Cultura Pop
Um papo com Arrigo Barnabé sobre os 40 anos de Clara Crocodilo

Há 40 anos um disco chamado Clara Crocodilo trouxe uma nova linguagem musical para o Brasil da época. Isso porque misturava o erudito com o popular, mas também dialogava com o universo das histórias em quadrinhos. Um disco difícil de entender, ao menos para ouvidos menos treinados com esse tipo de música. Enfim, uma música atonal (sem tom), difícil de dançar, difícil de cantar, meio falada. Sem contar os temas: Orgasmo total, Sabor de veneno, Diversões eletrônicas, além da faixa título, que conta a história de um “terrível monstro mutante, meio homem, meio réptil”…
Uma coisa estranha, um negócio esquisito, que saiu da cabeça do cantor, compositor e instrumentista Arrigo Barnabé, nascido em 1951 em Londrina, Paraná, mas radicado em São Paulo. Em papo com o POP FANTASMA, o autor revisita sua obra de estreia e sua criação mais famosa, Clara Crocodilo, disco lançado de forma independente em novembro de 1980, e que completa quatro décadas este ano.
POP FANTASMA: Qual foi a inspiração para a criação de Clara Crocodilo? O fato de ser um personagem marginal, criado em uma época de ditadura, contou para isso?
ARRIGO BARNABÉ: O Clara Crocodilo de fato é um personagem sexualmente ambíguo. Um nome feminino e um nome masculino, os nomes são contrastantes também. O feminino é um nome que alude à luz, a brilho. O nome masculino alude ao subterrâneo, ao submerso, a uma coisa que está no fundo. A coisa era subversiva, era considerada assim. Você ser trans naquela época… Se a gente for pensar no Clara Crocodilo como um ser ambíguo, claro que é totalmente politico. A letra do Clara tem muito a ver com a ditadura.
Li que Dzi Croquettes, que trazia homens vestidos de mulher, e o Alice Cooper, que brincava com essa dualidade homem-mulher, foram inspirações para a criação… isso aconteceu? O nome Clara Crocodilo surgiu na verdade antes, em 1972. Portanto o Dzi Croquettes veio depois. O Alice Cooper sim, eu conheci e achei muito interessante, pois era um homem com nome de mulher. Assim como o compositor Béla Bartók, que eu e o Mário Lucio Cortes, meu parceiro em Clara Crocodilo, achávamos que era uma mulher. Além disso, os super heróis da Marvel têm o nome e sobrenome começando com a mesma letra, como o Peter Parker por exemplo. Então isso também contou.

O disco chegou a ser apresentado a gravadoras? Como era a receptividade? Lembro que a PolyGram se interessou em gravar, mas eles me ofereceram um projeto que seria só com cinco músicos e a capa do disco seria em preto e branco, e eu queria uma grande banda, com metais e tudo. Queria uma capa do Luiz Gê, que já colaborava comigo em várias coisas. Aí o Robinson Borba chegou e produziu independente (em 1983, a Ariola reeditou o disco).
Como foi o trabalho de Robinson Borba no disco e no que constituiu a produção? O Robinson deu as condições materiais pra gente fazer o disco. Ele veio pra São Paulo, alugou uma casa que tinha um quartinho nos fundos onde dava para a gente ensaiar, uma amiga dele tinha um piano… E ele começou a produzir a banda, marcar shows, pagou estúdio, a capa do disco, pagou a prensagem, deu as condições materiais. Ele tornou possível o disco existir.
Como era compor um trabalho deste em uma época de censura? Não havia liberdade, mas ao mesmo tempo Clara Crocodilo tem muita liberdade na composição, na escolha de temas… Havia pressão sua, interna, na hora de compor, de escolher o que deveria ser passado “pelas frestas da porta”? A gente vivia um momento em que não tinha como evitar esse assunto. A própria musica Infortúnio, que está em Clara Crocodilo, foi inspirada em um depoimento que eu ouvi da mãe do Marcelo Rubens Paiva. O marido dela havia morrido, estava sumido. O senador Rubens Paiva, pai do Marcelo, foi morto pela ditadura, torturado e jogado no mar. E ela exigia que o Estado fosse responsabilizado.
Aí eu comecei a pensar na história da viúva, mas eu só me dei conta de que era a mãe do Marcelo Rubens Paiva há pouco tempo, porque eu sempre achei que o depoimento que tinha ouvido era da viúva do Vladmir Herzog. Descobri só recentemente, lendo um dos últimos livros autobiográficos do Marcelo Rubens Paiva, onde ele conta esse episódio da mãe. E o mais engraçado é que eu e o Marcelo estávamos no mesmo festival da TV Cultura em 1979, lembro que encontrei ele na fila de inscrição. E uma das músicas que apresentei nesse festival foi justamente Infortúnio, que foi inspirada então pela mãe dele.
(o clássico livro Feliz ano velho, estreia de Marcelo Rubens Paiva, cita o encontro de Marcelo e Arrigo nos bastidores do festival).
E como foi quando o disco foi para a censura? Particularmente, como os censores lidaram com uma música chamada Orgasmo total, por exemplo? Orgasmo total era proibida de ser tocada em rádio, essas coisas. E vinha um selinho dizendo que era proibida a execução pública. O mais curioso foi ter passado o verso de Clara Crocodilo “quem cala consente, eu não calo, não vou morrer nas mãos de um tira…”. Não sei como, mas essa passou.
Na época já havia o Lira Paulistana? O Lira já existia nessa época, era um tipo de centro cultural e recebia gente do Brasil inteiro. E eles vendiam muitos discos da gente, foi um dos maiores compradores, compravam muito o Clara Crocodilo e revendiam.
Alguma rádio tocou o disco? Era muito difícil tocar em rádio, muito raro. Tocou na rádio Fluminense no Rio e em mais uma outra em Porto Alegre. Não tinha espaço para a gente em rádio nem na TV, isso foi realmente um problema.
Lembro de ter lido que os LPs eram vendidos pelos músicos em restaurantes. Como foi isso? Os músicos abordavam as pessoas e saiam oferecendo os LPs? Os músicos vendiam nos restaurantes porque o pagamento deles foi em LPs. Acho que cada um ganhou 25 ou 50 LPs, e eles saiam vendendo. Naquela época se vendia muita coisa em restaurante. Lembro que eu encontrava sempre o Plínio Marcos vendendo os livros dele nos restaurantes.

Na capa dupla de “Clara Crocodilo”, Arrigo Barnabé e Banda Sabor de Veneno
Como você conheceu o Itamar Assumpção? Vocês são artistas paranaenses que se tornaram conhecidos como “paulistas”. Anteriormente, vocês já se conheciam? Conheci o Itamar em Londrina através do meu irmão Paulinho, que era mais próximo dele, eles faziam roda de samba juntos. A gente fez um show em Londrina em 1972 chamado A Boca do bode, um show de compositores da região onde apresentei Clara Crocodilo pela primeira vez, mas foi só uma música, a própria Clara Crocodilo. E o Itamar era um star. Ele era o grande sucesso desse show.
Acabamos ficando mais amigos e nessa época ele foi preso por causa de racismo. Isso porque ele estava com um gravador na rodoviária. Em seguida, a policia parou o Itamar, pediu a nota fiscal e ele foi preso, ficou três dias preso. O racismo é uma coisa inacreditável. Logo depois, ele veio para São Paulo e a gente arrumou um lugar para Itamar ficar aqui, em uma república. Aí moramos juntos uns dois anos no Bexiga, na Rua Conselheiro Carrão, e depois a gente morou em Eldorado, lá perto do Mengele. A gente conviveu muito.
Como a turma que toca no disco com você foi se formando? Em primeiro lugar, como aquelas pessoas foram chegando na sua vida? A gente montou uma banda para tocar no festival da TV Cultura em 1979. Era meu irmão Paulinho na bateria e o Itamar Assumpção no baixo. Aí chamei para a guitarra o Tonho Penhasco, que estudava na ECA (Escola de Comunicação e Artes) comigo, o Bozo Barretti, que era meu colega de escola e fazia composição comigo na USP, foi tocar sintetizador, e a Regina Porto, que já era minha colega e ficou no piano elétrico. Ai veio a Vania Bastos e a Suzana Sales para cantar.
A Suzana namorava o Felix Wagner, que tocava instrumentos como vibrafone, marimba, clarineta e sax, e a Vania namorava o Gi Gibson, que veio a ser o guitarrista. Aí eu conheci o Chico Guedes, que trouxe o Mané Silveira. O Bozo trouxe o Baldo Versolatto e indicou o Tavinho Fialho para o baixo. O Ronei Stella, então com apenas 16 anos, foi indicado pelo Bocato. E o Rogério, um amigo da turma, ficou na percussão. Acho que lembrei de todo
mundo!
Já parou pra pensar no que aconteceria se um disco como Clara Crocodilo fosse lançado hoje? O Clara Crocodilo ainda hoje faz bastante sucesso, apesar de ter expressões da época, como “discou”. Ninguém mais disca nada atualmente, mas continua muito atual, muito contemporâneo.
É possível utilizar o termo “vanguarda” atualmente? Existe espaço para isso? Essa coisa da vanguarda… O que a gente estava fazendo na época era uma ruptura muito grande com o que existia, e era uma ruptura consistente, não era uma ruptura apenas pela ruptura. Não sei o que hoje seria vanguarda, é melhor perguntar a um teórico de arte ou a um filósofo, que talvez possam comentar melhor isso.
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Cultura Pop
No nosso podcast, Alanis Morissette da pré-história a “Jagged little pill”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. No segundo e penúltimo episódio desse ano, o papo é um dos maiores sucessos dos anos 1990. Sucesso, aliás, é pouco: há uns 30 anos, pra onde quer que você fosse, jamais escaparia de Alanis Morissette e do seu extremamente popular terceiro disco, Jagged little pill (1995).
Peraí, “terceiro” disco? Sim, porque Jagged era só o segundo ato da carreira de Alanis Morissette. E ainda havia uma pré-história dela, em seu país de origem, o Canadá – em que ela fazia um som beeeem diferente do que a consagrou. Bora conferir essa história?
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: Capa de Jagged little pill). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Ouça a gente preferencialmente no Castbox. Mas estamos também no Mixcloud, no Deezer e no Spotify.
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Cultura Pop
No nosso podcast, Radiohead do começo até “OK computer”

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. Para abrir essa pequena série, escolhemos falar de uma banda que definiu muita coisa nos anos 1990 – aliás, pra uma turma enorme, uma banda que definiu tudo na década. Enfim, de técnicas de gravação a relacionamento com o mercado, nada foi o mesmo depois que o Radiohead apareceu.
E hoje a gente recorda tudo que andava rolando pelo caminho de Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway, do comecinho do Radiohead até a era do definidor terceiro disco do quinteto, OK computer (1997).
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
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4 discos
4 discos: Ace Frehley

Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.
Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.
Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.
Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução
“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.
Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…
“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).
O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.
“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.
“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.
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