro, tudo underground, fiz vídeo artístico, trilha de desfile de moda, Phytoervas Fashion, antes de ser hype. Fiz trilhas para Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Marcelo Sommer, gente top. Era tudo em colagem, depois veio a ter um nome, bootleg. Nem sabia que existia essa técnica. Eu mal tinha dinheiro, trocava o trabalho por roupa! O objetivo era fazer uma trilha que soasse bem na pista, fosse inovadora e tivesse a cara da coleção, e chamasse a atenção do público.

Eu nem podia entrar num estúdio sem grana. Roubava de LPs e CDs e mixava em quatro canais, em fita K7. E botava coisas minhas gravadas por cima, remixava, mandava por DAT, passava pro CD. No final Renato Lopes, Mau Mau e Patife, três grandes DJs, até me pediam para ensinar como que fazia. Eu aprendi – não sei como – a fazer, estava no meu sangue. No sangue da Lory estava o rock e no meu estava o “essa mulher sabe inventar!”. Virei um Professor Pardal na música.

Eu vou inventando sonoridades, mexo com música, gosto de timbre, de som, por isso fez essas camadas sonoras nos arranjos do Oxigênio, e por isso nenhum disco meu é simples. Acabei sendo pioneira nos reality shows com a Casa dos Artistas, fiz 20 reality shows pro Silvio Santos, sete temporadas da Fazenda

Como foi isso?

Eu acabei inventando o workflow dos reality shows. Não existiu ninguém antes de mim fazendo isso. A Lory já tinha morrido, eu tinha virado zen budista, já havia aceitado a morte, o amor intransponível. E trabalhava em ONGs cantando para crianças. Já atuava no meio da militância gay. Cantava em hospitais, dava aulas. E fazia trilhas para desfiles de moda e shows. Vivia saindo na coluna da Erika Palomino, na Sui Generis, Around.

Um dia toca o telefone, eu saindo do GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), onde eu cantava. Uma pessoa do SBT disse: “Laura, a gente sabe que tu trabalha com trilha sonora e estamos fazendo um projeto secreto aqui. E precisávamos de um produtor musical. Mas é uma reunião secreta, não podemos dizer o endereço. Não é no SBT. Tu precisa estar em tal praça, em tal horário, uma van vai te buscar”. Foi assim. Fui pra tal praça em tal horário, a van estava me esperando. Me levou para uma casa no Morumbi.

E aí?

Chego nessa casa, uma sala gigantesca, a casa já toda montada para ser um estúdio. Vou num andar em que tinha uma dala de reuniões, uma mesa gigantesca, um monte de gente, e numa ponta o Rodrigo Carelli, diretor do programa. Ele era diretor da MTV na época, tinha feito umas coisas que tinham dado super certo, Rita Lee ao vivo, etc. Ele era referência de música e foi contratado pelo Silvio para fazer esse projeto, que foi roubado da Endemol. Ela trouxe o Big Brother pro Brasil, fez uma reunião com o Silvio. Silvio não comprou o projeto, roubou a ideia, e mudou o nome.

Ele fez a própria bíblia, do projeto. O projeto original tem uma bíblia, é um livro grosso pra c…, que é vendido, e tem todas as regras. Silvio construiu o projeto e o Rodrigo, que me conhecia da MTV e da TV Gazeta, mandou me chamar. Eu tinha dado uma entrevista para um programa da TV Gazeta apresentado pela Marta Suplicy, sobre mulheres. Nem me lembrava mais disso. O Rodrigo trabalhava para a Marta nessa época e me entrevistou, daí me chamou.

Ele fez a reunião e me disse: “Tô te chamando porque sei que tu tem as mãos limpas”. Isso eu nunca vou esquecer. Ou seja: ele sabia que ninguém me corrompia, e que por isso, eu iria fazer uma produção musical que seria orgânica, original. Eu não ia aceitar dinheiro que essas babas dessas gravadoras pagavam para tocar, e pagavam a todos os produtores. Eu fiquei honrada, mas perguntei: “Quantas horas dura esse trabalho?”. Ele disse que como era a primeira vez eles nem sabiam, então era 24 horas! Falei que não podia por causa da ONG, cantava para as crianças três vezes por semana e o trabalho estava me dando vida. Falei que agradecia mas não aceitava, e fui embora.

E depois?

Quando eu tô saindo, na escada, a produtora me pega pelo braço e me fala: “Laura, tu é louca! Eu sei que tu não tem dinheiro, que tu não consegue ganhar dinheiro, isso vai te colocar em outro patamar, tu vai virar produtora musical do SBT, vai ter um salário”. Eu precisava ir pra casa pensar, eu amava o trabalho da ONG, cantava para crianças com câncer, tomando quimioterapia. Eu compunha para a criança no leito, na hora. Fiz isso por três anos. Aí que eu entendi que a música transforma, nem estava mais naquela onda do show business, de querer ser a Madonna.

Fui pra casa. Minha namorada, Suzy Capó, que era diretora do Mix Brasil, me pegou e falou: “Laura, a gente tá dura, não tem nada, vai trabalhar no SBT pelo amor de deus” (rindo). Pedi pro Julião, um músico amigo meu, ficar no meu lugar. Fui pro SBT e passei a ganhar dinheiro. Nunca tinha ganhado um salário! Cheguei no SBT e o que eles tinham pra me oferecer? Eles nem sabiam o que fazer, só sabiam que precisavam de música 24 horas por dia. Tinha mesa de som, eles estavam montando a parte de imagem, um equipamento incrível, aprendi pra c… Eu vi a transmissão da internet pela primeira vez, pelo UOL. O UOL ia com um caminhão para lá. Vi chegar o equipamento, senti o cheiro do equipamento…

Então praticamente você viu a reconstrução da televisão no Brasil, porque depois disso aí nada foi o mesmo, certo?

Eu vi os caras chegando com as máquinas, gente montando a sala, os engenheiros vendo como seria: “Onde fica essa câmera?”. Fiquei quinze anos no reality show, e depois quando chegou na Fazenda, vi o que isso tinha virado. A grandiosidade do equipamento, o que era transmitir de Itu (SP). Eu tava lá.

A Casa dos Artistas bateu a Globo com o beijo do Supla e da Barbara Paz tocando I say a little prayer for you, com a Aretha Franklin, quem botou a música fui eu. Quem acordava eles todos os dias com música era eu. Também botava pra dormir, era a DJ de todas as festas, editei todos os videoclipes que foram pro ar com música, sonorizei todos os domingos os programas do Silvio Santos… E fiz tudo sozinha. Sem assistente. No final, trabalhei 32 horas seguidas.

Como você aguentou isso?

Eu estava amando ganhar salário, ter dinheiro para comprar comida, ter uma faxineira, pagar aluguel. Era sempre a Suzy que me ajudava, eu estava amando dar dinheiro para ela. Isso me motivava. E eu era a dona da ideia, tudo que eu quis fazer, eu pude fazer. Eles me deram 250 mil para investir na música. Depois foi para 200 mil, até que chegou um momento em que eu não tinha dinheiro para música, mais (rindo).

Eu nunca joguei fora os cadernos da Casa dos Artistas e da Fazenda, tenho tudo guardado, todas as músicas que eu toquei em todos os programas, tenho as planilhas. Muita coisa. Mas enfrentei: disse que não aceitava jabá e que só tocaria o que eu quisesse. Começou a chamar atenção a ponto do Jotabê Medeiros escrever no Jornal da Tarde que a trilha sonora era a melhor coisa do programa. Me entrevistou, deu uma página inteira, começaram a me entrevistar e o SBT começou a ter uma mulher só para controlar as entrevistas que eu dava. Começaram a pedir para eu ficar quieta e não implicar demais com a indústria, mas eu não ficava. Lavei minha alma.

E o que aconteceu um dia: o Silvio Santos foi na minha sala. Eu estava editando alguma coisa, levei meu computador para lá, meus softwares. Precisava disso porque a música era em tempo real. O Silvio falou: “Como é que você faz esse trabalho?”. Ele foi com as filhas, elas falando: “Pai, vamos gravar um disco da Casa dos Artistas!”. Ele: “Vamos, vamos!” Quando eu levantei meu joelho dobrou, não acreditava que era ele ali, querendo saber como eu fazia aquilo. Falei: “Mestre, fiz isso com amor, amo fazer isso”. Aí vi o Silvio dobrar o joelho, porque parecia que eu estava mostrando uma cruz para um vampiro (rindo). Imagina, falar de amor dentro do SBT? Na indústria do entretenimento só fazem coisas por dinheiro.

Cultura Pop

Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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