Cultura Pop
Golden Shower: “Talvez Bolsonaro seja nosso fã”

O duo paulistano de música eletrônica Golden Shower, formado por Markus Karlus e Kevin Rodgers (aliás, Carlos Bêla e Roger Marmo), não poderia ter escolhido melhor hora para retomar as atividades. Pouco depois de recolocar suas “obras completas” na internet – dois discos, The Golden Album e The Shower Album, com material feito entre 1997 e 2006 – foram surpreendidos pelo tuíte do presidente Jair Bolsonaro atacando o Carnaval (com um vídeo explícito em que um sujeito faz xixi em outro). E pelo outro tuíte do presidente, em que ele perguntava “o que é golden shower?”.

A dupla contra-atacou da forma mais bem-humorada possível (olha só a figura acima). E aproveitou para dar uma divulgada na remasterização de suas músicas – um projeto que ganhou até trailer cheio de imagens tiradas de jogos do Atari (ver abaixo). O videogame popularizado no Brasil durante os anos 1980 serviu de base para o maior hit do Golden Shower, Video Computer System, cujo clipe virou viral (numa época em que era preciso explicar o que era um “viral”) ao ganhar o VMB 2000 da MTV na categoria música eletrônica.
Bati um papo com Carlos Bêla sobre a época em que o Golden Shower surgiu, sobre os relançamentos, e sobre como foi ver o sucesso involuntário (o post do “o que é Jair Bolsonaro?” foi bastante printado e compartilhado) bater na porta mais de vinte anos após as primeiras gravações da dupla.
POP FANTASMA: De uma hora para outra, por causa de um tuíte do nosso presidente, todo mundo passou a querer saber o que era “Golden Shower”. Como isso repercutiu no interesse pelo trabalho de vocês? Houve muita procura?
MARKUS KARLUS (CARLOS BÊLA): Sim, a procura aumentou muito nos últimos dias. Além de apresentar o som pra alguns, foi ótimo para as pessoas que conheciam nosso trabalho, mas não sabiam que estamos relançando todas as músicas e clipes remasterizados. Essas faixas e vídeos foram disponibilizados há duas ou três semanas. Ou seja, o tweet do presidente foi num timing perfeito. Talvez ele seja nosso fã. Mas já avisamos: não damos autógrafos.
Definam o Golden Shower (o grupo, no caso) para quem não conhece. Golden Shower é projeto multimídia que homenageia e ao mesmo tempo tira uma onda da cultura pop dos anos 1980. Começamos a compor em 1997 e até 2006 fizemos 19 músicas, dois clipes e outras colaborações digitais. Agora em 2019 estamos de volta com as músicas remasterizadas e disponíveis nas plataformas digitais, e queremos lançar mais coisas em breve.
Como estão vendo o fato de o Brasil mudar tanto minuto a minuto, por causa de tuitadas e declarações malucas? Aliás, como vocês, que começaram a fazer música eletrônica numa época em que internet a cabo ainda era conto da carochinha, estão enxergando essa era em que um disparo na internet vira o assunto da semana? Apesar de termos começado a fazer música em 1997, a internet esteve presente fortemente na nossa história. Quando lançamos o clipe da Video Computer System, em 2000, ele acabou sendo um viral numa época que mal se usava essa expressão. O clipe rodou o planeta numa internet discada, na base de envio de videos por email ou ICQ (!).

Agora, sem dúvida a coisa agora está mais rápida e caótica. O poder das redes sociais é assustador, no bom e no mau sentido. Há quem utilize isso de forma criativa, boa, positiva. E há quem só parece estar interessado em chafurdar, regurgitar negativamente, como é o caso de certos políticos…
Como surgiu o Golden Shower (mais uma vez pra deixar claro: o grupo)? A idéia surgiu numa época em que a gente ia direto numa lanchonete de madrugada, pra comer e falar bobagem. E lá, pelo menos naquela época, o rádio ficava sintonizado direto na Antena 1 FM. Só clássicos: Lionel Richie, Toto, Sade, Gazebo… Parecia que o dial tinha sido congelado por volta de 1985. E de repente a gente começou a prestar atenção naquelas músicas, e a perceber como tudo aquilo era pasteurizado e inócuo… mas ao mesmo tempo simpático, por causa de todas as lembranças que nos trazia. Afinal, a gente cresceu ouvindo essas pérolas. Foi aí que nasceu a ideia de prestarmos uma “homenagem” a esse tipo de música dos anos 1980, sempre com essa relação ambígua de desprezo e simpatia ao mesmo tempo.
A ideia a princípio era simplesmente fazer uma mega-coletânea dessas músicas. Era pra distribuir entre os amigos e todo mundo dar risada e ficar com vergonha ao lembrar que um dia dançou ao som de Mr. Mister. Pra isso fizemos uma extensa pesquisa, basicamente com trilhas sonoras de novelas da época e coletâneas tipo Video Hits.
Mas de repente a gente pensou: “Por que a gente mesmo não faz umas músicas horríveis logo de uma vez?” E foi assim que começamos, com o objetivo de fazer música assumidamente ruim, mas que pudesse passar por boa pelos ouvidos incautos, graças aos sons e timbres luxuosos e sofisticados que conseguimos a partir de um sintetizador que encontramos na época. Só que, pensando bem, nunca conseguimos fazer uma música 100% terrível, sempre acabava saindo alguma coisa legal no meio dela…
Que tipo de som influenciou vocês? Tudo isso citado aí em cima, a cultura pop dos anos 1980, do melhor ao pior: música, videogame, TV, cinema, arte, etc.
Alguma história engraçada ou curiosa dos primeiros shows ao vivo? Como era fazer música eletrônica ao vivo naquela época?Nunca fizemos shows. Houve uma única apresentação no festival Eletronika, em BH, no ano de 2002, mas ambos os integrantes não estiveram presentes, então não sabemos se foi legal ou não. Alguém por aqui estava lá pra contar pra gente?
Que equipamento vocês usavam para fazer música? O Atari, cujos sons são a base de Video Computer System, fazia parte do equipamento de estúdio? O Atari foi usado sim pra gravar a Video Computer System. Ligamos ele a uma TV, plugamos um microfone num Mac e gravamos tudo. São todos sons originais de Atari. Pegamos um que acharmos ainda funcionando (existe uma praga que todos os Ataris numa hora morrem, mas conseguimos pescar um ainda vivo), juntamos a maior quantidade possível de cartuchos de jogos que conseguimos com amigos, primos, vizinhos, inimigos, plugamos na TV e fomos jogando cada um deles, com um microfone apontado pra TV gravando todos os sons. Foi bem divertido. Depois fomos selecionado cada som dos jogos e construímos a música. Usávamos também um synth de guitarra, o GR30 da Roland. Acho que demoramos umas três semanas pra fazer a música.
Com o tempo foram surgindo muitos software instruments, e aí a coisa foi ficando mais fácil e variada. No início, usávamos o Deck II como programa pra montar e mixar as músicas, mas logo passamos para o Logic, na época ainda fabricado pela Emagic e que, mais tarde, foi comprado pela Apple — e existe até hoje.
Era tudo feito no computador, mesmo, então… Tudo feito em casa, num Mac, com vários softwares, um microfone, e muito requinte e sofisticação. Fazíamos muitas gravações direto no computador logo no começo do projeto, em 1997. As 5 primeiras músicas basicamente são todas feitas dessa maneira. Só depois que os instrumentos virtuais foram aparecendo e sendo mais usados.
Como foi feito o clipe? Antes mesmo da gente concluir a música já sabíamos que seria impossível não fazer um clipe pra ela. O tema era bom demais pra deixar passar, a referência aos velhos joguinhos do Atari apresentava possibilidades gráficas ilimitadas. Mas por um motivo ou outro a gente nunca conseguia tocar o projeto adiante. A coisa só foi sair mesmo três anos depois, quando os caras da Lobo entraram na história. Eles assumiram o projeto e levaram até o fim, trabalhando como uns loucos pra terminar o clipe a tempo de inscrevê-lo no VMB da MTV.
O clipe foi vencedor na categoria música eletrônica no VMB 2000 da MTV. E virou viral numa época em que “viral” também era história de conto de fadas. O que isso representou pra vocês na época? O prêmio da MTV garantiu um bela exposição pra gente, sem dúvida. Algumas aparições nos jornais, a veiculação do clipe na programação normal por um tempo… Mas nada se compara ao retorno que a gente conseguiu a partir do momento em que nosso vídeo começou a circular pela internet. Foi meio sem querer. Na verdade, a gente ainda nem tinha um site propriamente dito. Só uma página provisória com um link pra baixar o clipe. E mesmo assim ele virou uma verdadeira praga, chegando ao primeiro lugar da lista das coisas mais “infecciosas” na internet feita pelo site Heavy.com (do David Carson), site gigante na época.
Começamos a receber e-mails de tudo quanto é canto do mundo, de gente desesperada pra saber mais sobre o Golden Shower. E a essa altura, seis meses depois, nosso clipe estava passando nas TVs da Alemanha e da Dinamarca. A além de ter figurado em festivais de vídeo digital como o DFILM e em sites como o New Venue, também bem importante no início dos anos 2000. Chegou até a aparecer como destaque na área de vídeo do site da Apple (2000 e 2001).
Até hoje ele está por aí, participando de exposições e mostras. A expo Spectacle: The Music Video viajou vários países e esteve inclusive em São Paulo, no MIS, por alguns meses. Lá o clipe foi apresentado dentro de um fliperama, bem ao estilo dos jogos que o clipe se inspirou.
Muita coisa que vocês fizeram deu uma bela adiantada na onda vaporwave. Ao ouvirem artistas desse estilo, vocês pensam um “pô, mas eu já fazia isso em 1999…”? Pra ser bem sincero, não acompanhamos muito a onda vaporwave. Um dos motivos é o uso exacerbado de clichês. Ao invés de se criar um estilo onde há uma releitura, acabam fazendo uma mera colagem praticamente literal do que se fazia nos anos 80. E isso é bem desinteressante.
O que sempre buscamos no Golden Shower foi reinterpretar, ironizar, pegar algo e misturar com outro elemento inusitado e que podia até nada ter a ver com a homenagem que estávamos fazendo. Cada música criada tinha uma lista enorme de referências, ironias e piadas internas.
A ideia do projeto nunca foi de emular literalmente o que se fazia numa época passada. Pra isso, bastava ouvir as músicas e ver as artes de então.
Me fala um pouco das diferenças entre os dois discos que vocês lançaram, The Golden Album e The Shower Album. Os dois são de gravações da época? Houve algum tratamento ou modificação nos fonogramas? Nossa ideia sempre foi disponibilizar as músicas na web, desde o início do projeto, quando isso era impensável por 98% das bandas. Tavam lá no site, pra quem quisesse baixar e ouvir no aconchego do seu boombox (sim, teve gente que gravou as músicas em fita cassette). Então, a ideia de “disco”, como aquela coisa de compilação de faixas, com ordem específica, nunca existiu. Eram faixas separadas, cada uma com sua história, pra serem ouvidas em modo randômico junto com as outras.
Mas as plataformas digitais, mesmo modernas, ainda seguem aquele formato de LP, EP. Achamos que seria estranho lançar 19 singles, faixas separadas e, por isso, surgiu a ideia de compilar tudo em dois discos, seguindo uma revolucionária organização: ordem cronológica.
O primeiro disco, The Golden Album, cobre a fase mais escrachada do projeto, com músicas de 1997 a 2000 e o segundo, The Shower Album, mostra uma fase mais madura, de 2001 a 2006.
Todas as 19 músicas foram remasterizadas pra esses lançamentos de 2019. A Video Computer System teve um tratamento ainda mais específico e difícil: fizemos uma nova mixagem pra ela, regulando de novo volumes e tratando detalhadamente os sons. O que resultou uma versão muito mais aberta e clara da música, mas sem perder sua essência.
Os dois clipes oficiais também foram mexidos: lançamos versões Full HD deles, com os áudios igualmente remasterizados (confira o outro clipe da dupla, o de Total control, abaixo).
Esse material, na época, ficou disponível apenas na internet? Não foram feitos discos?Apenas internet, com muito orgulho. Na época, nos chamávamos de “projeto virtual”, já que ninguém mostrava a cara, usávamos pseudônimos, não fazíamos shows, não lançávamos discos, etc. Depois surgiram o Gorillaz e outras bandas com essa ideia e o termo “projeto virtual” perdeu o sentido.
Alguma chance de vocês saírem em turnê, agora que “Golden Shower”, involuntariamente, virou papo de mesa de bar? Por enquanto continuaremos fazendo golden shower escondido. Essa história de escancarar golden shower pro Brasil todo ver, nós deixamos pra políticos de atitudes questionáveis.
Conheça aqui o site do Golden Shower
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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