Cinema
Rindo À Toa: o humor no pós-abertura em documentário

O humor da era da abertura, no começo dos anos 1980, tinha varias caras e turmas. Tinha a galera do jornalismo (O Pasquim), das revistas e jornais humorísticos (Casseta Popular e Planeta Diário), os grupos de rock e MPB (Ultraje A Rigor, Blitz, Premeditando O Breque) a turma do teatro besteirol – e essa profusão de galeras e projetos que provocavam e testavam limites estendeu-se até bem recentemente, com a turma do Hermes & Renato, na MTV. Foi com a intenção de reportar esse período em que a censura estava chegando ao fim e parecia não haver limites para a gozação, que o “seu casseta” Claudio Manoel, ao lado de Álvaro Campos e Alê Braga dirigiram o documentário Rindo à toa.
O filme chegou aos cinemas trazendo entrevistas com boa parte da geração que fez o Brasil rir a partir dos anos 1980: Casseta & Planeta, Angeli, Laerte, Regina Casé, Evandro Mesquita, Roger Moreira (Ultraje), Marcelo Tas, Marisa Orth, Pedro Cardoso. Além de muitas imagens de Bussunda (1962-2006). E a produção mexe num tema que faz muitos humoristas, novos e antigos, rirem de nervoso: e aquelas piadas politicamente incorretas que o Casseta & Planeta fazia nos anos 1980? Como seria, hoje, mexer naquele tipo de vespeiro? Mais: como ver aquilo com os olhos de hoje em dia?
Bati um papo com Claudio Manoel para o jornal O Dia – onde trabalho – a respeito do filme. Segue aí o papo na base do pingue-pongue, com todas as motivações por trás da história, e toda a contextualização que o humor daquele período, feito numa época em que o número de bundas a chutar parecia interminável, merece.
POP FANTASMA: Afinal, como começou esse filme?
CLAUDIO MANOEL: Bom, comecei a discutir esse projeto com o Álvaro Campos a partir de um convite da Globo Filmes. Depois chamamos o Alê Braga e o projeto deve gerar uma trilogia sobre o humor. O primeiro filme foi sobre a época do regime militar, o outro vai ser sobre o humor de hoje, e ainda não entrou em produção. O conceito básico do Rindo à toa é que a gente tinha saído da ditadura militar e não havia nenhuma ferramente de controle – que sairia e ficaria na mão da sociedade, o que é um troço até muito vago. Só que grande parte da sociedade, naquela época, queria mais era tirar a tampa, botar para fora o que estava sufocado ou guardado durante tanto tempo. Começamos de cara com a intenção de mostrar que no Brasil nunca houve uma época tão livre, todo mundo queria testar os limites do humor.

Cartaz do filme
E o filme não se limita a mostrar o humor puro e simples, ele vai para a música da época… Sim. Juntamos com o rock da Blitz, do Ultraje A Rigor. Dentro da cena paulista tinha o Premeditando o Breque, a turma do Lira Paulistana, o teatro besteirol que era o pós-Asdrubal. Essa turma já vinha chutando seus baldezinhos, radicalizando o negócio do humor do cotidiano, comportamental. Você tem também uma cena de cartum, de quadrinhos, fortíssima. E tem a coisa da TV, mesmo que seja no mainstream – a Globo é até hoje o maior produtor de audiovisual, mas na época ela queria ser vanguarda. Não que hoje não queira. Mas é diferente o querer estar na moda hoje e o querer estar na moda naquela época. Você naquela época queria chutar o balde da moda, queria incomodar. Havia uma ideia de que incomodar era legal. Parecia meio pretensioso, mas era aquela coisa de respirar um pouco. Quando o certificado de censura sai de cena – e a gente sabia até o nome do censor, Solange Hernandez, Coriolano Fagundes, parecia coisa de cinema – fica um vácuo de controle, rola de tudo e depois chegam os controles de novo. Primeiro dentro da mídia, com os feedbacks diretos: “Ah, não sou eu que estou proibindo, o povo que não gosta”. Todo mundo fala em nome de uma audiência, de uma massa, que começa a dar like e deslike e dependendo do peso que tiver, ela derruba.
Isso tá cada vez mais claro com o Twitter… Tem trollagem dos dois lados. Tem o camarada anônimo que fica trollando até conseguir irritar a celebridade, o alvo. E tem a ideia de programa em que você fica sendo atacado. Tem o que aconteceu com o Woody Allen, uma coisa em que você tem que dar o benefício da dúvida e o julgamento não tem fim. Antes você tinha o julgamento por calúnia, duração da pena. E tem esse julgamento da internet. Você tem um coisa de hiperliberdade pro criador e tem a hiperliberdade pro consumidor. Todo mundo é mídia, até mesmo o cara que te assiste e tem 50 mil seguidores. Isso tudo mudou pro bem e pro mal. O bom é que um jovem comediante do Piauí pode ficar famoso, vitorioso e rico. Ele pode fazer um vídeo no quarto e usar todas as ferramentas. Já pro mal, tem o controle: “Não pode, não deixo”. Você querer interditar o outro. Pô, você discordar de fulano já é discurso de ódio.
No filme tem uma fala do Hélio de La Peña em que ele diz que as pessoas estranham o que a turma do Casseta fazia naquela época, queriam que fosse diferente, que as piadas não fossem tão politicamente incorretas, mas o contexto era diferente. Falando nisso, como você vê o humor feito hoje. Ainda há limites a testar, como naquele período? Por partes: sempre teve, de uma geração sobre outra, esse olhar de superioridade. É da idade, você olha os caras mais velhos como ultrapassados. Até um chimpanzé bem treinado pode fazer um julgamento. O complicado é você julgar antes, ou querer olhar com a régua de hoje a criação daquela época. Havia pautas que simplesmente não existiam, a conversa não era essa. O discurso que existe hoje é importante. Tem muita pauta evolutiva e muita pauta involutiva, muito discurso que fica interditado. Tem muito mais “não pode” do que na nossa época e talvez até mais do que na própria época da ditadura militar.

Reinaldo e Hubert no filme
Vem de todos os lados. E ainda tem uma mitologia, uma autopropaganda de que o pior “não pode” vem de cima, dos poderosos. Você acaba se sentindo mais heroico. Mas porra nenhuma. Sempre houve isso, desde o teatro grego. O cara ia lá e te avaliava na sua cara. Só que hoje o cara que nem te assistiu fica puto contigo. Desafios e limites têm sim, mas no humor você tá sempre no fio da navalha, porque tem o quanto você tá esgarçando os limites da caretice e o quanto você tá sendo escroto. O melhor parâmetro pra isso sempre foi a risada. O problema é que às vezes você é escroto, o cara fica envergonhado da risada que deu e fica puto contigo (risos). Mas um humor que não pode incomodar ninguém, que tem que ser macio, sem arestas… Isso é muito infantil e infantilidade tem limite de idade. Você tem que ser adulto. Todo mundo quer muita proteção. Fica todo mundo doido: “Ahá, peguei uma ofensa!” Pô, tem um negócio chamado microagressão. Brother, microagressão na história da humanidade chama-se frescura! Tem muitas coisas nisso de falar de identidades, de nichos. É algo que cria muitas regras e muito antagonismo em relação a outro nicho. Fica muito fracionado. É difícil agradar a todos. A gente ficou 20 anos no ar e desses anos, uns 17, 18, a gente era não o programa de maior audiência de humor. A gente era o programa de maior audiência da Globo. Muita gente fala que comentava a piada no dia seguinte na escola…
Isso não existe mais. Não existe mesmo, é mais fracionado. Os americanos vivem isso há mais tempo por causa da TV a cabo. Não existe mais o “tá passando na telinha”. A telinha hoje é o celular.
Falando nisso, vocês lançaram um canal no YouTube. Como ele tá indo? Olha, nem posso falar muito porque sou um dos mais bissextos. Só não perco pro Reinaldo porque ele se aposentou. Para mim é mais uma forma de encontrar os amigos, jogar uma pelada, falar besteira. Você está numa seara de concorrência enorme, com gente que é 40 anos mais nova que você. Na Globo, a gente tinha muita força de produção, né? Escrevia um texto na sexta-feira e na segunda já tinha 40 cangaceiros e 50 cavalos esperando a gente. Isso distorce o ser humano. O canal tem ainda uma base de inscritos pequena, a plataforma tem uma faixa etária diferente. Mas é um lugar pra encontrar os fãs. A gente fez a série do Multishow (Procurando Casseta & Planeta) que teve duas temporadas e foi muito legal, fez um livro sobre história do Brasil – cada um na sua casa. Eu fui fazer documentários e eles ficaram mais unidos. O Marcelo Madureira é que é o apaixonado pela área da internet, tem uma empresa de internet, faz o canal do Pastor Arnaldo…
E essa turnê de 30 anos que vocês vão fazer? Na verdade esses trinta anos… Tem vários “começos” aí: quando juntou Casseta & Planeta, quando começou a fazer show, a gente parou de fazer show há uns 20 anos, quando o programa passou de mensal para semanal. E nós somos o único grupo de humor em que redação e elenco eram a mesma coisa, o que fez com que a gente imediatamente parasse de fazer show. Não tinha mais tempo.
Verdade que o Reinaldo não vai participar dessa turnê? Você falou lá atrás que ele se aposentou… Sim, sim. O Reinaldo é um veterano, foi editor do Pasquim, e ele sempre tinha deixado claro o desejo de que, quando parasse tudo, fosse ficar apenas como músico, tocando jazz, que era o que ele realmente queria fazer. Ele topou participar da série do Multishow como ator, recebia o texto e um abraço. Quando fizemos um projeto de TV (para a Rede TV!, cuja viabilidade comercial ainda não foi aprovada pelo canal), ele deixou bem claro que o lance dele agora era música. Ele toca na noite e se diverte, mas turnê nem pensar. Convencemos ele a fazer uma participação em vídeo no nosso show, mas viajar pra fazer show de humor… o véio não está mais nessa.
https://www.youtube.com/watch?v=UVb4NAH00rw
Aliás, são trinta anos da gravação do LP Preto com um buraco no meio. Quais são as lembranças que você tem dessa época? Foi tudo ótimo. A gente pegou o último ano da isenção do ICMS para indústria fonográfica. Isso significava em outras palavras que não tinha orçamento, tinha um monte de isenções fiscais. Conseguimos fazer um puta time, cada faixa gravada pelo creme da música: Djavan, Carlinhos Brown no primeiro disco do qual ele participou quando veio pro Rio. Minha ex-mulher era produtora do disco, eu chegava cedo no (estúdio) Nas Nuvens para gravar e encontrava lá Arthur Maia, William Magalhães, Celso Blues Boy… Nenhum de nós era cantor, a gente fez até uma aulinha, mas era bacana. Na época do Preto, já culmina ali um show que vinha fazendo sucesso pra caralho que era o Eu vou tirar você desse lugar. Começamos no Jazzmania, fomos para o Canecão e isso gerou o convite da Warner para gravar, e do Boni pra fazer o camarote da Globo no Carnaval 1990.
https://www.youtube.com/watch?v=RKs_NCX3HFk
Foi a primeira vez em que aparecemos na frente das câmeras. Até então a gente era autor e fazia show, tinha aberto para o Barão Vermelho no Circo Voador. O show começou a ficar cult. Cazuza foi nos bastidores, ele foi ver a gente bem doentinho com a Maria Zilda, o Caetano. E o André Midani chamou a gente para fazer o disco. Ele estourou com duas músicas. Uma delas foi Mãe é mãe, a paródia do Tim Maia que a gente fazia, e que tinha um refrão que hoje seria completamente proibido. Mas nem era uma coisa anti-mulher, era uma discussão de casal. Fizemos até uma versão chamada Pai é pai, com “homem é tudo viado”. Tocava só no show, não tocava palavrão no rádio… Mas teve Tô tristão, um “samba exaltação” sobre um cara que se fodeu. Essa tocou pra caralho em rádio, foi a primeira vez que rolou “eu me fodi” e “caralho” em rádio.
Tô tristão teve uma versão censurada, com “tô sofrendo pra cacete”, não teve? Teve. A gente começou a ser chamado pra tocar em TV e a única que dava pra tocar no Xou da Xuxa – ela adorava o disco – era o Tributo a Bob Marley. Quando a gente começou a ter demanda de programa, a Warner pediu para a gente fazer uma versão palatável de Tô tristão. Era algo como “tô sofrendo pra canário” (risos). E a gente tocou isso no programa da Angélica (o Misto Quente, na Manchete). Uma coisa de bastidores dessa gravação é que o produtor levou a fita junto, só que levou uma fita que tinha a música original, com os palavrões. E ficaram todas aquelas crianças ali, a gente achando que ia entrar a versão “família” (risos)… O título do disco foi porque a gente estava gravando, os repórteres iam lá perguntar como estava o disco, e a gente falava que era “preto com um buraco no meio”. Levantaram que o nome do disco era uma questão racial, alusão ao negro baleado…
O Tim Maia ficou puto com o título do disco, não? Disse que ia fazer uma música chamada Branco com um buraco na testa. Ele ficou puto mesmo por causa da imitação que o Bussunda fazia dele. Uma vez o Tim deu bolo no Domingão do Faustão e ele chamou a gente pra tocar, e ficou o programa inteiro falando: “O Tim Maia vem, hein? O Tim Maia vem!”. Na hora em que anunciaram o Tim, entrou o Bussunda. Quando acabamos o número, a produção estava de olho arregalando dizendo que o Tim ia lá dar um tiro na gente e matar o Bussunda. O Bussunda falou: “Mas ele garantiu que vem? Então ele vai faltar!” (risos)
Como você se descobriu documentarista? Eu estava com comichão de trabalhar com coisas fora do humor e da TV. Comecei a fazer o documentário do Wilson Simonal (Ninguém sabe o duro que dei, com Micael Langer e Calvito Leal) e começou como uma coisa que me interessava, uma puta história que nunca tinha sido contada. Se eu partisse para a ficção ia ser mais demorado: você tem que ter um roteiro de ficção bom, diálogos bons, treinar o elenco… Nem eu nem quase ninguém no Brasil sabe fazer isso. Documentário já seria mais fácil. Foi uma loja que eu abri, mostrei que podia fazer uma coisa diferente do humor. Só foi penoso por causa da legislação brazuca, direito de imagem. Uma coisa é você filmar gente na rua e pegar a autorização. Outra é fazer sobre a vida de um cara. Direito de imagem no Brasil é hereditário, você passa pro neto, pro tataraneto do cara. A imagem é tida como algo diferente do privado, às vezes a imagem foi feita à força… E meu maior medo era a legalização do uso da imagem da Sarah Vaughan, que tem no filme.
Como foi? Eu fui pro escritório que a representava em Nova York, um representante ficou jogando pro outro, até que um cara me respondeu que eu tinha que comprar a imagem do producer. Eu falei: “Mas eu já fiz isso!”. E o cara: “Então por que você tá me procurando? A imagem é do produtor!” Eu tinha comprado a imagem do espólio da Rede Tupi e morreu aí. Aqui você tem que comprar a imagem e ver todo mundo que aparece na imagem para autorizar. Dá uma falta de saco de fazer. Na hora pensei: “É o primeiro e último!”
Complicado… Mas com a Lei Carmen Lucia, o “cala a boca já morreu”, me animei de novo. Achei que o tema da cena de humor seria um facilitador, porque não tô correndo atrás de podre da vida de ninguém, não é uma biografia. É um documentário-comentário sobre o assunto, e me deu motivação de começar a fazer. Logo depois pintou a oportunidade de fazer um documentário sobre o Chacrinha, que fiz com o Micael Langer. Mas tenho uma produtora e tenho projetos tanto de streaming com outras produtoras, desde programas científicos até série documental.
Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
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Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
- Ouvimos: The Raveonettes – Sing…
- Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
- Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
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