Crítica
Ouvimos: Jah Wobble, “A brief history of now”

- John Joseph Wardle, ou Jah Wobble, era o baixista original do Public Image Ltd, banda que John Lydon teve após o fim dos Sex Pistols. Jah deixou a banda depois de dois álbuns e desenvolveu uma carreira solo bem prolífica. Só em 2023 foram três álbuns: The bus routes of South London, Thames symphony e este A brief history of now.
- A brief history of now traz Wobble compondo e tocando com o guitarrista Jon Klein (Siouxsie & the Banshees). Com Klein, Jah já havia feito também uma versão própria de Metal box, o segundo LP do Pil, Metal Box: Rebuilt in dub, lançada ano passado.
- Fizemos um episódio do nosso podcast Pop Fantasma Documento sobre o começo do PiL.
Há cantores e artistas que, quando rola uma música deles, parece que determinada década, ou determinado período da cultura pop nunca vai passar – tipo quando você lembra do lado cocota da disco music ao ouvir Rumours, do Fleetwood Mac, ou da barafunda neohippie oitentista quando ouve Lô Borges e Beto Guedes. O britânico Jah Wobble faz uma turma enorme se lembrar até hoje do que havia de adoração ao reggae, ao dub e até ao rock progressivo no pós-punk. Foi um período que durou o suficiente para apresentar bandas como The Slits e Gang Of Four ao mundo, e que ajudou a formatar Talking Heads e a própria banda da qual Wobble veio, o Public Image Ltd. A existência de Wobble deve perturbar até hoje John Lydon, criador do PiL.
Wobble é o típico artista que não cabe em números: não é o maior vendedor de discos do mundo, está longe de ser um nomão extremamente lembrado, mas o que ele fez, vale até hoje. E movimentou cifras: muitas bandas bem-sucedidas de rock brasileiro dos anos 1980 dariam um braço ou uma perna para fazerem algo como os dois primeiros álbuns do PiL, First issue (1978) e Metal box (1979), ou álbuns solo do baixista, como The legend lives on… Jah Wobble in “Betrayal” (1980) e Bedroom album (1982). Ecos do seu baixo bem marcado, valendo como melodias dentro da melodia, podem ser achados em canções da Legião Urbana (A dança) e em discos de grupos mais underground do Brasil. E igualmente seu desempenho no instrumento pode ser considerado precursor das estilingadas de Flea, dos Red Hot Chili Peppers.
Um dos três álbuns que Wobble lançou até o momento em 2023, A brief history of now dá um tempo no experimentalismo e volta ao pós-punk, só que filtrado de maneira conceitual, em doze faixas que dão sensação de distopia. São floreios de baixo, vocais falados à maneira de No love lost, do Joy Division, críticas aos Estados Unidos, um certo clima de narração jornalística, uma grande onda musical herdada do krautrock.
Em meio ao tom robótico, refrãos e melodias que emocionam, como em Last exit, Wrong side of the line, 80 beats per minute e Fashion world. Tudo entremeado com o lado sinistro da quase heavy metal SOO 135, do reggae-dub fúnebre I am, I am, I am, e da loureedófila Driving. A curiosidade é o pós-punk dançante e latinesco da faixa-título, que lembra Low rider, do War, e é cantada em parte em espanhol – e, em versos e falas, acrescenta na receita mais inconformismo e anti-imperialismo. Ouça e entenda o mundo de agora.
Gravadora: Cleopatra
Nota: 9
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Djavan – “Improviso”

RESENHA: Improviso é Djavan íntimo e jazzístico: menos exuberante, mais caseiro, cheio de ganchos poéticos e canções que grudam, provando que ele ainda surpreende.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Luanda / Sony Music Brasil
Lançamento: 11 de novembro de 2025
“Esse negócio de chamar minha música de esquisita me perseguiu por muito tempo”, contou Djavan à Folha de S. Paulo há alguns dias, quando começou a maratona de entrevistas para divulgar Improviso, seu novo álbum. Músicas lindas como Açaí e Se, por exemplo, já renderam mais memes, piadas e incompreensões do que mereciam.
Bom, vamos lá: Tom Zé e Arnaldo Antunes é que fazem música propositadamente esquisita. Djavan é um dos exemplos, ao lado de Gilberto Gil e Caetano Veloso, do quanto a MPB acerta quando larga mão de todo e qualquer trauma relativo ao mundo pop.
Dá certo: a não ser que você tenha ficado longe do Brasil nos últimos dias, ou siga um universo blindado à MPB, provavelmente deparou pelo menos com uma entrevista, uma notinha, qualquer coisa a respeito de Improviso. Um disco que, durante quase todo o tempo, segue uma batuta jazzística, tem clima bedroom (foi gravado no próprio estúdio do cantor, e a vibe reflete o “caseiro” mais do que os álbuns mais recentes dele), num reflexo do tom artístico e à vontade da própria capa do álbum.
Improviso, vale dizer, não é tão exuberante quanto álbuns como D (2022), Vesúvio (2018) e Vidas pra contar (2015), os mais recentes – às vezes soa como uma obra sendo construída na frente do/da ouvinte, da qual você não vai se dar conta de cara. Mesmo assim, boa parte do disco gruda de imediato. Uma dessas músicas é justamente a música não-gravada por Michael Jackson no disco Bad (1987), Pra sempre, soul com cara jazz em que os metais parecem dançar, e que encerra com um scat de Djavan falando “Michael Jackson! Michael Jackson!”.
A faixa-título, o soul-jazz a la Stevie Wonder de Um brinde (a do verso “ir atrás do amor é um jazz”) e de O grande bem – esta, parecendo algo que passou pelas mãos de Quincy Jones – são as outras. Também está nesta lista O vento, balada tipicamente Djavan feita ao lado de Ronaldo Bastos, e gravada por Gal Costa no disco Lua de mel como o diabo gosta (1987). Um affair, a faixa de abertura, põe Djavan quase na categoria de um Cassiano que deu super certo mercadologicamente e musicalmente – soul cantado e tocado como jazz (ou seria o contrário), ótima melodia, vocais ágeis sem esforço.
Por falar em “canções que grudam”, Djavan, sempre um letrista bastante criativo, voltou cheio de ganchos no novo disco, com frases ótimas que colocam poesia em coisas que você poderia sentir – ou das quais poderia falar. Rola quando ele fala de um harém em que “o pecado não é de ninguém / tudo é de graça, nada se tem” em Um affair, ou quando une sonhos, guerras e desigualdades em Sonhar (“sonhar faz bem e não é da conta de ninguém / já é sonhar para quem quer viver sem praticar”), ou quando diz que “um coração fechado não da resultado, não atrai ninguém” em O grande bem.
Já a boa Falta ralar! fala sobre o relacionamento estranho e desigual de um casal de adolescentes, sob a perspectiva de uma menina de 15 anos. No geral, Improviso é um disco que, entre versos que grudam e histórias que cutucam, mostra que Djavan ainda sabe surpreender no detalhe.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Crítica
Ouvimos: Charlotte dos Santos – “Neve azul” (EP)

RESENHA: Charlotte dos Santos, cantora norueguesa com raízes brasileiras, une jazz, soul, r&b e bossa em Neve azul, disco elegante e psicodélico que flutua entre João Donato, Marcos Valle e Erykah Badu.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: True Node Record
Lançamento: 17 de outubro de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Charlotte dos Santos é um cantora nortueguesa de ascendência brasileira, formada em composição e produção de música contemporânea pela Berklee College of Music, e cuja carreira vem se desenvolvendo no jazz – mas com uniões musicais que incluem soul, r&b, bossa nova e algum balanço brasileiro. Dá para escutar ecos de Milton Nascimento, Eumir Deodato, Joao Donato, Marcos Valle e Djavan nas cinco músicas de Neve azul.
- Ouvimos: Helado Negro – The last sound on Earth (EP)
A faixa em que todas essas referências ficam mais claras é justamente a música-título – cuja letra não é em português, mas cuja melodia é cheia de balanço. E há também um quase jazz-baião no estilo de Donato e Valle em Within me. Mas de modo geral, Neve azul é um disco de jazz-soul progressivo, com clima psicodélico e sensação de voo musical em I’ve been thinking, lembranças de Marvin Gaye e Roberta Flack em Pot of gold, e easy listening jazzístico nota 10 em Pale moon.
Já os vocais, cheio de criatividade, têm algo dos já citados Marvin e Roberta, mas têm muito também de Erykah Badu e Joyce Moreno – em Neve azul, a faixa-título, ela soa bastante parecida com a autora de Clareana. Neve azul é um daqueles discos que parecem flutuar – elegante, inventivo e cheio de sutilezas.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Crítica
Ouvimos: Piat Falio – “Trânsito” (EP)

RESENHA: Piat Falio mistura indie, pós-punk e rock carioca com vibração bedroom; faixas cheias de energia e boas ideias mostram um projeto que pode ir longe.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 23 de outubro de 2025
- Quer receber nossas descobertas musicais direto no e-mail? Assine a newsletter do Pop Fantasma e não perca nada.
Vindo de Mesquita, na Baixada Fluminense, o Piat Falio (ótimo nome!) é invenção do músico, cantor e compositor Elvis Gomes, que faz parte também da banda Ventilador de Teto. O som fica entre o indie rock de bandas como The Hives, a musicalidade de grupos mais populares como Foo Fighters e Red Hot Chili Peppers e algo, às vezes, próximo do pós-punk, sempre com sotaque extremamente carioca – em alguns momentos, Elvis soa como Marcelo D2 cantando.
- Ouvimos: Alan James – Solar/Sonhar
Esse clima surge em faixas como 26 km e Me diz – essa última, com um lance quase pós-disco. Só mais uma vez tem baixo à frente e um ritmo que evoca Strokes e Gang Of Four. Costas é um curioso rock-reggae deprê e lento. Se salvar é a melhor letra do EP, falando sobre uma mescla de planos de gente grande e a necessidade de salvar a própria alma, e do contraste entre planos mirabolantes e necessidade de descanso – a melodia tem algo de Red Hot, e se torna um rock abolerado ali pelo meio. Bemmal é quase pós-punk, com batidinha eletrônica, guitarra econômica e teclados.
O material foi gravado no quarto do músico em Mesquita, e mesmo com a vibração bedroom, tem peso e som. Com um trato nos vocais para aumentar a paleta de tons, e uma maior variação nos temas das letras, o Piat Falio vai longe.
- Gostou do texto? Seu apoio mantém o Pop Fantasma funcionando todo dia. Apoie aqui.
- E se ainda não assinou, dá tempo: assine a newsletter e receba nossos posts direto no e-mail.
Cultura Pop5 anos agoLendas urbanas históricas 8: Setealém
Cultura Pop5 anos agoLendas urbanas históricas 2: Teletubbies
Notícias8 anos agoSaiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
Cinema8 anos agoWill Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
Videos8 anos agoUm médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
Cultura Pop7 anos agoAquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
Cultura Pop9 anos agoBarra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
Cultura Pop8 anos agoFórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?






































