Crítica
Ouvimos: A Virgo – “Dois verões ou A viagem de Sífero”

RESENHA: A Virgo, de Novo Hamburgo (RS), mistura psicodelia solar, MPB, prog e pop 90s em Dois verões ou A viagem de Sífero, disco colorido e cheio de texturas.
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Vinda de Novo Hamburgo (RS), A Virgo faz uma música sonhadora e psicodélica, daquelas em que você ouve já vendo tudo desmanchando ao redor – mas não é uma psicodelia cinzenta. Com referências confessas de Thundercat, Stereolab e Mombojó, e pitadas de easy listening clássico e até de pop francês, investem numa música solar, em faixas como a praiana Eu sei (Nada vai mudar), a espacial A viagem de Sífero – que encerra em clima apocalíptico – e a luminosa E já passou da hora, que chega a lembrar o pop nacional dos anos 1990, só que com texturas diferentes nos teclados e no baixo.
Com título fazendo referência a um verão em que chuva e sol se alternaram na cidade do grupo durante um fim de semana, A Virgo traz suas próprias recriações de estilos como balada (Não conte comigo), folk-MPB (a contemplativa Álamo) e até rock progressivo (a fusion Ao vivo na Oma e a celestial Mergulho à vida, que lembra a fase Lar de maravilhas, do Casa das Máquinas). Tô pensando em parar//Tô sem fogo, com sete minutos, encerra o disco em tom de valsa-rock lisérgica e hipnótica.
Dois verões derrapa um pouco apenas quando investe mais diretamente na lisergia do dub (em Av. Paraguassu), embora as mumunhas do estilo surjam aqui e ali nas reverberações de algumas faixas. E atenção para Fim dos tempos, união psicodélica e progressiva de jungle, jazz, rock e rap.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Test + Deaf Kids – “Sem esperanças”

RESENHA: Test e Deaf Kids celebram 15 anos com Sem esperanças, disco intenso, ruidoso e experimental, cheio de críticas sociais e políticas.
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As bandas Test e Deaf Kids têm caminhos parecidos na vida: fazem música extrema, estão comemorando 15 anos e, em 2018, uniram-se numa turnê conjunta, a No hope tour. Agora, João Kombi (vocais e guitarra) e Barata (bateria), do Test, e Douglas Leal (guitarra, vocais, sintetizadores, percussão, saxofone tenor e berimbau) e Marian Sarine (bateria e percussão), do Deaf Kids, reavivam a parceria num disco chamado Sem esperanças. Um álbum no qual o ruído é parte das composições, e em que a intensidade é o principal ingrediente dos arranjos e da execução – mas em que as músicas são enriquecidas pela total ausência de limites e pela vontade de testar e experimentar de tudo.
No hope é marcado pelo encontro das guitarras ruidosas como a percussão intermitente, num estilo bem mais radical do que o de bandas como Sepultura, quando decidiram testar beats brasileiros em suas músicas. Selvagens, na abertura, vai pela onda do metal selvagem e robótico, enquanto Demiurgo tem guitarras emparedadas, percussão afro e distorções que circulam pela faixa. Cegueira abre num clima quase post rock, com teclado vindo e longe, embicando em algo que lembra um Minstry afro e cultural. Dança insana tem percussão que segue ligeiras notas, ao lado da bateria, enquanto a colagem sonora de Erro chega a lembrar um samba ou um forró maníaco feito apenas de ruídos.
O Test e o Deaf Kids misturam também jungle e metal em Buraco, cinco minutos de som pesado, distorcido e quase industrial, em que a bateria vai tomando a frente e une-se com a percussão num bloco sólido ao final. Novos métodos range do começo ao fim, num som que parece uma transmissão de rádio tentando surgir, e a letra é rangida ao lado da música. O pesadelo artificial de Pó de ferro e Paraísos plásticos seguem no barulho assustador, percussivo e industrial – com vibe marítima no ritmo da primeira.
As letras, por sua vez, têm imagens assustadoras que evocam a exploração dos indígenas por parte dos portugueses na descoberta do Brasil (“eu te salvei / agora eu mando / eu mando em você / seu sangue é meu”, em Selvagens), desastres naturais (“e o que há no final? / pó de ferro para respirar”, em Pó de ferro), projetos neofascistas (“eu vejo fome / e escuto a gargalhada“, em Buraco). Novos métodos é um hai kai, e um triste espelho das motivações do capitalismo (“explorar / conquistar / aniquilar / tudo que ainda respira / que ainda não vendeu seu coração / pelo progresso“). Barulho bonito, revolta idem.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: sai em vinil dia 1º de novembro de 2025, mas já pode ser ouvido no Bandcamp.
Crítica
Ouvimos: Bella e o Olmo da Bruxa – “Afeto e outros esportes de contato”

RESENHA: O Bella e O Olmo da Bruxa une emo, shoegaze e até pagode em Afeto e outros esportes de contato, disco intenso sobre amor, dor e vulnerabilidade.
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Com experimentalismos musicais, guitarras circulares e vibe trevosa herdada de uma mescla de emo, shoegaze e guitar rock noventista, a banda gaúcha Bella e O Olmo da Bruxa chega a uma receita bastante provocadora em seu segundo disco, Afeto e outros esportes de contato. Julia Garcia, Felipe Pacheco, Ricardo De Carli e Pedro Acosta mexem em sonoridades que aludem a bandas como Pixies, Turnstile e até os emos veteranos do American Football, mas que em vários momentos mostram que a banda está firme na mistura de emo e música brasileira.
Essa união transparece nas linhas vocais em no desenho melódico da faixa Bem no seu aniversário, que abre o álbum – mas é jogada de vez na cara do/da ouvinte na música de encerramento, Teu pra vida toda/Uma rosa sem espinhos, que é nada menos que um pagode feito por Acosta, vocalista e principal compositor da banda. E sim, absoutely pagode, no romantismo, na letra derramada e nos corais da música.
Só por esse detalhe, já dá para perceber que o Bella tem três coisas: 1) coragem; 2) total descompromisso com as normas do “rock brasileiro”; 3) paixão em falar sobre os afetos, amores e vulnerabilidades da vida. Afeto e outros esportes de contato é um disco que fala basicamente sobre marcas doloridas do que se foi, em faixas como a weezeriana E as frases?, o power pop Briga de irmãos e outras cadeias de violência, o quase grunge Hematomas no campo do nada e o emo sinuoso Mesmo assim – esta, com participação de Sophia Chablau. Já Eu sei, é foda, segue o alto-quieto-alto receitado pelos Pixies.
Nem tudo é desilusão em Afeto, vale dizer. Nova paixão, rock altamente batido na guitarra, traz sopros de renovação na letra – com versos como “nada muda sem deixar algumas de suas partes para trás” e “nada muda se o conforto ficar”. Deus, gay, rock com estileira folk, pega em fios de alta tensão falando de religião e homossexualidade (“se deus não existe mesmo / então qual é o mal da gente se amar?”).
O grupo também mexe em um vespeiro importante ao abordar saúde mental, descaso e falta de comunicação numa faixa chamada Vou me matar. Um pós-punk em alto volume, que tranquiliza: “vou me matar / na verdade não vou não” – e avisa para quem finge não enxergar a dor do outro: “eu apareceria no seu jornal / e todo setembro / vocês iam lembrar de mim”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 25 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: Me Lost Me – “This material moment”

RESENHA: Me Lost Me mistura drones inquietos, beleza etérea e escrita automática em This material moment, disco cru, luminoso e muito pessoal.
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Tem algo no som de Jayne Dent – a musicista britânica que usa o codinome Me Lost Me – que remete logo à Nico do disco Marble index (1968). Ou seja, This material moment, seu quarto álbum, tem momentos de rara beleza, lado a lado com passagens sonoras que tiram o sono de qualquer um. A diferença é que por trás do clima meio funéreo e dos drones meio perturbadores de algumas faixas, brota um disco luminoso e absolutamente pessoal, feito basicamente com escrita automática domada.
Isso porque Jayne não age – nem quando faz letras nem quando compõe melodias e arranja canções – como alguém que está apenas improvisando e ver onde aquilo vai chegar. O objetivo do disco é falar de sentimentos, de conflitos pessoais, do contraste entre matéria e não-matéria, e de outros temas meio complexos de colocar em música. E as melodias têm texturas que levam essa ideia adiante. A própria Jayne diz que o disco é “emocionalmente cru”, provavelmente pela dificuldade de botar isso tudo aí em música.
A tal vibe de Marble index bate forte logo na abertura, com Useful analogies e Compromise! – a primeira um drone acústico com cello e ruídos; a segunda com órgão de igreja, clima funéreo e, depois, um beat bem percussivo e quase industrial. A atmosfera perturbadora surge também na fantasmagórica Lasting, not to last e na onda sonora de A small hand, clamped – uma onda sonora que vai gradativamente se transformando em canção.
Ao longo das músicas, Me Lost Me vai mudando a cara do álbum: tem sons relaxantes e “da nova era” em A painting of the wind, no sonho acordado de Still life e no som de vento de A souvenir. Ancient summer tem abertura folk e ganha acompanhamento progressivo e robótico, lembrando uma inusitada mescla de Nine Inch Nails e Peter Gabriel. Mumunhas de rock industrial surgem nos beats de Take it on board e um clima de Enya indie aparece em Vanishing point, gravada totalmente a cappella, e em Have you been changing?.
No fim das contas, This material moment é mais a materialização de vários insights pessoais do que um disco formal de canções, em que o artista cria um começo, meio e fim, e já tem uma ideia mínima da fruição de quem ouve. Acaba soando bem mais instigante por causa disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Upset The Rhythm
Lançamento: 27 de junho de 2025.
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