Crítica
Ouvimos: Tears For Fears, “Songs for a nervous planet”

- Songs for a nervous planet é um disco ao vivo dos Tears For Fears, gravado no Graystone Quarry em Franklin, TN, durante a parte 2 da turnê The tipping point. Além do álbum ao vivo, e que você deve saber, o conteúdo de Songs… virou filme.
- Tá meio complicado achar a ficha técnica de Songs por aí, mas diz o site The afterworld que a turma é: Doug Petty (teclados), Charlton Pettus (guitarra), Jamie Wollam (bateria), Lauren Evans, Janae Sims e Jasmine Mullen (vocais), além dos chefes Roland Orzabal (voz, guitarra) e Curt Smith (voz, baixo).
- O título do disco foi inspirado no livro Notes on a nervous planet, de Matt Haig. Já a capa, feita pelo designer Vitalie Burcovschi, “é uma colagem digital de mídia mista, com a IA sendo apenas uma das muitas ferramentas usadas no processo criativo (…). Os girassóis são um aceno alegre às imagens clássicas do Tears For Fears, enquanto a justaposição do astronauta é um link para nossa música, Astronaut, e uma sensação de alienação e não pertencimento”, diz a banda.
The tipping point, último disco de inéditas dos Tears For Fears, foi um disco lamentavelmente pouco discutido, pelo menos aqui no Brasil – foi um dos primeiros grandes lançamentos de 2022, mas acabou ofuscado por outros discos importantes e pelas mudanças do mercado fonográfico no pós-pandemia. No disco, Roland Orzabal e Curt Smith voltaram ligados à musicalidade que construíram a partir do segundo LP, Songs from the big chair (1985), com uniões entre soul, jazz, rock, psicodelia, um ou outro progressivismo de FM e coisas do tipo.
O maior alívio para muitos fãs foi que ver, ao retornar, o Tears For Fears não caiu na bobeira de querer parecer um Coldplay (leia-se: fazer música pop de apelo fácil e sem substância, que é o que a banda de Chris Martin tem feito nos últimos 15 anos). Talvez fosse até tentador, mas não é o caso deles, que repassam o repertório do álbum, além de vários hits de fases anteriores, no ao vivo Songs for a nervous planet – que, apesar de estar sendo chamado de “primeiro ao vivo dos Tears For Fears” por aí, já é o terceiro (no máximo é o primeiro que a banda lança em larga escala e em tempo real, já que saíram Secret world – Live in Paris, exclusivo para o público francês, em 2006, e Live at Massey Hall Toronto, Canada / 1985, em 2021).
O grupo-dupla de Roland Orzabal e Curt Smith começou no pós-punk eletrônico e sombrio (na estreia The hurting, de 1983) e partiu em seguida para um pop que requer tempo e disposição para ouvir, ainda mais num mundo que vive apressado e confuso – o título “canções para um planeta nervoso” não é brincadeira. A noção de pop do TFF sempre foi perturbadora: canções extremamente radiofônicas do grupo falavam em depressão, abuso infantil, pais que sufocam os filhos (Suffer the children, que ganhou versão de voz e piano no álbum), bullying, protestos políticos (este é o verdadeiro tema do hit Shout), chefes abusivos (o próprio Orzabal falando de sua fama nos bastidores do TFF em The badman’s song, que ganhou versão de dez minutos no álbum).
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Songs for a nervous planet mergulha no repertório meio esperançoso, meio depressivo do disco anterior dos TFF, cujo repertório era centrado basicamente nas tristezas e nos arrependimentos de Roland após a morte da primeira esposa. Os seis singles de The tipping point estão no ao vivo, o que é uma ótima maneira de descobrir (ou redescobrir) o disco.
Com raras exceções, é um show de hits: a boa I love you but I’m lost, inédita da coletânea Rule the world (2017), nem entrou na seleção. Da fase em que o TFF foi só Orzabal, puto com Smith e atirando uma ou outra pedra no então ex-amigo, só entrou Break it down again. Curiosamente, do excelente Everybody loves a happy ending (2004), disco “da volta” da dupla Orzabal-Smith, entrou Secret world, e não Closest thing to heaven, maior hit do álbum.
O material novo, gravado em estúdio, que Orzabal e Smith apresentam no disco difere bastante da época de The tipping point. O grupo voltou aos comentários políticos em Say goodbye to mum and dad, e de modo geral, Orzabal volta bem mais positivo que no álbum anterior, em Astronaut, e em duas músicas dedicadas à atual esposa, The girl I call home e Emily said – nesta, cuja introdução lembra incrivelmente os acordes de Dancin’ days, hit das Frenéticas (!), ele se insere como personagem em versos como “Emily disse: ‘saia da sua cabeça/e vá fazer um chá para nós dois/eu sei que você está triste e a vida é uma chatice'”. A curiosidade é Change, pós-punk dançante e lascado de The hurting, ganhando uma cara meio rock, meio house no bis do show. Que, claro, termina com o poder de comunicação infalível de Shout – aberta pela segunda estrofe e não pelo refrão.
Nota: 8
Gravadora: Concord Music
Crítica
Ouvimos: Blondshell – “If you asked for a picture”

RESENHA: Blondshell encara amores fracassados e traumas em If you asked for a picture, disco entre o folk e o grunge com letras ácidas e pessoais.
O segundo álbum em que a musicista Sabrina Teitelbaum usa o codinome Blondshell tem um título que parece ironia calculada – “se você pedisse uma foto” soa como zoação com as cantadas internáuticas do tipo “manda uma foto de agora”, mas o nome vem de um poema da norte-americana Mary Oliver. As letras, mesmo quando parecem irônicas, falam sobre planos que não deram certo, relacionamentos cagados, decisões que pareciam ótimas e se revelaram uma baita furada, e coisas do tipo.
Alguns versos de If you asked têm referências bem inesperadas, como quando o Bath For Lashes (codinome da cantora paquistanesa Natasha Khan) surge em Thumbtack, folk-rock indie que abre o álbum. Ou quando o nome do Steely Dan vira verbo na música Toy, soft rock com ascendência grunge que fala sobre o antidepressivo Sertralina, lá pelas tantas. Essa esquina entre o folk e o grunge marca quase todo o disco, que investe em sons anos 1990 sobre relacionamentos casuais (T&A), músicas com guitarras rangendo e letras sobre dependência emocional masculina (Arms, que manda bala: “eu não quero ser sua mãe / mas você não é forte o suficiente”, e ainda tem Sabrina dizendo a si própria: “você não vai salvá-lo”.
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Em alguns (pouquíssimos) momentos, o disco margeia o rock dos anos 1980. Como nas guitarras lembrando The Police de What’s fair – cuja letra é um recado, real ou autoficcional, de Blondshell para sua mãe controladora. “Você gostaria que eu fosse famosa / para que você pudesse viver por procuração / você sempre teve um motivo para comentar sobre meu corpo / você não é uma pessoa perfeita / algo sempre está errado”. Ou na quase power pop 23’s a baby, mais uma das (várias) faixas de If you asked for a picture que enxerga o absurdo e o duvidoso de todas as situações vividas nos 20 e poucos anos.
Event of a fire, outra balada com rangidos grunge, vai além disso: Sabrina/Blondshell fala sobre nuvens sombrias que a acompanham desde os 16 anos, por aí. Uma confusão que bate também em Model rockets, no final. Um baladão de AM cheio de pequenas tragédias pessoais, que encerra um disco repleto de cicatrizes.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Partisan Records
Lançamento: 2 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Pup – “Who will look after the dogs?”

RESENHA: No disco Who will look after the dogs?, o Pup mistura punk pop e dor real pós-separação em faixas intensas, sarcásticas e sem autopiedade.
O punk pop começa a ficar mais interessante quando deixa a vibração de trintão-quarentão-que-não-quis-crescer e invade a área dos sentimentos bem profundos – mesmo que isso signifique chegar perto da depressão, ou da sensação de que algo foi desperdiçado com o passar do tempo.
No caso do novo disco do grupo canadense Pup, a separação do vocalista Stefan Babcock parece ter dado o tom das doze faixas de Who will look after the dogs?. Na verdade, diante do atual cenário de bandas influenciadas por estilos como shoegaze e emo, esse tipo de postura é, digamos, moderníssima – aquela coisa que sofrer com cada ano que passa, com cada pancada que a “vida de adulto” dá, em vez de bancar o palhaço diante das agruras da vida.
Who will look after the dogs? investe numa sonoridade que pode ser chamada de (vá lá) art emo, com distorções e vocais gritados, power pop mais par “power” do que para “pop”, e sons que lembram o Replacements ou o Soul Asylum de 1992 – como em No hope, Olive garden, Get dumber (com participação de uma lenda recente do punk novaiorquino, Jeff Rosenstock).
Needed to hear it soa como o Blink-182 sem a boboalegrice deles, e sons entre os anos 1960 e 1970 dão as caras na quase glam Cruel (cuja letra é um pedido de desculpas e uma ponte para diálogo) e na desolada Hallways, cujos versos são a expressão da dor pós-separação: “Na primeira noite sem você, eu desabei no chão / porque quando uma porta se fecha / ela pode nunca mais abrir / pode não haver outras portas”.
Já as letras de faixas como Olive garden, por sua vez, estão mais para zoeira levada a sério do que para qualquer outra coisa (“vamos nos encontrar no Olive Garden / já faz muito tempo / da última vez, sua avó estava em um caixão / foi estranho conversar”, com título fazendo referência a uma franquia de restaurantes).
Mesmo a deprê nossa do dia a dia ganha outra cara em faixas como Best revenge, que une vibe punk-pop e clima beatle – e soa como um momento especial no álbum, com seu tom de quem acordou de bode no dia seguinte à desgraça (“a melhor vingança é viver bem / tenho vivido como um merda, isso tem estragado meu sono”). Shut up é punk sofrido, quase perto do shoegaze.
No geral, Who will look after the dogs? já ganha pontos por ser um “disco de separação” sem autopiedade e sem bodes passivo-agressivos – mas o Pup ainda por cima vem dando uma boa mudada nos últimos anos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Little Dipper / Rise
Lançamento: 2 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lab Rat – “In the walls we wait”

RESENHA: Em In the walls we wait, o Lab Rat mistura punk, metal, rap e shoegaze em um disco intenso e variado, com letras marcadas por dor, desespero e vivências reais.
Banda australiana que grava por um selo espanhol, o Lab Rat vem da cabeça de Dylan James, um sujeito cuja vida é cheia de histórias bem estranhas: depressão, drogas, traumas, vivência punk desde a adolescência. In the walls we wait, segundo álbum do projeto, tem uma musicalidade incomum: partindo de uma receita conhecida (a mescla de punk e metal que nos Estados Unidos ganha ares de “rock alternativo”), Dylan acrescenta psicodelia, musicalidade anos 1990, rap e até toques de shoegaze e slowcore.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O resultado é uma sonoridade poderosa, em que as variações estilísticas vão colidindo, e em que a revolta e o desespero soam reais, em faixas como a sombria e quase eletrônica Around my neck, a quase grunge Rolling loud, a dolorida Medicate me e a esparsa Car crash. Músicas como Exit path, houvessem sido lançadas nos anos 1990, virariam chiclete de ouvido imediato, bem como Drunk, que mexe na receita do rock dançante, eletrônico e quase industrial – uma soma que, à primeira vista, parece desgastada, mas é abordada com estilo.
Faixas como Lost in SoHo mostram que o Lab Rat segue uma direção musical apontada dos anos 1990 para cá, lembrando até bandas como Libertines. Já You are not alone, apesar da boa maré do título, soa enevoada, tristonha e quase fúnebre – com cordas e coral no final. Som e vivência, dores e música, espalhados em 12 faixas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Mushroom Pillow
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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