Connect with us

Cultura Pop

Laura Finocchiaro: um papo sobre música, reality shows e independência

Published

on

Laura Finocchiaro fala sobre música, reality shows e independência

O papo que o Pop Fantasma bateu com a gaúcha Laura Finocchiaro passou por vários temas: seus 40 anos de carreira independente, o lançamento do novo disco, Oxigênio (que foi gravado em seu quarto durante o ano de 2020 e serviu para ela como “um alívio” em meio à pandemia), sua militância contra o machismo e a homofobia. Mas a conversa chegou em mais detalhes: a luta pessoal de Laura contra o jabá na música, seu amor e devoção à obra da irmã Lory F (morta em agosto de 1993 e que ganhou uma homenagem em Porto Alegre no ano passado) e… o período que Laura passou trabalhando na TV.

Pois é, Laura fez canções para o infantil TV Colosso (saíram até no disco do programa) e passou um bom tempo cuidando da produção musical de reality shows, como o Casa dos artistas, do SBT e A fazenda, da Record. No primeiro, sonorizou as cenas de romance entre Supla e Bárbara Paz e chegou a trabalhar mais de 30 horas seguidas – a história da entrada de Laura na equipe, por sinal, rende lances que mais parecem história de espionagem. Na conversa a seguir, ela relembra essa época com detalhes e volta lá no comecinho da carreira.

Foto: Marian Starosta/Divulgação

Como você tá vendo esses 40 anos de independência? E como foi a opção pela independência?

Então, a opção veio quando me dei conta nos anos 1980, quando eu saía em todas as revistas … Porque eu era novidade, né? E o mercado precisa de novidade.

Eu me lembro.

Aí chega uma mulher, guitarrista. A partir de 1981 eu comecei a empunhar minha guitarra e meu primeiro show foi oficialmente em 1982. O nome era Minha grande paciência ser gente. Era meu show autoral, onde eu comandava a banda, que era gigantesca: sax, percussão, bateria. Eu que fiz os arranjos, eu que dirigi, fiz os arranjos dos backings. Como foi 1982 eu marco 40 anos, foi o primeiro show. Antes eu cantei com o Taranatiriça, o Gordo Miranda (o produtor Carlos Eduardo Miranda) montou essa banda. O primeiro show que eles fizeram, fiz backings pra eles. Mas isso era 1979, 1980. Depois veio o Carlinhos Hartlieb, um grande compositor gaúcho, que fez um trabalho incrível de rock no Sul. E foi no show dele que ele me deu o primeiro espaço para fazer uma música minha.

Comecei a compor por volta de 1980, quando me apaixonei pela primeira mulher da minha vida. Foi por causa da poesia e da voz dela. Desde criança e adolescente eu que animava as festas dos meus pais. Aprendi violão aos nove anos, quando fui para a primeira aula, de mãos dada com a Lory F, minha irmã, grande roqueira. Aliás, tu vai ter que mergulhar na obra dela, hein?

Claro!

Esse ano ela foi iluminada, 28 anos depois da morte dela, a Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, fez um palco com o nome Lory F. Veio também a exposição, um documentário que já tem mais de mil visualizações, e foi feito por um jovem de 23 anos. Tem shows, lives… Eu consegui relançar o disco dela, que fui eu que mixei depois da morte dela. E o disco entrou para os 50 melhores discos de rock do Sul, o Lory F Band. A vida inteira eu a homenageei mas esse ano fiz um show a ela, Tributo a Lory F no dia mundial da aids, em São Paulo.

Até hoje, por causa da morte da Lory, me tornei uma artista militante. Passei a ter que entender a morte, porque eu não aceitava, ela era minha vida, minha parceira. Foi ela que me levou para o rock, ela era minha baixista, a gente tocava juntas, ela que me acompanhava. Minha paixão pela música é igual até hoje. Esses dias o Luizinho do Duofel (Luiz Bueno) me viu tocando e me disse: “Laura, tu parece uma criança tocando, você toca de um jeito adolescente”. Ele que me fez perceber como eu sou criança até hoje. Fiquei naquele lugar da paixão pela música.

Eu vim para São Paulo nos anos 1980 fazer um show no Lira Paulistana, fiquei dez anos fazendo show aqui, fui revelada por Veja, Isto É, Folha, JB, aparecei em tudo quanto é lugar. Cheguei dez anos depois no Rock In Rio (Laura participou da segunda edição, em 1991), mas não conseguia entrar no mercado porque eu tenho essa ingenuidade. Faço música com amor e eu não consigo. Vejo essa putaria, o quanto esse mercado da música brasileira é vazio de arte. Só tem gente corrompendo, pagando pra fazer sucesso, os produtores não sabem escrever uma partitura, são uns merdas. A maioria é embuste. Não vou cair numa roubada dessas por causa de sucesso.

Nos anos 1980 eu ia nas rádios e falavam: “Só posso tocar se tu pagar mil reais por mês”. E meu show estava arrebentando. Nos anos 1990 procurava as rádios e era 40 mil, 20 mil reais… Vim para São Paulo só com a passagem de vinda, não tinha dinheiro para voltar. Mas eu dei até mais que meu sangue pela minha carreira. Com 40 anos de luta, eu não sabia que seria tão difícil. Quando eu estive na TV qualquer coisa que eu quisesse eu conseguia, né? Mas aí eu tinha um crachá. Mas minha história é fazer música, fazer rock.

E eu me sinto roqueira mas não sou rock´n roll. Lembro que fui no programa do Serginho Groisman quando fiz o Rock In Rio e um garoto ligou para la e reclamou que eu não era roqueira! Até o Serginho falou: “Mas como vocês são caretas! Ela não faz rock mas ela é roqueira, tem atitude!” Hoje eu entendo que tenho atitude porque ninguém me compra. Hoje até essas merdas de banner do Spotify e impulsionamento de Facebook me revoltam. O Facebook não é honesto. Se você pagar 5 reais não resolve nada. Tem que pagar 500. Só que no outro você tem que pagar 1000, no outro 1500, é que nem uma progressão geométrica. Esses algoritmos comem o negócio.

Então respondendo sua pergunta lá do começo, é como se eu estivesse começando (rindo)... O Sesc me encampou no começo e hoje ninguém lá me atende, aliás em lugar nenhum. Só vou conseguir manter minha carreira se passar em editais. O primeiro edital que eu passei foi o da Lei Aldir Blanc, porque aí os artistas já estavam passando fome e eles passaram todo o mundo. A Benedita da Silva (PT) é responsável por isso, ela que levou adiante. Foi a primeira vez que tive ajuda federal na carreira, daí fiz três videoclipes novos. É um projeto que se chama Laura Finocchiaro Live Show. Contratei uma equipe e consegui dar um hype na minha carreira enquanto eu gravava o disco novo, Oxigênio, que eu quis gravar no meu quarto. A essa altura, em 2019, eu já estava cheia de música nova, com uma letra inédita do Jorge Salomão…

Muito linda a letra, por sinal.

É demais, não é? E quando eu vi aquela letra, pensei: é impossível de musicar. Porque não tem um refrão. Eu fui deixando a letra mais pop, tirei umas coisas. Era difícil de fazer, mas falei: eu vou fazer. Falei que ia fazer um disco em casa, sozinha, e fiz. Não tinha nenhuma gravadora, tentei Biscoito Fino, várias, ninguém quis. Aliás, ninguém nunca me quis. Eu tenho a máquina em casa, sou formada em áudio, faço música eletrônica desde os anos 1980 e fui pioneira em música eletrônica no Brasil.

Dessa vez fiz sozinha, mas lá pelo meio do caminho, o Hans Zeh, que é meu amigo desde sempre, é produtor, é técnico de som, trabalhava com o RPM, me ofereceu ajuda. Ele produziu duas músicas porque eu queria ter pelo menos onze e não estava dando tempo. Demora muito tempo fazer tudo, eu escrevia a música, a partitura, os arranjos, depois pré-produzir…

Você compõe no violão mesmo? Como é a composição?

Faço de várias formas. Às vezes vem da cabeça, quando eu estou andando, aí vem a letra, uma ideia, e escrevo. Aí faço a harmonia em cima da letra. Às vezes um parceiro me dá uma ideia. Os parceiros que eu tenho, eu que inventei. Eu os obrigo a fazer letra. Tu já tá convidado também!

Opa!

É, eu peguei muito jornalista que nunca tinha escrito letra, o João Luiz Vieira por exemplo é jornalista. Falei: “Escreve sobre o vírus no Brasil, sobre o lockdown, sobre o Bolsonaro”. Ele escreveu Vírus. Só que não era exatamente aquela métrica, aí eu venho e faço a métrica.

Eu ia até perguntar sobre isso: por que é que tem dois jornalistas compondo com você?

Porque eu gosto, todos os meus casamentos foram com jornalistas (rindo). Apesar de eu amar músicos nunca casei com um. Preciso de uma coisa que não seja igual a mim e que me desafie. E jornalistas desafiam! (risos) A Cilmara Bedaque, uma das minhas primeiras parcerias, era jornalista e nunca tinha escrito letra, não se considerava letrista. E fizemos várias. A Vange Leonel (cantora, compositora e esposa de Cilmara, morta em 2014) gravou com a banda dela, Nau, Linha esticada, que é uma das músicas mais lindas que eu tenho, e a interpretação dela é linda.

No começo da carreira, com quem comparavam mais você?

Sempre me comparavam com Rita Lee e Cássia Eller, aqui do Brasil. Fora daqui era Joan Baez, Patti Smith, Bjork, por aí. Até Madonna!! Já tive meus tempos de Madonna. Talvez se a grande indústria tivesse investido em mim na época do Rock In Rio eu virasse a Madonna! Eu fazia aula de dança, tinha bailarinos, coreógrafos, fui a primeira mulher a misturar eletrônico com acústico no palco, usando gravações.

Na época nem tinha MIDI, podia dar um pau. Tinha que pré-gravar e levar em DAT. O Prince fazia isso em ADAT e levava 48 canais pré-gravados. Eu tava no palco do Prince no Rock In Rio e vi como ele fazia. Embaixo do palco dele tinha um japonês vestindo um terno Armani, a coisa mais chique, comandando uma sala técnica que era um estúdio. E embaixo do palco dele! Ali eu entendi como faziam shows ao vivo, aqueles espetáculos. Se eu estivesse lá fora, eu era milionária. Imagina, eu fiz TV Colosso

Você fez várias músicas do disco da trilha do programa, não foi? Como foi isso?

Eu que inventei essa coisa de música de pista para crianças! Eu já vivia na pista. Quando me encomendaram as músicas, foi me inspirar nas pistas de dança. Só que eu peguei o groove eletrônico das pistas que eu convivi. Conheço isso, sou gay, conheço os gays, isso é dos gays.

Por mais que depois o Tutinha tivesse vindo inventar de fazer aquela merda de música eletrônica que tocava na Jovem Pan, aquilo é coisa de heterossexual que não conhece o mundo underground. Underground é pra quem dá o c… e quem dá o c… é gay, eu sou amiga dos gays! Desculpa, mas fui bem literal (rindo). O hetero não tem a vivência do underground, e a música eletrônica é do underground. Essa música eletrônica de pista é uma merda…

E ficou muito banalizada essa coisa da música eletrônica para dançar.

Ficou! Quem tomou conta foi a grande indústria, né? E ela faz essa merda, feita por essas pessoas que não estão no underground, e não é de verdade. As pessoas consomem mentira, consomem carne, açúcar branco, se matam… Eu falo isso porque sou macrobiótica, não como carne há mais de 35 anos, li sobre yoga, hare krishna. A Lory foi minha mestra. Por isso que eu a homenageio até hoje, acredito na contracultura, acredito em milagre, acredito que a vida é tão maravilhosa que não pode ser só essa mediocridade que o mercado de consumo quer oferecer pra gente.

Como você vê o fato de as pessoas hoje em dia só quererem saber de números?

Ah vão se f… os algoritmos, né? Vou fazer uma música sobre os algoritmos, não dá para a gente ser refém disso. Não é para mim. Hoje eu tenho orgulho de só ter 2 mil seguidores no meu Instagram. Tenho 5 mil em cada Facebook, nem sei porque me seguem, se são fãs ou não. Não é uma coisa louca, não é comprado (rindo). É tipo amigo, vou ficando amiga. Meu YouTube tem mais de 500 vídeos, posto desde 2014 lá. É uma obra incrível que tá lá, ninguém sabe, mas tá lá.

Isso teria um valor. O Ruriá Duprat, sobrinho do Rogério Duprat, até me disse que se eu estivesse em Nova York ou Miami, eu estava de limusine na porta de casa e morando na cobertura (rindo). E eu faço trilhas sonoras também, desde os anos 1980.

Você tem feito trilhas?

Nos anos 1980 eu fiz muita coisa para teatro, tudo underground, fiz vídeo artístico, trilha de desfile de moda, Phytoervas Fashion, antes de ser hype. Fiz trilhas para Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Marcelo Sommer, gente top. Era tudo em colagem, depois veio a ter um nome, bootleg. Nem sabia que existia essa técnica. Eu mal tinha dinheiro, trocava o trabalho por roupa! O objetivo era fazer uma trilha que soasse bem na pista, fosse inovadora e tivesse a cara da coleção, e chamasse a atenção do público.

Eu nem podia entrar num estúdio sem grana. Roubava de LPs e CDs e mixava em quatro canais, em fita K7. E botava coisas minhas gravadas por cima, remixava, mandava por DAT, passava pro CD. No final Renato Lopes, Mau Mau e Patife, três grandes DJs, até me pediam para ensinar como que fazia. Eu aprendi – não sei como – a fazer, estava no meu sangue. No sangue da Lory estava o rock e no meu estava o “essa mulher sabe inventar!”. Virei um Professor Pardal na música.

Eu vou inventando sonoridades, mexo com música, gosto de timbre, de som, por isso fez essas camadas sonoras nos arranjos do Oxigênio, e por isso nenhum disco meu é simples. Acabei sendo pioneira nos reality shows com a Casa dos Artistas, fiz 20 reality shows pro Silvio Santos, sete temporadas da Fazenda

Como foi isso?

Eu acabei inventando o workflow dos reality shows. Não existiu ninguém antes de mim fazendo isso. A Lory já tinha morrido, eu tinha virado zen budista, já havia aceitado a morte, o amor intransponível. E trabalhava em ONGs cantando para crianças. Já atuava no meio da militância gay. Cantava em hospitais, dava aulas. E fazia trilhas para desfiles de moda e shows. Vivia saindo na coluna da Erika Palomino, na Sui Generis, Around.

Um dia toca o telefone, eu saindo do GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), onde eu cantava. Uma pessoa do SBT disse: “Laura, a gente sabe que tu trabalha com trilha sonora e estamos fazendo um projeto secreto aqui. E precisávamos de um produtor musical. Mas é uma reunião secreta, não podemos dizer o endereço. Não é no SBT. Tu precisa estar em tal praça, em tal horário, uma van vai te buscar”. Foi assim. Fui pra tal praça em tal horário, a van estava me esperando. Me levou para uma casa no Morumbi.

E aí?

Chego nessa casa, uma sala gigantesca, a casa já toda montada para ser um estúdio. Vou num andar em que tinha uma dala de reuniões, uma mesa gigantesca, um monte de gente, e numa ponta o Rodrigo Carelli, diretor do programa. Ele era diretor da MTV na época, tinha feito umas coisas que tinham dado super certo, Rita Lee ao vivo, etc. Ele era referência de música e foi contratado pelo Silvio para fazer esse projeto, que foi roubado da Endemol. Ela trouxe o Big Brother pro Brasil, fez uma reunião com o Silvio. Silvio não comprou o projeto, roubou a ideia, e mudou o nome.

Ele fez a própria bíblia, do projeto. O projeto original tem uma bíblia, é um livro grosso pra c…, que é vendido, e tem todas as regras. Silvio construiu o projeto e o Rodrigo, que me conhecia da MTV e da TV Gazeta, mandou me chamar. Eu tinha dado uma entrevista para um programa da TV Gazeta apresentado pela Marta Suplicy, sobre mulheres. Nem me lembrava mais disso. O Rodrigo trabalhava para a Marta nessa época e me entrevistou, daí me chamou.

Ele fez a reunião e me disse: “Tô te chamando porque sei que tu tem as mãos limpas”. Isso eu nunca vou esquecer. Ou seja: ele sabia que ninguém me corrompia, e que por isso, eu iria fazer uma produção musical que seria orgânica, original. Eu não ia aceitar dinheiro que essas babas dessas gravadoras pagavam para tocar, e pagavam a todos os produtores. Eu fiquei honrada, mas perguntei: “Quantas horas dura esse trabalho?”. Ele disse que como era a primeira vez eles nem sabiam, então era 24 horas! Falei que não podia por causa da ONG, cantava para as crianças três vezes por semana e o trabalho estava me dando vida. Falei que agradecia mas não aceitava, e fui embora.

E depois?

Quando eu tô saindo, na escada, a produtora me pega pelo braço e me fala: “Laura, tu é louca! Eu sei que tu não tem dinheiro, que tu não consegue ganhar dinheiro, isso vai te colocar em outro patamar, tu vai virar produtora musical do SBT, vai ter um salário”. Eu precisava ir pra casa pensar, eu amava o trabalho da ONG, cantava para crianças com câncer, tomando quimioterapia. Eu compunha para a criança no leito, na hora. Fiz isso por três anos. Aí que eu entendi que a música transforma, nem estava mais naquela onda do show business, de querer ser a Madonna.

Fui pra casa. Minha namorada, Suzy Capó, que era diretora do Mix Brasil, me pegou e falou: “Laura, a gente tá dura, não tem nada, vai trabalhar no SBT pelo amor de deus” (rindo). Pedi pro Julião, um músico amigo meu, ficar no meu lugar. Fui pro SBT e passei a ganhar dinheiro. Nunca tinha ganhado um salário! Cheguei no SBT e o que eles tinham pra me oferecer? Eles nem sabiam o que fazer, só sabiam que precisavam de música 24 horas por dia. Tinha mesa de som, eles estavam montando a parte de imagem, um equipamento incrível, aprendi pra c… Eu vi a transmissão da internet pela primeira vez, pelo UOL. O UOL ia com um caminhão para lá. Vi chegar o equipamento, senti o cheiro do equipamento…

Então praticamente você viu a reconstrução da televisão no Brasil, porque depois disso aí nada foi o mesmo, certo?

Eu vi os caras chegando com as máquinas, gente montando a sala, os engenheiros vendo como seria: “Onde fica essa câmera?”. Fiquei quinze anos no reality show, e depois quando chegou na Fazenda, vi o que isso tinha virado. A grandiosidade do equipamento, o que era transmitir de Itu (SP). Eu tava lá.

A Casa dos Artistas bateu a Globo com o beijo do Supla e da Barbara Paz tocando I say a little prayer for you, com a Aretha Franklin, quem botou a música fui eu. Quem acordava eles todos os dias com música era eu. Também botava pra dormir, era a DJ de todas as festas, editei todos os videoclipes que foram pro ar com música, sonorizei todos os domingos os programas do Silvio Santos… E fiz tudo sozinha. Sem assistente. No final, trabalhei 32 horas seguidas.

Como você aguentou isso?

Eu estava amando ganhar salário, ter dinheiro para comprar comida, ter uma faxineira, pagar aluguel. Era sempre a Suzy que me ajudava, eu estava amando dar dinheiro para ela. Isso me motivava. E eu era a dona da ideia, tudo que eu quis fazer, eu pude fazer. Eles me deram 250 mil para investir na música. Depois foi para 200 mil, até que chegou um momento em que eu não tinha dinheiro para música, mais (rindo).

Eu nunca joguei fora os cadernos da Casa dos Artistas e da Fazenda, tenho tudo guardado, todas as músicas que eu toquei em todos os programas, tenho as planilhas. Muita coisa. Mas enfrentei: disse que não aceitava jabá e que só tocaria o que eu quisesse. Começou a chamar atenção a ponto do Jotabê Medeiros escrever no Jornal da Tarde que a trilha sonora era a melhor coisa do programa. Me entrevistou, deu uma página inteira, começaram a me entrevistar e o SBT começou a ter uma mulher só para controlar as entrevistas que eu dava. Começaram a pedir para eu ficar quieta e não implicar demais com a indústria, mas eu não ficava. Lavei minha alma.

E o que aconteceu um dia: o Silvio Santos foi na minha sala. Eu estava editando alguma coisa, levei meu computador para lá, meus softwares. Precisava disso porque a música era em tempo real. O Silvio falou: “Como é que você faz esse trabalho?”. Ele foi com as filhas, elas falando: “Pai, vamos gravar um disco da Casa dos Artistas!”. Ele: “Vamos, vamos!” Quando eu levantei meu joelho dobrou, não acreditava que era ele ali, querendo saber como eu fazia aquilo. Falei: “Mestre, fiz isso com amor, amo fazer isso”. Aí vi o Silvio dobrar o joelho, porque parecia que eu estava mostrando uma cruz para um vampiro (rindo). Imagina, falar de amor dentro do SBT? Na indústria do entretenimento só fazem coisas por dinheiro.

Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Published

on

O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

Continue Reading

Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Published

on

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

Continue Reading

Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

Published

on

Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

  • Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
  • E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.

Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

Continue Reading
Advertisement

Trending