Cinema
Secos & Molhados: João Ricardo bem de perto

“O Secos & Molhados acabou em 1974, pouco antes do lançamento do segundo disco”, como dizem por aí. Se você for perguntar para o criador da banda, o português João Ricardo, a história é bem diferente. O grupo havia começado com outra formação alguns anos antes da entrada de Gerson Conrad e Ney Matogrosso. E muita gente mal se recorda, mas o nome “Secos & Molhados” perdurou por outros álbuns, alguns poucos hits (Que fim levaram todas as flores, de 1977, é o maior sucesso dessa fase) e várias formações. Sempre capitaneadas por João, radicado no Brasil desde 1964 (quando, ironicamente, seu pai, um jornalista e poeta, decidiu fugir da ditadura em terras lusitanas).
O criador do Secos poucas vezes tinha dado sua versão sobre a história da banda, e sobre as brigas que levaram Ney Matogrosso e Gerson Conrad a sair do trio. O documentário Secos & Molhados, de Otávio Juliano (em cartaz no In-Edit até sábado, 26, às 20h), traz João contando e cantando, ao violão, a trajetória inicial do grupo, e o nascimento de canções como O vira. Conversamos com Otávio, que também é diretor de Sepultura endurance (sobre a banda mineira de heavy metal) e ele contou como foi fazer o doc. João Ricardo, que à primeira aproximação achou que “não era a hora” de falar sobre o Secos, acabou topando fazer o filme, e rolou.
(Créditos da foto banda: Ary Brandi. João Ricardo no centro da foto.
Créditos da foto João Ricardo make up: Ary Brandi)
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POP FANTASMA: Como surgiu a ideia de fazer um documentário sobre a banda e como foi se aproximar do João Ricardo?
OTÁVIO JULIANO: Acredito que música e cinema são essenciais. A oportunidade de unir esses dois meios explicitamente através de um documentário, é muito atraente. Uma vez, um repórter me perguntou, enquanto ainda estava finalizando o documentário da banda Sepultura, “qual banda ou artista do Brasil vc gostaria de retratar em um próximo documentário?”. Na hora respondi, Secos e Molhados. E me surpreendi com a minha resposta. Comecei a pesquisar e João Ricardo tornou-se um personagem interessantíssimo, pelo que criou artisticamente e pelo seu silêncio.
Logo no começo você se surpreendeu com o fato de ele responder sua mensagem prontamente, mas ele disse que não era a hora ainda de fazer o filme. O que determinou a “hora” de começar?
Nossos documentários, na Interface Filmes, são feitos praticamente a quatro mãos: eu e Luciana Ferraz. Portanto, conversamos sobre o projeto e entramos em contato com João Ricardo. Acho que em 2016. Não foi o momento, mas ele disse “se um dia mudar de ideia e rolar um filme, vai ser com vocês”. Voltamos a conversar anos depois.
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O filme tem apenas o depoimento do João. Foi uma exigência dele? Aliás, o quanto te incomodava não haver depoimentos dele sobre o grupo?
João sempre frisou, “quero algo diferente dos outros documentários sobre bandas e músicos”, e nesse processo, veio a ideia do teatro vazio (o doc foi totalmente gravado no palco do Theatro Municipal de São Paulo). Isso foi antes da pandemia, tem uma metáfora por trás – tocar todos esses sucessos, assim, voz e violão, em um teatro vazio… e que Theatro, não?
Secos e Molhados foram únicos. Em todo material que pesquisei, entrevistas e programas de TV abordando os Secos e Molhados, nunca tinha uma entrevista com João. Era sempre “o João disse isso, tocou aquilo, fez a música…”, mas nunca o próprio João Ricardo. A possibilidade de fazermos um filme concentrado na obra, na criação, nas músicas dos Secos que marcaram época foi o que moveu a todos nós. A essência, as composições, a música. A história da banda finalmente contada e cantada pelo seu criador. O filme parte do olhar e da memória do João Ricardo para falar da trajetória, do grupo, a sua própria trajetória, do momento que chega de Portugal.
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Música e cinema são meios de trazer resgate histórico. Unindo esses dois meios, o documentário musical é instrumento poderoso. Inclusive, acho que a maneira de nos conectarmos a um filme documentário ou ficção baseado em fatos reais mudou. Com uma pesquisa na web, você tem acesso a tudo sobre um artista ou tema. Vídeos, músicas, entrevistas…
As novas gerações podem aproveitar todos os recursos disponíveis para se conectar aos temas do passado/presente. A riqueza de informações disponíveis a um clique tem que ser explorada.
Como foi ver as músicas dos Secos com ele, no esqueleto voz e violão?
Emocionante. É muito interessante: depois do primeiro final de semana de exibição, músicos e produtores que conheço me procuraram impressionados por ouvir as músicas e histórias dessa maneira, estavam tocados… E muita gente escreveu: “Que vontade de escutar os discos dos Secos depois de assistir ao filme”. E enviaram fotos escutando os álbuns. Isso é recompensador.
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O que ficou da sua experiência como diretor do filme do Sepultura na hora de fazer o do Secos?
Secos & Molhados fecha uma trilogia que se iniciou com A árvore da música, nosso documentário de 2010 que percorreu o mundo, recebeu diversos prêmios em festivais. É sobre a relação natureza e música, através do pau brasil, matéria-prima insubstituível na fabricação de arcos de violino. Tem a participação de grandes nomes da música erudita mundial. Gravamos em Viena, Paris, Veneza, EUA e na Mata Atlântica. Sepultura endurance e A árvore da música são road movies, gravados na estrada por um ano, influenciados pelo cinema verité. Secos & Molhados é bem diferente. Mas todos ligados pela música.
Quais são seus próximos projetos e qual o caminho previsto para o filme do Secos & Molhados depois do In-Edit?
Temos projetos para um longa de ficção, que há muito quero fazer. E o documentário sobre Tarsila do Amaral, mas o momento está complicado para o audiovisual. Começaremos a trabalhar na distribuição do filme do Secos & Molhados.
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Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
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Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
- Ouvimos: The Raveonettes – Sing…
- Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
- Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
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