Cultura Pop
E aí, será que chegou a hora de reavaliar Live Evil, do Black Sabbath?

Live evil, o mal-amadíssimo disco ao vivo do Black Sabbath lançado em 1982: você daria uma segunda chance para ele?
Bom, tem muita (mas muita) gente que não aguenta nem sequer chegar perto das versões do Black Sabbath para músicas como N.I.B. e Black Sabbath com Ronnie James Dio no vocal. O que soava graciosamente tosco na voz de Ozzy Osbourne ganhou um ar teatral e (vá lá) brega com o segundo vocalista do grupo à frente. O disco também está longe de ser o álbum dos sonhos de Tony Iommi, guitarrista do grupo. E saiu numa época em que o relacionamento dentro do “novo” Black Sabbath estava chegando a um ponto em que ninguém se entendia mais.
Dio tinha chegado lá como uma promessa de cantor com a cabeça no lugar (coisa que Ozzy já não estava em condições nem de fingir ser, por causa do excesso de drogas) e de compositor habilidoso, do tipo que poderia pegar uma ideia de Tony Iommi e transformá-la numa canção excelente em poucos minutos. Foi assim com Children of the sea, que acabaria gravada pela banda no primeiro disco com o cantor nos vocais, Heaven and hell (1980).
A música foi feita no primeiro encontro de Dio com o Sabbath – na cabeça de Iommi, era um teste, mas o futuro frontman não sabia disso. Naquele período, Tony estava convencido de que Ozzy Osbourne, totalmente fodido por causa das drogas, era o principal problema da banda. Haviam ainda o uso de drogas nada recreativo por parte do próprio guitarrista, o alcoolismo do baterista Bill Ward e a depressão (e enfim, também o excesso de drogas) na vida do baixista Geezer Butler.
Dio, por sua vez, não estava num dos melhores períodos da sua vida quando topou entrar para o grupo. Tinha sido demitido do Rainbow por Richie Blackmore e estava sem ter de onde tirar grana – a herança de sua avó, recentemente falecida em 1978, o salvou. A esposa de Dio cortou um dobrado para convencê-lo a aceitar fazer uma jam com Iommi, Ward e Butler, mas ele foi lá e ganhou a vaga.
A permanência de Dio no Black Sabbath foi marcada por mais drogas e mais problemas internos – e por diferenças marcantes entre a postura do vocalista e a do resto da banda. O Sabbath mal conseguia se comunicar direito com jornalistas e fãs, enquanto Dio era o cara que passava horas dando autógrafos e sabia dar entrevistas. Dio não curtia drogas pesadas, enquanto Iommi estava entrando para o clube dos primeiros usuários de crack (!) lá por 1980. Tanto Geezer e Iommi (Ward saiu do grupo em 1981 e estava tentando manter-se vivo) reclamavam que Dio tinha levado a sério demais a proposta de ser quase um “sócio” do grupo na nova formação e andava muito folgado e autoritário. Além de estar interferindo até mesmo nos negócios envolvendo o nome da banda.
E foi nesse clima “bonito” que veio Live evil, em dezembro de 1982. As interpretações de Dio deram uma cara diferente (e vá lá, mais teatral) às canções antigas do grupo e o repertório gravado nos discos Heaven and hell e Mob rules (1981) surgia também ali.
Na real, havia uma pequena, er, disputa sobre a primazia do repertório do grupo ao vivo, já que em 1980 havia saído um pirata oficial do grupo ao vivo com Ozzy no vocal, Live at last. E o próprio Ozzy havia revisto o repertório antigo do Sabbath em seu duplo ao vivo Speak of the devil, lançado um mês antes de Live evil – por exigência do próprio Ozzy e do selo Jet, que queriam o disco nas lojas antes do LP do Sabbath.
As histórias bizarras sobre a mixagem do disco foram contadas em bios como Black Sabbath, de Mick Wall. Dividido em duas duplas, o grupo aparecia em horários diferentes no estúdio para a mixagem. O que se comentava era que Dio e o baterista Vinnie Appice só apareciam por lá de noite, com os outros já fora do estúdio. E mexiam em tudo.
A história foi contada a Iommi pelo técnico de gravação, e bate de frente com fatos comprovados, como os hábitos diurnos do vocalista. Seja como for, Iommi não gostou e já quis direto sacar o cantor do Sabbath. Só que jogou pra Geezer a responsabilidade de dizer a Dio que daquela forma não estava funcionando. O vocalista entendeu que estava fora da banda, saiu do grupo dizendo que Live evil era “uma merda” e acusando o grupo de ter feito acréscimos de estúdio no LP todo.
E aí que vale descobrir aquele que é o primeiro registro ao vivo oficial do Black Sabbath e um disco que fez a nova geração de fãs de som pesado descobrir a banda. Inclusive no Brasil, onde o álbum foi lançado com certo destaque. Para muitos dos novos fãs, não havia nem futuro para o Sabbath sem Dio, uma vez que a banda parecia ter descoberto o melhor substituto para Ozzy Osbourne.
E o mundo mudaria bastante no entorno do grupo: Ozzy viraria um dos maiores nomes do rock e Dio conseguiria finalmente criar uma banda para chamar de sua (o Dio, que conseguiu muito sucesso com Holy diver em 1983). Só o Black Sabbath é que demoraria bastante para se acertar: em 1983 pôs Ian Gillan no vocal e gravou Born again, disco bom, mas do qual o próprio Tony Iommi diz não gostar. Depois iniciou uma longa associação com o cantor Tony Martin. Mas isso é outra história.
https://www.youtube.com/watch?v=gIlpTmLM9sA
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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