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Crítica

Ouvimos: Shawn Mendes, “Shawn”

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Ouvimos: Shawn Mendes, “Shawn”
  • Shawn é o quinto álbum de estúdio do cantor canadense Shawn Mendes, e o primeiro lançado após o cancelamento (por questões de saúde mental, segundo comunicado enviado na época) da Wonder: The world tour, em 2022. Também é o primeiro álbum lançado desde Wonder, de 2020.
  • A escrita do novo disco vem bastante influenciada pelas questões enfrentadas por Shawn Mendes desde então – e os críticos musicais, de modo geral, vêm prestando atenção a isso. Pouco após o cancelamento, Shawn disse que “não tinha a menor ideia de quem ele era” e que “não podia nem sequer entrar num estúdio sem sentir pânico total”. Chegou a avisar também que seu próximo disco seria seu “trabalho mais musicalmente íntimo e liricamente honesto até o momento”.
  • A produção de Shawn ficou por conta do próprio cantor, ao lado de Scott Harris, Mike Sabath, Nate Mercereau e Eddie Benjamin.

Vai ouvir Shawn Mendes pela primeira vez na vida com esse novo disco? Bom, o que você vai encontrar pela frente é um artista muito, mas muito diferente do passado de música pop e canções divulgadas pelas redes sociais que marcou seu começo de carreira. Ok, nem tanto: Shawn permanece ligadão nas quebradas do pop, adotou direitinho o esquema sincero-ao-extremo que vem marcando a escrita de canções de Ariana Grande, Taylor Swift, Olivia Rodrigo e até Luisa Sonza, e volta apontando para a estileira country que andou galgando posições nas paradas.

O Shawn Mendes que emerge de Shawn é o artista que vem tratando de si próprio após, em 2022, cancelar uma turnê mundial porque precisava cuidar da saúde mental – seria sua primeira tour após a pandemia. A nova escrita de Shawn traz canções que soam como trechos de diários, páginas matinais, frases esparsas anotadas e unidas, e outros recados e lembretes do isolamento. Nas músicas de Shawn, ele diz que precisa de “um novo lugar numa cidade mais acolhedora” e solta que “não sei quem sou agora”, no pop curto e acústico de Who am I.

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Já em Why why why, pop violeiro que abre quase na onda de Simon & Garfunkel – mas ganha tom grandiloquente lá pelo refrão – ele cita abertamente que “abri meu diário em uma página/tudo que me machuca continua o mesmo”. Também põe partículas de relacionamentos encerrados na história (vale dizer que as especulações sobre a vida amorosa de Shawn dão um livro) e segue com uma revelação: “pensei que estava prestes a ser pai/me abalou profundamente, ainda sou uma criança/às vezes ainda choro por minha mãe”.

O som de Shawn aponta para uma onda que vem pegando vários nomes atuais da música pop e até do rock: a vontade de soar como um artista adulto-contemporâneo dos anos 1970, como rola em Isn’t that enough (cuja letra é um canto para a ansiedade batendo na porta), Heart of gold (feita para um amigo de infância que morreu) e na balada country-blues Nobody knows. Já In between, basicamente uma canção sobre indecisões do amor, une country e r&b, enquanto um tom gospel country toma conta de Rollin’ right along.

Uma tendência do disco é soar como um primo moderno do pop feminino dos anos 1990, como nos acenos a Alanis Morrisette ou Sheryl Crow de faixas como That’s the dream e That’ll be the day, ou em trechos escolhidos de várias outras faixas. O folk pop tranquilo de The mountain, uma das faixas mais significativas do álbum, fala de uma ida para um paraíso perdido durante a qual Shawn toma “uma pílula para ser livre”, torna-se uma pessoa humilde quando volta para Los Angeles, e passa a não ligar para mais nada, nem para as especulações de fãs e não-fãs sobre sua vida particular (ele não especifica qual é a tal pílula e deve ter mais gente especulando sobre o assunto, mas como ele não liga para isso…).

Shawn termina com uma releitura de Hallelujah, de Leonard Cohen, que deve fazer o maior sentido para Shawn Mendes – no geral, não influi, não contribui, e corta tempo autoral do álbum, que já é curto (meia hora de duração). Mas que o ex-astro teen voltou mudado e com um disco de transição para novos tempos, não há dúvida.

Nota: 7,5
Gravadora: Island/Universal

Crítica

Ouvimos: Ney Matogrosso & Hecto, “Canções para um novo mundo”

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Ouvimos: Ney Matogrosso & Hecto, “Canções para um novo mundo”
  • Canções para um novo mundo é o novo disco de Ney Matogrosso, que marca a parceria dele com a banda-dupla Hecto, formada por Guilherme Gê (voz, teclados, guitarra) e Marcelo Lader (guitarra). O disco tem participações de Roberto Frejat, Ana Cañas e Will Calhoum (Living Colour), além de colaborações musicais com Paulo Sergio Valle, Mauro Santa Cecilia e Sergio Britto (Titãs), entre outros.
  • “A decisão de gravar um álbum com a Hecto se deu pelo repertório, que eu gostei muito, além de adorar o rock. As letras são muito contundentes, o que me chamou a atenção. Aí eu canto, porque não tenho restrição. E olha, a parceria vocal com o Gê é uma novidade, né? Eu tinha feito isso só com o Pedro Luis, lá atrás (2004)”, diz Ney.
  • “Ney caiu de cabeça no álbum e claro, o projeto se transformou profundamente, foi o começo de uma grande parceria. Além disso, a generosidade e tranquilidade dele no processo todo é um aprendizado pra qualquer artista”, revela Guilherme.

O universo do rock não é nada estranho para Ney Matogrosso – que começou numa banda do estilo, Secos & Molhados, e em 1976, já solo, transformou Mulheres de Atenas, de Chico Buarque, numa canção perdida de David Bowie ou do T. Rex. Mas se alguém achava que faltava um disco “de rock” na discografia solo do cantor, não falta mais.

Acompanhado do Hecto, em Canções para um novo mundo, o cantor afia a pegada indo para os lados do rap-metal com herança de Titãs (a zoação cruel Pátria gentil, com linguagem de telemarketing), para o hard rock com referências de música latina e samba (Teu sangue) e para o samba-metal com guitarra pesada e pandeiro (Nosso grito). Solaris tem tom quase pós-punk, com violões lembrando R.E.M. e Smiths. Dessa música participa Roberto Frejat, o segundo convidado mais bem aproveitado do disco – o principal surge na abertura, em que Will Calhoun, da banda Living Colour, toca bateria em Pátria gentil.

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Em época de 40 anos de Rock In Rio (a primeira edição do festival, aberta por Ney em janeiro de 1985) e de memórias tristes evocadas pelo filme Ainda estou aqui, não surpreende a sinergia que vem de Canções para um novo mundo, disco cujas letras falam de situações lamentáveis do país, mas sempre enfatizando que algo novo bate na porta.

A faixa-título, lembrando a MPB pop dos anos 1980 (de discos como Ideologia, de Cazuza, de 1988), grita: “são as mesmas questões de Shakesperare/guerras e beijos (…)/ninguém pode impedir do novo mundo chegar”. Anonimato, MPB com pegada samba-rock vinda dos anos 1990, suscita várias questões: a letra trata da devolução à não-fama das pessoas que estão fora do universo dos algoritmos? Fala sobre alguém que é sempre apagado historicamente? O refrão traz a frase “que saudade de existir!”

Para fãs antigos de Ney, outra novidade é que o vocal do cantor foi gravado de maneira diferente no álbum, trazendo uma certa sujeira que dificilmente alguém vai ver num disco dele, ou mesmo num show. Canções para um novo mundo, mesmo não sendo propriamente um disco do cantor (é um álbum basicamente do Hecto, embora com personalidade vocal dada por ele) traz também um novo mundo para a história de Ney Matogrosso.

Nota: 9
Gravadora: Som Livre.

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Crítica

Ouvimos: Sofia Freire, “Ponta da língua”

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Ouvimos: Sofia Freire, “Ponta da língua”
  • Lançado em março de 2024, Ponta da língua é o terceiro álbum da cantora e compositora pernambucana Sofia Freire. No disco, ela cantou, compôs, produziu, editou e gravou todas as faixas. Por acaso, o estúdio dela se chama Eu Mesma Produções.
  • Definido como dark pop, o disco veio de uma crise criativa da pandemia. “Fiquei abalada mesmo, uma vida em pausa. Sabe quando algo está na ponta da língua e não sai? Tive dificuldades de lidar e de entender meus sentimentos, quase uma crise existencial. De alguma forma transformei isso em letras e esse disco é fruto disso. Por isso, o nome”, reflete Sofia.

Tem quase um ano que Ponta da língua, terceiro álbum de Sofia Freire, chegou às plataformas. E como os bons discos de art pop fazem, ele aponta tanto para o futuro que parece um lançamento de 2025 ou 2026. Basicamente é um disco de MPB feito com base no synth-pop. Mas não pense na MPB dos anos 1980, porque o lance aqui é outro, unindo referências claras de música brasileira experimental, indie rock, indie pop, e até neo-soul – na viagem anti-letargia e pró-transformações de Autofagia, que abre o álbum.

Até mesmo o que poderia soar mais orgânico no disco, como a própria voz de Sofia, ganha tratamentos diferentes, e é inserido pela própria cantora como um instrumento a mais. Seja nas vozes sobrepostas que aparecem em quase todas as faixas – e que às vezes soam como Laurie Anderson – ou no design rítmico e ágil das interpretações de Sofia. É o que rola em Arrebento, que mescla ritmos orientais, synths que lembram músicas de Kate Bush e David Sylvian, e o próprio ritmo pessoal da cantora, na letra (“como uma criança/em sincera indisciplina/ri e chora estourando/os balões cheios de ar/quero logo estourar”, contando uma história que passa por feminismo, desejos e projetos).

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Ponta da língua tem uma espécie de tecno-reggae-brega, que é Minha imaginação, cuja sonoridade lembra o synthpop oitentista – os vocais que surgem como surpresas ao longo da música. Orlando lembra os lados mais experimentais do tecnopop. Big bang tem tom orientalista que lembra bandas como Japan e Ultravox, e uma letra que alude ao lado mais visionário e ficcionista-científico de Gilberto Gil. Na faixa-título, uma ótima marcação rítmica traz como surpresas micropontos de pop nacional oitentista, com destaque para versos como “não haverá mais dia/que se passe/sem que eu pense/sem que eu pulse de vontade/de tocar a minha liberdade/com a ponta da minha língua”.

Dentro de mim é outra pérola rítmica, com vocais quase mântricos e letra medindo os custos e benefícios das mudanças diárias (“dentro de mim/basta/ser quem eu sou/custa/ser quem vou ser”). Mormaço une pop sintetizado e Nordeste. E uma surpresa do álbum é Resta saber, que abre como um lounge anos 2000 e vai ganhando características de house music e de batidões dos anos 1990. Se por acaso você deixou escapar esse disco em 2024, ponha na lista do começo de 2025.

Nota: 9
Gravadora: Independente.

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Ouvimos: Andréa Dutra, “Entre nós”

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Ouvimos: Andréa Dutra, “Entre nós”
  • Entre nós é o sexto álbum da cantora carioca Andréa Dutra, viabilizado por financiamento coletivo, e produzido por ela e por Léo Freitas.
  • O material foi todo composto por ela, e o álbum é de voz e piano, só que com uma diferença: ela aparece acompanhada por diversos pianistas diferentes ao longo das faixas do disco. Por acaso, é o instrumento que ela usa para compor e ensinar música (Andréa é preparadora vocal e professora de canto, além de jornalista).
  • A arte da capa foi feita por Tito Faria.

Entre nós tem um formato simplificado e atraente: nove músicas de voz e piano, todas com letra e música de Andréa Dutra – que surge acompanhada por pianistas diferentes em cada faixa. O material, apontando para a união de samba e jazz em vários momentos, ganha inicialmente uma cara alegre e expansiva no single Acerto, torna-se misterioso e introvertido em Entre nós (com versos esperançosos e engatilhados, simultaneamente) e lírico em Valsa nº1. São as três primeiras faixas, nas quais Andréa é acompanhada, respectivamente, por Adriano Souza, Paulo Malaguti Pauleira e Itamar Assiere.

Os pianistas acompanham o estilo de cada música. Entre os melhores momentos, o tom percussivo e simultaneamente clássico de Léo de Freitas em Deixa quieto, que celebra a chuva como um momento de introspecção (“meu pai disse: fica em casa, tá chovendo/nesses dias nem precisa trabalhar/chuva é feita pra tirar férias da vida/de olhos presos na vidraça até passar”), a percussão pianística do samba alegre Dadivosa, tocada por Leandro Braga, e o clima bossa pop de Maio, com Sheila Zagury. Pedra e flor, com letra de volta por cima, une Andréa a três dos pianistas (Adriano Souza, Leo de Freitas e João Braga), entre bases, solos e balanços.

No final, as várias partes de Conselhos para um adolescente na ponte-aérea RJ-SP, uma das melhores letras do álbum, com Antonio Fisher-Band no piano. Como se escrevia em algumas capas de LPs nos anos 1980, “este é mais um disco independente”. De verdade.

Nota: 8,5
Gravadora: Peneira Musical

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