Cultura Pop
Rock In Rio 2: descubra agora!

Por duas vezes, entrevistei (eu, Ricardo Schott, autor desse texto e editor dessa bagaça aqui) o presidente do Rock In Rio, Roberto Medina. E em ambas as ocasiões, ele demonstrou total descontentamento com a segunda edição do festival, realizada em janeiro de 1991 não numa “cidade do rock”, como de costume, mas no Maracanã. Pelo menos nessa época – e não faz tanto tempo assim, falei com ele nos anos 2000 – Medina disse que a edição não ficou com a cara do Rock In Rio, e que ela parecia mais “um monte de shows” do que um festival.
Pois enfim, o tempo ajuda a colocar as coisas nos lugares – e pelo menos no documentário Rock In Rio: A história (Globoplay), o empresário não detona a segunda edição do evento. Só fica bastante claro, até pelas imagens, que transformar o Maraca numa réplica da cidade do rock deu trabalho, e muito. Até pelas condições do local, já que não faltou gente para dizer que o estádio não aguentaria todo aquele público (o show do Guns N’ Roses, no dia 20, contou com 117 mil pagantes). E pelas recordações da época, espalhadas pelos jornais, fica evidente o quanto os organizadores do festival padeceram – e não foi no paraíso.
TODOS NUMA DIREÇÃO? Já no que diz respeito à escalação, o Rock In Rio II pode ser considerado um festival bem à frente do seu tempo. Se frases como “o Rock In Rio não tem mais rock” são cuspidas por aí em verdes pelotas, o evento de 1991 era basicamente um festival bastante representativo da música pop daquela época. Para começar (e cuidado para não cair para trás), Medina conseguiu reunir num mesmo festival George Michael e Prince, ambos fazendo dois shows cada um.
Achou pouco? Estouradíssimos nas rádios, New Kids On The Block, Lisa Stansfield e Information Society também vieram. A geração que ficava com a cara grudada na MTV teve seu maior representante com o Deee-Lite. Nomes esperadíssimos como Run DMC dividiam espaço com novidades ainda quase desaplaudidas por aqui, como Happy Mondays. Ainda teve a noite do metal, com Sepultura, Queensrÿche, Judas Priest e… Lobão. E, claro, teve o Guns N’ Roses, mais do que estourado, e trazendo o Faith No More a tiracolo.
Além disso, nomes ligados aos anos 1980, como Billy Idol, Colin Hay e A-ha, também passaram por lá, além de veteranos como Jimmy Cliff (de volta às rádios com Rebel in me), Santana e Joe Cocker. Mais: se no Rock In Rio I, Ritchie, Ultraje A Rigor e Raul Seixas fizeram falta, dessa vez a porteira estava aberta. Capital Inicial, Supla, Inimigos do Rei, Engenheiros do Hawaii, Titãs, Lobão, Paulo Ricardo, Roupa Nova, Leo Jaime e o veteraníssimo Serguei passaram pelo palco – alguns desses nomes apareciam a bordo de hits menores ou de nenhum hit. Nomes da MPB como Alceu Valença e a dupla Moraes Moreira e Pepeu Gomes fizeram shows elogiados.
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MAS ANTES QUASE DEU MERDA. No comecinho de 1990, já se falava num eventual Rock In Rio II, patrocinadíssimo pela Coca-Cola, que havia procurado Medina para bater um papo. No Jornal do Brasil de 10 de janeiro daquele ano, Ancelmo Gois destacava que havia uma corrida pelo uso do Maracanã entre Medina e os organizadores do show de Paul McCartney. E entregava que o empresário pressionava o governador do Rio, Moreira Franco, a não ceder o estádio para o beatle, “mesmo em dia diferente”.
MACCA NO MARACA. Existia uma possibilidade bem grande do Rock In Rio conseguir chutar o beatle para fora da disputa. Medina (segundo o mesmo Jornal do Brasil) prometia que o festival aconteceria depois da primeira fase do campeonato carioca, e que a Artplan, empresa do publicitário, ia mudar todo o gramado do estádio. O período de preparação e recuperação que o estádio teria antes e depois do show seria bem maior no caso do Rock In Rio, o que provocaria menos problemas com os jogadores e com os clubes. No fim das contas não houve briga nenhuma: Paul se apresentou no Maracanã em abril de 1990 e o Rock In Rio rolou lá oito meses depois.
TRUE CRIME. Entre um evento e outro, aconteceu algo que ameaçou não só a realização do Rock In Rio como também a vida de seu criador. Em meio a uma assustadora onda de sequestros no Rio, Medina foi capturado e passou duas semanas “sem comer e sem dormir” na companhia de uma turma liderada pelo traficante Maurinho Branco. No cativeiro, chegou a ser assustado por um bandido fantasiado de fantasma (!).
Ao ser libertado, em 21 de junho de 1990, o empresário levou de “presente” um gavião dado por Maurinho. Não era nenhuma gentileza: Maurinho obrigou Medina a levar o bicho e cuidar do gavião até a ave morrer, o que geralmente é interpretado como um símbolo de que ele jamais seria molestado novamente pela facção do bandido. “Se alguém quiser te obrigar a dar esse gavião, faz o cara escrever uma carta que eu vou lá matar ele”, avisou a ele Branco, que foi assassinado pela polícia ainda em 1990.
CONFUSÃO DE DATAS. Inicialmente o Rock In Rio, conforme alguns jornais noticiavam, seria realizado em 1990, e em julho – e no Maracanã mesmo. Pouco antes disso, Medina anunciava planos de trazer Ringo Starr e “quem sabe” Queen, Rod Stewart e James Taylor. Nomes como Whitney Houston e a sensação da acid house Yazz chegaram a ser aventados, mas não rolou. Luiz Oscar Niemeyer, da Mills & Niemeyer, contra-atacava anunciando (e trazendo) Paul McCartney e Eric Clapton.
QUASE LÁ! Em setembro de 1990, finalmente, Medina e sua turma anunciaram os primeiros 15 (de aventados 20) contratados. Da lista, nomes como A-Ha, Billy Idol, Colin Hay, Information Society, INXS assinaram e vieram.
MAS… Donna Summer, David Lee Roth e Ziggy Marley estavam entre os anunciados, mas não vieram. Robert Plant viria até a última hora, e Medina, dizem jornais, prometia uma “surpresa” para o show dele. Seria Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, banda dos dois? “Talvez”, despistou. Não deu certo: uma faringite impediu a vinda de Plant pouco antes do festival (mas ao que consta, a Guerra do Golfo, então em curso, fez o cantor ter medo de um atentado terrorista no avião, também).
ALIÁS E A PROPÓSITO… Nomes como Jorge Ben, Djavan e Milton Nascimento estavam também nos planos do festival e chegaram a ser comentados e/ou anunciados. Não rolou, nos três casos, embora Djavan tenha feito um feat num dos shows (ver mais abaixo). Jornais também deram como quase certa a contratação de Evandro Mesquita – não teria dado certo porque aupostamente a Coca-Cola lembrou que o então ex-Blitz já havia sido garoto-propaganda da Pepsi, ao lado de Tina Turner, em 1985. Gal Costa, então em fase mais “intimista”, foi anunciada mas não fechou contrato.
ATÉ O BARÃO? Estava tudo certo para o Barão Vermelho tocar, mas a banda (que havia tocado no primeiro festival, com Cazuza ainda no vocal) desistiu porque não haveria tempo para passar o som. O Hanoi Hanoi entrou no lugar.
ZOEIRA. A bem da verdade, alguns jornalistas já faziam piada com o fato do Rock In Rio não parar de anunciar atrações, tanto nacionais quanto internacionais (“a lista parece não ter fim”, dizia Regina Rito no Jornal do Brasil). Até Billy Joel, ainda colhendo o louros do álbum Storm front (1989), chegou a estar numa lista divulgada pela imprensa (e não veio).
O MAIOR DO MUNDO TREMEU. Literalmente, aliás – a situação aconteceu durante um Flamengo x Botafogo e um Flamengo x Vitória, ambas as partidas em outubro de 1990. Engenheiros da Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio) e da Emop (Empresa de Obras Públicas) ficaram durante três dias vistoriando o estádio. E a depender do laudo, Medina e sua trupe teriam que arrumar outro lugar para o Rock In Rio ou desistir do festival – o empresário afirmou anos depois que chegou a fazer “uma obra desnecessária só para acalmar a população”.
QUASE LÁ 2. Com as confirmações, os primeiros números começaram a ser anunciados. O Jornal do Brasil dizia em outubro que o Rock In Rio sequer havia esperado o laudo técnico do Maracanã para continuar os trabalhos – pouco depois daquilo, a Suderj decidiria fechar o estádio por um mês. O JB também falava em 3,8 milhões de dólares em receitas aos cofres públicos, além de cerca de 800 pessoas (entre músicos e técnicos) a caminho do Rio para o festival. Paulo Marinho, que na época era diretor-executivo da Artplan, falava que a Suderj receberia 700 mil dólares (“mais do que toda a arrecadação do estádio com o futebol, neste ano”).
CHEGA, GENTE! ACEITA! Até a última hora o assunto “Maracanã” rendeu. Poucas semanas antes do festival, com a estrutura já sendo montada, um advogado moveu uma ação contra a Artplan e a Suderj pedindo que o evento fosse cancelado. Isso porque ele havia pedido para ver os laudos completos de liberação do estádio e não conseguiu. “A Suderj liberou apenas um resumo”, reclamou. Um outro advogado reclamou que o Maracanã não havia sido projeto para esse tipo de evento, e que havia muitos riscos envolvidos.
A Artplan decidiu diminuir o número de ingressos para as arquibancadas (de 87 mil, foi pra quase 55 mil). Só que bem perto do evento, um juiz suspendeu o festival porque, segundo ele, não havia laudo complementar da Coppe (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia). Mas a tensão não durou muito e logo o festival foi liberado.
SELINHO. A Empresa de Correios e Telégrafos anunciou no mesmo mês um merchan inovador do evento: selos com as efígies de Cazuza e Raul Seixas. Os tais selos saíram de verdade, com uma tiragem prevista de 2,3 milhões.
ESCADARIA PARA O PARAÍSO. Não tinha Palco Sunset, mas tinha… Escalada do Rock, festival que aconteceu no Circo Voador no finzinho de 1990 com o objetivo de escolher bandas novas para o Rock In Rio II. Bandas como Vaca de Pelúcia, Os Meldas, Explosão Demográfica e Os Monstrengos do Rei (ao que parece, uma imitação dos Inimigos do Rei) mandaram demos. Jornais contavam que até Mauro e Quitéria, a dupla de cantadores revelada pelos Titãs no álbum Õ blésq blom (1989), mandaram sua fitinha.
ALIÁS E A PROPÓSITO… Lamentável: Serguei, um dos fundadores do rock brasileiro, só entrou no Rock In Rio 2 porque participou da Escalada. Mas foi considerado hors concours e passou por cima da turma de novatos e veteranos animados.
DA COMPETIÇÃO, QUEM ENTROU? Além de Serguei, entraram no festival a banda Vid & Sangue Azul (liderada pelo experiente Sergio Vid, ex-integrante da banda Sangue da Cidade) e a cantora gaúcha Laura Finochiaro.
GRANA. O assunto “cachês dos artistas” ocupava páginas e mais páginas dos jornais. Prince e George Michael cobraram um milhão e meio de dólares cada um – foram os maiores cachês. O Guns N’ Roses vinha atrás com um milhão. O Faith No More, cuja contratação foi uma exigência do Guns (e que virou mania no Brasil após o festival) levou o menor cachê: 20 mil dólares. A revista Bizz revelava que, lamentavelmente, houve um cachê menor ainda: os garis que varriam o estádio trabalharam incansavelmente em turnos de 12 horas e levaram CR$ 1.200 cada um (um disco de vinil por volta de 1990 custava CR$ 25 mil, só para se ter uma ideia).
PRIMEIRAS ENTREVISTAS E CHEGADAS AO BRASIL. Shaun Ryder, vocalista da banda inglesa Happy Mondays (anunciada numa das últimas horas, em substituição à cantora Jody Watley) anunciou que traria ao Brasil mil tabletes de ectasy, droga que era uma novidade por aqui. Desistiu, claro. “Não estou a fim de experimentar as prisões brasileiras”, declarou à Folha de São Paulo. Entrevistado por Arthur Dapieve no Jornal do Brasil, Dave Mustaine, do Megadeth, deu uma esnobada na multidão que o aguardava no festival. “Já tocamos para públicos com dezenas de milhares de pessoas. Não sei o que esperar, não moro no Brasil”, disse.
Os New Kids On Block mobilizaram batalhões de fãs e de fotógrafos em sua chegada ao Rio. Axl Rose, do Guns N’ Roses, fugiu da imprensa o quanto foi possível e nem sequer foi à coletiva da banda. Já o Deee-Lite, a bordo de seu hit único, Groove is in the heart, admitiu que estava intimidado com a possibilidade de encarar aquela multidão no festival. As coletivas, observadas hoje, eram um espetáculo à parte: era de rigor que integrantes de bandas famosas não fossem reconhecidos. Por causa disso, assessores e intérpretes precisavam apresentar cada um – isso quando a banda não havia mudado de formação e pouca gente sabia no Brasil (vale lembrar que não havia internet).
TEM QUE SER COMO EU QUERO! Vale citar que o Guns exigiu (e conseguiu) que o Poison não fosse convidado para o festival. Mas pediu também que o Judas Priest não subisse no palco com sua tradicional moto, pilotada pelo cantor Rob Halford – aí já não rolou.
ALIÁS E A PROPÓSITO… Jornalistas que cobriram o evento revelaram anos depois que Rob Halford era vítima de várias piadas homofóbicas disparadas por integrantes de outras bandas de metal. André Barcinski foi entrevistar Rob à beira da piscina do hotel Rio Palace e lembrou anos depois que integrantes do Megadeth começaram dar “bombas” na piscina e espirraram água nos dois. “Halford reclamou e foi repreendido com insinuações homofóbicas dignas de caminhoneiro”, contou. O cantor só sairia do armário em 1998.
LOBÃO VAIADO. Segundo a Bizz, o show do cantor, na tarde/noite do metal (oi?), foi o menor do festival: seis minutos, durante os quais ele tentou cantar o hit Vida louca vida, levou chuva de latas e ouviu coros de “1,2,3,4,5 mil/queremos que o Lobão vá pra puta que pariu”. Gritou “não sou palhaço, não!”, devolveu o xingamento do público (igualmente enviado para encontrar a mãe no prostíbulo) e deixou o palco. A apresentação do cantor esteve ameaçada no fim de 1990: Lobão tivera um acidente de moto em dezembro de 1990, havia fraturado o pulso e o cotovelo direito, e teve que ser operado. Mas confirmou mesmo assim.
E TEVE PRINCE. O cantor fez duas apresentações elogiadas, mas deu show mesmo foi nos bastidores. Obrigou a equipe do festival ir a Londres para contratá-lo e não dirigiu a palavra aos empresários do Rock In Rio em momento algum, nem mesmo com contrato assinado – todos precisavam falar com o empresário dele, que passava as mensagens e respondia. Para ser contratado, exigiu que o evento não vendesse bebidas alcoólicas – pedido não-atendido, evidentemente. Pessoas que trabalhavam no evento confirmaram recentemente à Billboard Brasil que Prince trouxe para o Brasil um estoque com bolsas plásticas contendo o próprio sangue (!). Entre os pedidos atendidos: as tradicionais toalhas brancas (200 ao todo), máscara de oxigênio, um piano de cauda branco na suíte do hotel e camarim iluminado na cor púrpura.
PEGADOR. Entre um show e outro, o cantor visitou boates cariocas, sempre cercado de seguranças e fazendo cara de tédio. No Hippopotamus, no Rio, pediu para dançar com Maitê Proença (“tá vendo aquela garota? É ela que eu quero!”, teria dito a um assistente, encarregado de abordar a atriz). Jornais da época contam que Maitê estava acompanhado do marido – mas como era “só para dançar” (e foi), ele liberou e Prince dançou duas músicas com ela. Também arrumou uma paixão que poderia ter lhe dado muita dor de cabeça: a modelo Marianne Cotrim, de 16 anos. Apesar disso, circulou pelos jornais uma declaração do cantor reclamando da “falta de mulheres bonitas” no Rio.
E BILLY IDOL. O cantor acabou fazendo duas apresentações, por um motivo básico: além do seu dia, precisou cobrir a ausência de Robert Plant, em cima da hora. Jornais no Brasil davam sua carreira como encerrada após ele ter um acidente de moto que o colocou sem andar por um ano. “Estou com um parafuso na perna, mas estou andando. O osso está se curando”, garantiu a Arthur Dapieve no Jornal do Brasil. Avisado de que cantaria na mesma noite que Supla – considerado seu clone brasileiro – avisou: “Eu pelo menos não vou tocar nenhuma música dele”, brincou. Jornais contaram que o cantor tentou entrar na festa de inauguração da boate Resumo da Ópera, na Zona Sul do Rio, e foi barrado no baile.
E TEVE SUPLA. Até aquele momento, o cantor havia tido alguns sucessos com sua ex banda Tokyo, e um sucesso menor em carreira solo, Motocicleta endiabrada. Para o show, no qual estaria acompanhado por um time de craques (Luiz Carlini na guitarra, por exemplo) prometeu versões rocker de músicas de Caetano Veloso (Você não entende nada) além dos hits. Saiu de lá contratado: uma conversa com João Barone (Paralamas do Sucesso) nos bastidores, levou-o para a EMI, onde ele lançou mais um disco (aquele do hit Encoleirado – claro que você se lembra).
E TEVE GUNS N’ ROSES, CLARO. Axl Rose não economizou nos shows de horror dos bastidores: ao ouvir do seu quarto do hotel fãs pedindo “seu telefone”, arrancou o aparelho da parede e o atirou pela janela. Fizeram um show que deixou os fãs felizes: o circo todo da turnê da banda foi trazido para cá, não faltaram hits, e o repertório teve duas novas: Double talkin jive e Civil war (o par de discos Use you illusion ainda não tinha sido lançado). Slash esticou até São Paulo e visitou o Instituto Butantã (e deixou os funcionários espantados com seu conhecimento sobre cobras). No dia 20, primeiro show do Guns no festival, duas mil pessoas que haviam pagado pelos seus ingressos simplesmente foram impedidas de entrar por causa de um bizarro overbooking.
A chegada do Guns ao Brasil foi um capítulo à parte: a banda desembarcou sem Axl Rose no dia 17 de janeiro – o cantor só viria no dia 19, no mesmo voo do Faith No More, que ainda não era tão conhecido no Brasil e mobilizaria menos fãs e jornalistas. Assistentes da banda faziam confusionismo (ou eram vítimas dele) e informavam no dia 17 que Axl já estava no Rio, deixando todo mundo preocupado. No dia do desembarque do resto do Guns, como nem todos os fãs conheciam os rostos dos integrantes da banda, um segurança botou um roadie do grupo para se passar por Axl. Jornais da época contam que houve quem tenha caído nessa.
E TEVE SANTANA. O guitarrista mexicano, que em 1990 lançara o excelente Spirits dancing in the flesh, co-produzido por Vernon Reid, do Living Colour, chegou ao Galeão sem muitas aporrinhações – o mesmo acontecendo com olin Hay (o ex-atual cantor do Men At Work vinha com sua Colin Hay Band e fazia sucesso com a boa Into my life). Santana fez dois shows elogiadíssimos e ao contrário de Joe Cocker – cuja apresentação era marcada por um tom mais pop, próximo de seus hits mais recentes – não economizou no clima Woodstock, com hits como Oye como va, Soul sacrifice, Blues for Salvador e até She’s not there, dos Zombies. Mesmo não escalado para participar com um show só seu no festival (como chegou a ser aventado), Djavan participou do segundo show de Santana cantando seu hit Oceano.
E TEVE INXS. Na confluência entre pop e rock, em 1990/1991, havia pouca coisa mais popular que essa banda australiana, liderada por Michael Hutchence. O grupo vinha a bordo do disco X, de 1990, com hits como Suicide blonde, e das fofocas a respeito do namoro entre Michael e a cantora Kylie Minogue – depois confirmadas. Em março de 1991, a Bizz publicaria uma entrevista feita antes do Rock In Rio com o cantor, que revelava já ter vindo ao Brasil em 1985 e dizia achar que o Rio “é uma Manhattan com praias, só que nos morros você vê as favelas”, contou. “Você espera todos aqueles clichês, que são verdadeiros, mas há também toda aquela pobreza e os opostos vivem lado a lado”. O INXS já tinha muitos fãs aqui por causa do disco Kick (1987) e sairia do Rock In Rio deixando mais uma legião de admiradores.
E TEVE NEW KIDS ON THE BLOCK. Os jornais destacavam que uma multidão de garotas de 10 a 15 anos iria lotar o festival – um público bem diferente do que se imaginava encontrar no Rock In Rio naqueles tempos, por sinal. Em entrevistas, as fãs amedrontavam-se com a possibilidade de um dos integrantes ser convocado para a Guerra do Golfo, ou, pior ainda, do show ser cancelado porque um deles ficou com medo e não embarcou. O grupo foi recebido no dia 22 de janeiro por tantas fãs – e encarou tanto caos e gritaria – que teve dificuldades para alcançar o ônibus da produção. Não acabou aí: as fãs pegaram táxis e correram atrás do ônibus, para mais algumas horas de gritaria na porta do hotel.
E TEVE GEORGE MICHAEL. Com um hit rolando direto na MTV e nas rádios (Freedom ’90) e dois grandes discos solo lançados, George arrasou e ainda por cima levou ao palco em seu segundo show o seu ex-parceiro no Wham!, Andrew Ridgelew. Hospedado no Rio Palace, em Copacabana, reclamou do barulho e conseguiu ser transferido para o Copacabana Palace. Frequentou a piscina do hotel todos os dias e lá conheceu o estilista brasileiro Anderson Feleppa, que foi seu namorado até falecer, em 1993.
E TEVE SEPULTURA. A escalação da banda de metal brasileira mais famosa mundialmente rolou um mês antes do evento e provocou uma corrida na gravadora Eldorado, que pôs nas lojas uma edição rough mix do segundo disco da banda, Arise, ainda não lançado. O grupo teve o mesmo tratamento das bandas brasileiras e não foi visto como celebridade: teve direito a um show de meia hora, com oito músicas e som embolado.
O camarim da banda, comparado com o dos gringos, era uma pobreza só: só guaraná e sanduíches de presunto foram liberados. Os roadies do Sepultura, injuriados, roubaram a plaquinha com o nome Guns N’ Roses da porta do camarim do grupo e puseram na porta do camarim da banda mineira. Alguns funcionários do catering do festival caíram nessa. Em compensação, o grupo farreou bastante no Rio e ainda deu entrevistas para todo tipo de veículo. Até para a revista adolescente Querida.
E TEVE FAITH NO MORE. O grupo oitentista norte-americano até então era conhecido no Brasil pelo clipe de Epic, música do álbum The real thing (1989), que virou mania entre skatistas e fãs de metal e até de punk rock quando a MTV Brasil foi lançada, no meio de 1990. Mesmo tendo a banda vindo como reco do Guns N’ Roses, alguns integrantes formaram uma turma do barulho com o pessoal do Sepultura, e a maior vítima foi o Guns. Conta-se que Mike Patton e Billy Gould invadiram o escritório do Rock In Rio, roubaram todas as informações do grupo de Axl e Slash e começaram a passar trotes telefônicos para os quartos dos integrantes. Billy teria chegado a desmarcar reservas de voo do Guns – uma sacanagem que até hoje ninguém sabe se deu certo ou não (a info vem do livro Sepultura – Os primórdos, de Silvio Gomes e Andre Barcinski).
O FNM fez um showzão em que o cantor Mike Patton saltou de caixas acústicas enormes e, entre músicas de seus discos, inseriu covers como Easy (Commodores) e War pigs (Black Sabbath). O jazz metal Edge of the world, até então apenas a faixa bônus do CD e do K7 de The real thing, foi tocado pela banda no palco e virou hit no Brasil. Graças a tudo isso e mais um pouco (porque revistas “da gatinha” como a Capricho adoraram Mike Patton) o Faith No More virou mania, com direito a mais fãs no Brasil do que nos Estados Unidos, e shows nos cafundós. Uma febre que durou pelo menos dois anos (e vale citar que o Information Society, que já fazia sucesso aqui desde o fim dos anos 1980, iria pelo mesmo caminho).
E TEVE SERGUEI. O cantor iniciou em 1991 uma relação frutífera com o Rock In Rio – cantaria em mais três edições. No dia 24 de janeiro, fez um show bem curto, mas marcante: desceu do palco e cantou Summertime no meio do público, o que mobilizou vários fotógrafos (e seguranças). Saiu do Rock In Rio contratado: no mesmo ano, a RCA (hoje Sony Music) colocou Serguei no estúdio e lançou seu primeiro álbum, epônimo – pois é, até então o veterano roqueiro só tinha em sua discografia singles e participações em coletâneas.
E TEVE ALCEU VALENÇA. O cantor pernambucano deve ter rachado o bico contando essa para os amigos no Baixo Leblon: Prince, um dos cachês mais caros do festival, acabou abrindo seu show. No dia 24, ele cantaria depois de Serguei e Prince seria o fechamento. Só que às 19h30, Alceu deparou com um palco diferente do que ele havia ensaiado, e um espaço bem menor do que ele teria direito – tudo por causa de um aparato de Prince que tinha dado problema e já estava instalado.
O palco reduzido e o som péssimo indignaram Alceu, que saiu do palco após duas músicas. A produção sugeriu que Alceu voltasse ao palco depois de Prince, usando equalização de som idêntica à do baixinho. Incrivelmente, Prince topou e Alceu fez uma apresentação cheia de sucessos, com som excelente. “Temos que acabar com essa história de Terceiro Mundo sempre marginalizado!”, disse no palco.
E TEVE… ROBERTO CARLOS? O rei deu o azar de desembarcar no Galeão, vindo de Madri (Espanha), no mesmo horário em que os fãs do Guns N’ Roses esperavam a banda chegar. O grupo – sem Axl – entrou pelo deserto portão C. Os fãs, que se aglomeravam na saída B, viram, no lugar do grupo, um atônito Roberto desembarcando sem entender nada. “Nem sabia que tinha tanta gente aqui”, disse, segundo os jornais da época.
E TEVE O SNAP!… PERAÍ, TEVE? Quase isso. O grupo alemão de música eletrônica, sucesso com hits como Rhythm is a dancer, ganhou um cachê de 25 mil dólares para tocar no festival, só que… o equipamento não chegou a tempo. O grupo compensou fazendo uma aparição no show dos rappers do Run-DMC, mas não houve show do Snap! (e os 25 mil foram devolvidos).
ESTRELA TEEN ADULTA. Debbie Gibson, que fez um único show no Rock In Rio abrindo pro A-Ha, no dia 26 de janeiro, era uma atriz e cantora norte-americana que tinha 20 anos quando cantou no Rock In Rio. Em 1990, ela havia iniciado a fase “adulta” de sua carreira com o álbum Anything is possible, produzido e composto por ela, com colaborações de Lamont Dozier (veterano compositor da Motown) e John “Jellybean” Benitez (DJ que havia, entre outras coisas, produzido Holiday, hit de Madonna).
Alternando trabalhos como atriz e cantora, Debbie está aí até hoje – em 2022 lançou Winterlicious, um disco de Natal. Já no Rock In Rio, hits como Lost in your eyes fizeram sucesso, mas a cantora entrou na mal-afamada cota do “Pop in Rio”, que levava jornalistas a reclamar da escalação e a dizer que o festival já havia sido mais roqueiro. Como acontece até hoje.
E SE VOCÊ ESTAVA SENTINDO FALTA DA ESCALAÇÃO COMPLETA DO ROCK IN RIO 2, ela tá aí.
18/01: Prince, Joe Cocker, Colin Hay, Jimmy Cliff.
19/01: INXS, Carlos Santana, Billy Idol, Engenheiros do Hawaii, Supla, Vid & Sangue Azul.
20/01: Guns N’ Roses, Billy Idol, Faith No More, Titãs, Hanoi Hanoi.
22/01: New Kids On The Block, Run DMC, Roupa Nova, Inimigos do Rei.
23/01: Guns N’ Roses, Judas Priest, Queensryche, Megadeth, Lobão, Sepultura.
24/01: Prince, Carlos Santana, Laura Finocchiaro, Alceu Valença, Serguei.
25/01: George Michael, Deee-Lite, Elba Ramalho, Ed Motta.
26/01: Happy Mondays, Paulo Ricardo, A-Ha, Debbie Gibson, Information Society, Capital Inicial, Nenhum de Nós.
27/01: George Michael, Lisa Stansfield, Deee-Lite, Moraes Moreira e Pepeu Gomes, Leo Jaime.
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
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Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
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E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
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Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
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