Crítica
Ouvimos: Blink-182, “One more time…”

- One more time… é o nono álbum de estúdio do Blink-182. A banda volta, depois de sete anos, com sua formação clássica: Tom DeLonge (voz, guitarra), Mark Hoppus (baixo) e Travis Barker (bateria). O último álbum gravado pelo trio, Neighborhoods, havia saído em 2011.
- Após retornos e separações, o trio voltou após Mark Hoppus, em 2021, ser diagnosticado com câncer – DeLonge, que estava longe (sem trocadilho) dos amigos, voltou a fazer contato com os outros dois e o grupo foi retornando aos poucos. Sobrou uma pessoa nessa: Matt Skiba, vocalista e guitarrista que assumira o lugar de Tom (e gravou dois álbuns com a banda), só soube que não estava mais no trio pelas redes sociais.
- Apesar do estado delicado de Mark (que fez quimioterapia e está livre da doença, mas precisa fazer exames constantemente) é Travis que vem assustando a banda com questões de saúde durante a nova turnê: testou positivo para Covid-19 e precisou até fazer uma cirurgia no dedo.
Sabe aquele lance chamado “vida adulta”? Sim, aquele negócio com o qual possivelmente você, que está lendo este texto, está duelando diariamente para viver com o menor número possível de traumas. Não tem manual de instruções, a manutenção é cara, muita gente luta até o último minuto para nem sequer chegar perto. E um turma enorme aí vai morrer de velho sem saber o que é isso. Até porque vai além de trabalhar e esforçar-se para pagar boletos.
O Blink-182 nunca foi das bandas mais especialistas em adultices – é um grupo que fez fama graças à dedicação ao punk pop, aos clipes gozadores, a letras que falam de sexo como se transar não fosse algo tão acessível (digamos), à trilha sonora do dia a dia de homens com boné virado para trás. Num curso de marketing musical que fiz, o trio de Tom DeLonge, Mark Hoppus e Travis Barker foi citado como o arquétipo do “comediante” (seguindo as teorias de Carl Jung) na música. Por outro lado, o Blink tem bom gosto para melodias, algumas sacações nas letras, e sempre esteve longe de ser um grupo que alguém precisa necessariamente deixar de gostar quando chega aos 18 anos. Não é difícil reconhecer o valor de músicas como Miss you e What’s my age again, vá lá.
One more time é um disco ~adulto~ do Blink. Na real, personifica o trio na figura de um ser desencanado que tem que encarar a vida, a morte, os relacionamentos, as pessoas que vão e vêm, e várias questões diárias que não pedem licença para aparecer. Com Tom DeLonge de volta aos vocais e guitarra, em meio ao somatório de desafios, o clima é de “vocês se lembram como costumávamos ser antigamente? Agora não estamos como já fomos, não temos a mesma força, não falamos com nossos amigos cinco vezes por dia, etc”. Compreensível diante da passagem do tempo, do acidente de avião do qual Travis Barker foi um dos poucos sobreviventes e do câncer de Mark Hoppus, que (em especial) reuniu o grupo.
Nessa linha, o single Dance with me (que abre com uma notinha sobre masturbação) é até bem juvenil, falando sobre “a garota que eu não poderia perder”. Mas You don’t know what you’ve got traz a banda concluindo que muitas vezes você só percebe o valor de algo quando chega ao fim. One more time e When we were young são quase autoexplicativas. Turpentine, basicamente um rock feito para acompanhar aventuras radicais, quase na mesma batuta do hit Feeling this, fala (com beleza na letra e na melodia) de autodestruição e redenção. Childhood, punk rock de design sonoro adocicado, encerrando numa onda chiptune, bate na mesma tecla: “lembra quando éramos jovens e ríamos de tudo?/ficamos presos em um mundo/que esqueceu como sonhar”. Other side volta no passado do Blink-182 e propõe uma visão para o presente e o futuro.
Somando-se ao enorme número de discos e singles que vêm tendo como tema a sobrevivência (afinal, somos todos sobreviventes dos últimos anos), One more time… segue quase o mesmo fluxo, buscando focar na juventude que ficou para trás. Mas ao contrário, por exemplo, da dignidade de Hackney diamonds, dos Rolling Stones, o clima do novo Blink-182 quase sempre é de angústia punk, de “eu não tenho mais aquele sorriso no rosto”. Às vezes isso tem beleza, às vezes não.
Gravadora: Columbia
Nota: 6,5
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs, “Death hilarious”

Vindo de Newcastle, Inglaterra, o Pigs x7 (melhor reduzir o nome ao longo do texto, ou vai complicar até pro SEO) é tido e havido como uma banda de doom metal. Em seu quinto disco, o simultaneamente irônico e sério Death hilarious, eles caem para cima de bandas como Helmet e Tool em vários momentos, e também mostram que passaram pela escola de metal do Sepultura.
Esse som surge em faixas como Detroit, Carousel (que tem a adição de um synth sujo e podre) e Glib tongued. Esta última segue a linha do metal rangedor dos anos 1990, com a cadência de quem alternava discos de hip hop e som pesado no CD player – e ainda tem El-P, do Run The Jewels, fazendo rap. Mas vá lá, o forte deles é abusar de referências metal-clássicas. O disco já abre com Blockage, metal cavalar lembrando até mais Judas Priest do que Black Sabbath. Collider mantém o olho nos anos 1970 e 1990 simultaneamente: é um stoner blues rock referenciado em Soundgarden e Black Sabbath. No final, tem o stoner lento de Toecurler, música de oito minutos que evoca o comecinho do Motörhead – ou a esquina que uniu o pré-punk ao metal.
No mais, a própria já citada Detroit ganha uma cara de blues demoníaco, lá pelas tantas, que é a cara dos anos 1990. E tem Stitches, com tecladeira podre e sonoridade localizada entre Black Sabbath e Deep Purple. Isso tudo já garante espaço para o grupo no coração de quem ouve metal há anos, mas prossegue ligada/ligado em novidades. Já as letras, em vários momentos, apontam para o fim de tudo – seja esse “tudo” a sociedade doente, o totalitarismo, ou alguém muito estranho e problemático que manda recados direto da própria tumba. Blockage, por exemplo, traz versos como: “na minha estupidez cega / voltei ao pó (…) / agora estou residindo / nas profundezas da Terra / o que eu teria dado por uma segunda chance?”.
Nota: 8
Gravadora: Missing Piece Records
Lançamento: 4 de abril de 2025
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Crítica
Ouvimos: Renegades Of Punk, “Gravidade”

Um supergrupo punk formado em Aracaju em 2007, o Renegades Of Punk lança seu segundo álbum, Gravidade. Em 16 curtas faixas, Daniela Rodrigues (guitarra, vocal), Ivo Delmondes (bateria, vocal) e João Mário (baixo, voz, synth) dedicam-se a uma música ágil, pesada, sombria e quase gótica, conduzida quase sempre pelo baixo – que soa como se tivesse sido gravado em uma igreja, ou qualquer lugar cheio de ambiência.
Os vocais de Daniela saem igualmente na frente, cuspindo uma poesia anárquica, que sempre elege o capitalismo e a exploração do trabalhador como alvos – sem sombra de panfletarismo. Gravidade abre com o punk motorik e gritado da ruidosa Apenas isso, segue com os efeitos psicológicos do capitalismo na cavernosa Bruxismo (que lembra The Damned), evoca Buzzcocks em faixas como Invisível, Cortaram meus olhos e Feitiço, e fala do dia a dia de muita gente na irônica e triste Sempre angústia: “eu sou a máquina que deu errado / não consigo homogeneizar (…)/ achei que era de carne e osso / mas era apenas aparelho com defeito / acreditando que podia ser diferente”.
Temas como o machismo da ciência e da medicina surgem em Ciseaux, e uma energia punk-hardcore lembrando Mercenárias e Ratos de Porão ganha a frente em Máquina e Depressa. Misoginia (dos versos “eles ocupando os cargos / nós em casa parindo / uma piada de mau gosto / falta lógica, falta empatia”), por sua vez, vai para o lado de bandas como Gang Of Four e Television Personalities. Se nunca ouviu, adote essa banda agora mesmo.
Nota: 9
Gravadora: El Rocha Records
Lançamento: 8 de março de 2025
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Crítica
Ouvimos: The Driver Era, “Obsession”

A obsessão (eta trocadilho imbecil) da dupla norte-americana de alt-pop The Driver Era parece ser a sonoridade do Spandau Ballet. You keep me up at night, primeira faixa de Obsession, quarto disco dos dois, inicia com riff de teclado, tem as indefectíveis lembranças de The Cure e New Order (comuns hoje hoje em dia), mas tem uma guitarra dançante e surfística que é a cara de um dos maiores hits do Spandau, Only when you leave. Everybodys’s love, lá para o final do disco, faz vir à memória outro hit do grupo britânico, True. Same old story também parece ter sido inspirada por audições do SB.
Outros detalhes musicais do Spandau são devidamente louvados ao longo da meia hora de duração de Obsession, mas vale dizer que está tudo misturado no eletrorock moderninho da dupla, que também cai para cima de Earth, Wind & Fire e Michael Jackson em Don’t walk away (com certo clima trap nos vocais), une trip hop e neo-soul em I’d rather die, e joga o/a ouvinte num vórtice de referências oitentistas em Don’t take the night, um dos singles do disco. The weekend, o mais próximo de um “rock típico” do disco, lembra o hit único do Wax (Right between the eyes, de 1986, lembra?) e, em determinados momentos, soa quase como um power pop.
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Essa soma de referências dá a ideia de um disco construído e montado, mais até do que composto – o Driver Era, não custa dizer, está bem longe de ser uma banda sem personalidade ou cara própria. Às vezes a coisa não engrena, como na dance music genérica de Touch. Um lado do Driver Era que, por sua vez, é um dos melhores da banda, passa pelo pop adulto: Nothing left to loose tem clima jazz dado pela bateria e pelo piano Rhodes, e um andamento análogo ao de Everybody wants to rule the world, do Tears For Fears. Better, no final, vai na mesma linha, unindo rock e algo próximo ao trip hop.
Em termos de letras, vale dizer que o Driver Era investe em versos de identificação fácil, como na louvação da liberdade de Weekend, o amorzinho de Touch e Don’t walk away e o sexo noturno de You keep me up at night. Fica aí claro que o objetivo dos irmãos Ross e Rocky Lynch (os dois do The Driver Era) é fazer pop extremamente fácil e extremamente descompromissado – nem as encucações de matrizes já citadas como The Cure e New Order brotam por aqui. Em alguns momentos, isso funciona, e bem – em outros, vira um calcanhar de Aquiles a ser resolvido.
Nota: 7
Gravadora: Too Records
Lançamento: 11 de abril de 2025
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