Cultura Pop
Entrevista: Nicole Laurenne (The Darts) fala sobre carreira e disco novo

Fato: Se você ainda não ouviu falar em Nicole Laurenne, então você não tem nenhum apreço por Garage Rock. Afinal, essa talentosa cantora, instrumentista (e pasmem, juíza nas horas vagas!) já tocou em inúmeras bandas do estilo como o Love Me Nots, Motobunny, Zero Zero que fizeram turnês por várias partes do mundo, e hoje está aí com o The Darts, grupo que conta só com mulheres na sua formação e cujo som enérgico atraiu a atenção de ninguém menos que a lenda do punk rock Jello Biafra, que lançou seu álbum de estreia I like you but not like that pelo seu renomado selo Alternative Tentacles.
Às vésperas de lançar seu mais novo trabalho, intitulado Snake oil, entramos em contato com a simpática Nicole, sem dúvida uma das artistas mais boa praça com quem tivemos a oportunidade de conversar, e trocamos ideia sobre diversos assuntos, inclusive sobre a minha banda Stemphylium (que ela ouviu e, modéstia a parte, adorou!). Divirta-se:
Oi, Nicole! Antes de mais nada, me permita dizer que estou muito feliz por ter a oportunidade de te entrevistar, eu realmente adoro o som do The Darts! Conte-nos por favor sobre seu início na música: Quais foram as suas primeiras influências e qual foi o primeiro show que você viu ao vivo?
Eu cresci estudando piano clássico, sem ter muita exposição ao rock ou ao pop. A primeira canção pop que me deixou doida quando criança foi, estranhamente, Rich girl do Hall & Oates. Hahahahaha, por favor, não conte pra ninguém! Então mais tarde eu cresci e virei fã do Journey. Ccomo pianista que era, achava demais ver aquele piano vermelho de cauda enorme rodando num gigantesco palco… Eu estava assistindo MTV tarde da noite, desci as escadas com o maior cuidado para meus pais não acordarem, acho que foi um momento realmente decisivo pra mim… também mantenha isso entre nós, hahahahaha!).
Então comecei a me apaixonar pelo som da Sinead O’ Connor, The Police, Prince, mas a verdade é que eu continuava muito mais envolvida com a música clássica, tocando Mozart em concertos acompanhada de orquestras sinfônicas e por aí vai. Participei de alguns trios de jazz durante algum tempo e adorava. Eu nunca tinha ido num show de rock até chegar à faculdade em Michigan com meus amigos. Eu sempre amei compor músicas, fossem elas clássicas ou pop, desde muito jovem. Após um bom tempo eu conheci o guitarrista do Love Me Nots e ele me apresentou ao garage rock. Me apaixonei de imediato pela sonoridade, pela vibe e por ser bem aberto ao uso do teclado. As três primeiras grandes influências que me vêm à mente são o The Animals, The Seeds, ? And The Mysterians.
Antes do The Darts você fez parte de várias outras bandas como o Love Me Nots, Zero Zero e o Motobunny. Como foi essa experiência e por que essas bandas acabaram?
O Love Me Nots foi uma experiência incrível, eram músicos maravilhosos! Trabalhamos muito duro e conhecemos o mundo juntos, fomos contratados por um selo europeu e gravamos com Jim Diamond, que também produziu o White Stripes e o Dirtbombs, em Detroit. Vivi um sonho por praticamente uma década! Enquanto o Love Me Nots seguia em frente, eu comecei a me aventurar mais pelo lado da música eletrônica e graças a esse interesse surgiu o Zero Zero. Ao vivo nós usávamos bateria eletrônica e algumas bases pré-gravadas e eu tocava baixo num teclado Moog e tudo o mais num teclado Roland.
Depois colaboramos com nossos amigos de longa data da banda The Wolly Bandits e criamos o Motobunny, meio que um supergrupo que gravou um álbum com Jim Diamond, fez videos muito legais, assinou com uma gravadora nos EUA e teve um forte patrocínio da Roland. Eu até toquei algumas vezes com uma Key tar (o “teclado Roupa Nova” dos anos 1980, que o grupo carioca usava nos programas de TV) que a Roland me deu! Eu fui casada com o guitarrista de todos esses projetos, mas infelizmente nosso casamento não sobreviveu a elas. Entre alguns problemas internos e o fim do meu casamento, essas bandas acabaram chegando ao fim e o The Darts nasceu.
Como você conheceu as outras integrantes da banda?
Christina Nunez, nossa baixista, tocou no Love Me Nots por vários anos, então já tínhamos muitas afinidades, tanto de personalidade quanto musicalmente. Nós sempre conversamos sobre a ideia de ter uma banda só de garotas e, quando o Love Me Nots chegou ao fim, achamos que seria uma excelente oportunidade de fazer isso acontecer. Me aproximei de duas instrumentistas em Los Angeles que achei que seriam boas aquisições; a guitarrista Michelle Balderrama (Brainspoon) e a baterista Rikki Styxx (Dollyrots, Two Tens, Death Valley Girls). Nossos caminhos se cruzaram tantas vezes ao longo dos anos durante minhas turnês que acabou sendo uma escolha óbvia. Em apenas algumas semanas, eu e Michelle já havíamos composto um EP e estávamos prontas pra gravar.
Como vocês conheceram Jello Biafra e acabaram na Alternative Tentacles? Como é trabalhar com ele?
Jello foi DJ num show que o Love Me Nots fez em Los Angeles há alguns anos. Ele tocou nossos discos naquela noite e até subiu no palco pra cantar com a gente, foi completamente surreal! Mais tarde, nessa mesma noite, nós conversamos sobre política e sobre música durante um bom tempo e acho que meio que criamos uma conexão. Alguns anos depois, seu empresário o arrastou para assistir a um show do The Darts em San Francisco, e aparentemente ele não estava muito a fim porque não achou que pudesse ser tão legal quanto o Love Me Nots. Mas no final ele estava conosco na mesa onde vendíamos nosso merchandise dizendo pra gente o quanto amou nosso show e antes que déssemos conta, lançamos um compacto por sua gravadora.
Depois disso, demos a ele um álbum completo e foi assim que I like you, but not like that de 2019 veio ao mundo. Ele nos deixou muito à vontade pra fazermos o disco, o máximo que ele fez foram algumas sugestões de efeitos vocais para o nosso produtor durante a mixagem. Acabamos de terminar também nosso mais novo trabalho, Snake oil, que será lançado em breve. Jello se ofereceu para ajudar nas gravações e claro que aceitamos. Ele esteve conosco durante todo o processo, ajudando a escolher as músicas, fazer ajustes e arranjos diferentes para tornar as músicas as melhores possíveis, ouvindo com atenção cada fase da mixagem e da masterização, até a ordem das músicas ele ajudou a escolher! Ele também adicionou um toque final, mas ele é segredo por enquanto, hahaha! Ele é um verdadeiro artista que sabe do que gosta e que trabalha muito arduamente para chegar ao resultado que imagina. É uma fantástica experiência tê-lo ao nosso lado nesse projeto e eu tenho certeza que Snake oil será nosso melhor disco, fácil!
Como é fazer parte de uma banda só de garotas num mundo tão sexista? Como vocês lidam com isso?
Nós mulheres somos super fortes e resilientes. Não queremos ser conhecidas por sermos uma banda de garotas, mas sim por sermos boas profissionais e competentes no que nos propomos a fazer. As pessoas quando nos veem pela primeira vez pensam todo tipo de coisas (não podemos controlar isso, mas sinceramente nem queremos isso também), porém quando estamos no palco nós sempre surpreendemos. Tentamos sempre ser cuidadosas, responsáveis e todas aquelas coisas as quais muitos músicos não dão a mínima. Nós queremos que o mundo veja que nós somos artistas que devem ser levados a sério e até agora temos conseguido. Após os nossos shows, é muito raro o dono de um clube ou um promotor de eventos não estreitar laços conosco e nos convidar novamente para outros eventos. Mesmo quando fazemos bobagem no palco, nós damos a volta por cima e tudo termina bem. Tenho muito orgulho de todas as integrantes dessa banda!
Você realizou um dos sonhos da minha vida ao fazer uma turnê pelos EUA com o Damned. Como foi essa experiência? E se você tivesse a chance de escolher um artista para uma turnê, quem seria?
Excursionar com o The Damned foi um sonho!! Tocamos com eles por todos os EUA em locais grandes, e nos divertimos muito brincando com a banda e com a equipe nos bastidores. Eles são pessoas muito tranquilas, divertidas e incrivelmente bons no que fazem. Toda noite era como se nós tivéssemos ingressos na primeira fila pra ver o melhor show de todos os tempos! Dave Vanian me convidou várias vezes para subir no palco e fazer backing vocals e dançar com eles, foi realmente algo que nós nunca conseguiremos esquecer e mal podemos esperar pra fazer isso de novo algum dia!
O que você conhece de música brasileira?
Receio que não conheça muita coisa… Mas sei que há várias bandas legais de garage rock na América do Sul e eu estou sempre pronta pra descobrir coisas novas!
Você tem duas filhas, como elas lidam com a distância já que você está sempre em turnê? A propósito, falando nelas, ouvi dizer que as duas também estão envolvidas com música, elas ouvem as mesmas coisas que você? Elas também tem interessem em seguir esse caminho?
Minhas filhas cresceram numa casa grande cercadas de equipamentos de estúdio, piamos, instrumentos e várias pessoas compondo, não tinha como elas escaparem! Desde muito novinhas eu coloquei um piano no quarto delas e ensinei o máximo que pode de teoria musical, aulas de canto, etc. Elas aprenderam rápido s e todas as duas hoje tocam, cantam e compõem maravilhosamente bem. Eu tive muita sorte de ter minha família por perto quando elas eram jovens e, claro, de ter um emprego que me dava auxílio creche quando necessário. Fazer turnês sempre requeriam muito planejamento, mas pra elas era como se eu estivesse saindo a negócios. Sem contar que eu também me programava de modo a evitar ficar longos períodos longe. Elas levaram tudo numa boa e, espero que elas estejam orgulhosas de mim por fazer o que amo fazer.
Elas são gêmeas, porém têm gostos musicais completamente diferentes. Uma curte música clássica e jazz, toca baixo acústico muito bem e canta brilhantemente como uma cantora lounge dos anos 1940. Ah, e também estuda para se tornar uma neurocientista! Já a outra tinha uma banda quando estava no colégio chamada Le Zets (com Bob Hoag, que produziu o The Darts, na bateria!), mas ela entrou na faculdade de psicologia e a música ficou em segundo plano nesse momento da sua vida. Torço muito para que aconteça uma reunião do Le Zets num futuro próximo, eles eram muito divertidos ao vivo, ela como vocalista era super carismática e tinha uma presença de palco incrível! Ela tem uma veia roqueira muito forte, recentemente foi num show do King Gizzard e virou fã da banda de imediato, mas ela é muito centrada na sua carreira e ano que vem deve terminar seu mestrado. Tenho mesmo muito orgulho delas!
Além de ser cantora e mãe, você também trabalha como juíza. Como conciliar coisas tão diferentes?
É uma vida corrida, sem dúvida! Ser funcionária pública tem diversas vantagens e desvantagens quando você tenta ser uma artista profissional, mas não posso reclamar; tenho benefícios generosos e um período de férias muito bom. Contanto que eu planeje minhas turnês e meu tempo livre com bastante antecedência e cuidado, sempre terá alguém querendo trabalhar com a gente. Eu sou uma pessoa muito afortunada e eu nunca dei isso como garantido. Meu salário me permite fazer um pé de meia razoável para realizar meus objetivos, musicalmente falando.
Eu recomendo a todo músico iniciante que organize suas finanças e tenha um plano financeiro que lhes permita ter criatividade e liberdade para fazer o que quiserem pois, na maioria absoluta dos casos, música infelizmente não paga as contas. Ter uma segunda carreira foi um tremendo suporte pra mim, pois não precisei tocar em casamentos ou fazer um som que não curto; economizei e assim consegui criar minhas crianças com tranquilidade, financiar turnês e gravações para minhas bandas sem depender de ninguém e nem me afogar em dívidas. Além disso, sempre é bom para o artista sair um pouco do mundo da música e mergulhar em perspectivas diferentes.
Alguma chance de uma turnê no Brasil? E qual mensagem você gostaria de deixar para os fãs brasileiros?
Nós amaríamos fazer shows na América do Sul. O problema é que todas nossas turnês nos últimos anos foram interrompidas devido a covid. Está sendo trágico para todos na indústria musical, isso é fato. Porém, assim que o mundo voltar à normalidade, vou a todos os lugares possíveis! Rádios e podcasts brasileiros têm sido muito legais com a gente, portanto gostaríamos de ir aí e retribuir pessoalmente a gentileza!
Por último, mas não menos importante, gostaria de saber sua opinião sobre algumas bandas brasileiras, ok? Vamos a elas:
GANGRENA GASOSA – “CAMBONOS FROM HELL”. Não sou fã de hardcore ou heavy metal, infelizmente, mas tenho certeza que nossa baixista Christina vai se amarrar! Ah, o videoclipe é bem legal!
MATANZA – “ELA ROUBOU MEU CAMINHÃO”. Uau, por essa eu não esperava! Soa como algo vindo diretamente daqui do coração dos EUA! Eu também não sou muito fã de música country, mas com certeza essas caras são muito bons no que fazem!
STEMPHYLIUM – “ELA TÁ TLISTE” (sim, leitores, minha banda! Quis fazer um jabazinho, foi mal): Eu realmente gostei, sem brincadeira!
AUTORAMAS – “VOCÊ SABE”. Essa é BEM legal! Adoraria ouvir essa música com uma guitarra mais “envenenada”, mas gostei muito mesmo assim!
DEAD BILLIES – “INVASION OF BODY SNATCHERS”. Essa é bem divertida! E os rapazes são bem bonitinhos! Obrigada por me apresentar a tanta coisa legal!
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
***
Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
***
E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
***
Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
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