Crítica
Ouvimos: Rolling Stones, “Hackney diamonds”

Qualquer pessoa que conheça bem a obra dos Rolling Stones sabe que falar em “é o melhor disco dos Stones desde sei lá quando” não faz muito sentido. Os Stones passaram por diversas fases em sua carreira. Algumas delas são absolutamente irreconhecíveis hoje em dia (o grupo parecia mais velho que hoje em Dirty work, de 1986, por exemplo). Cada uma delas teve momentos legais e outros nem tanto.
Vale dizer que a banda sempre manteve o cuidado na linha de frente, fazendo boas melodias, escolhendo produtores que atualizavam seu som e procurando ousar, mesmo que isso levasse a banda a dar umas bolas fora de vez em quando. Isso sempre foi o padrão da carreira dos Stones. E falar de Hackney diamonds, novo disco da banda, mostra por tabela como é que a gente lida com artistas que estão na reta final de suas carreiras – até porque o álbum mostra como é que a banda está lidando com a música feita nos dias de hoje. É um enorme esforço pessoal – além de, claro, uma boa dose de sorte – que os Stones tenham sobrevivido a tanta coisa e continuem produzindo. Só com muito amor à música, uma banda cujos integrantes já passaram por tudo nessa vida (ainda que sejam milionários, o que deve animar um pouco), soa tão renovada em seu 24º (ou 26º, nos EUA) álbum.
Os singles Angry, lembrando as guitarradas de Sticky fingers (1971), e Sweet sounds of heaven, soul-gospel-rock de excelente qualidade, deixaram os fãs babando cedo demais por um disco que se parecesse com a fase setentista dos Stones. Hackney diamonds é balanceado em dois lados distintos e complementares. Na primeira metade, Mick, Keith, Ron e Charlie (em duas faixas) voltaram com sonoridade urgente, com ar power pop em Whole live world, e fazendo proto-punk distorcido em Bite my head off (com Paul McCartney no baixo). Get close põe ar grunge no balanço de um som antigo dos Stones, Can’t you hear me knocking, Depending on you é uma balada com tons nublados (em vez da exuberância solar do grupo). Dá para perceber que houve ajuste com softwares na voz de Mick Jagger – que soa um pouco mais pasteurizada que o normal, especialmente na primeira parte do álbum. Incomoda menos do que poderia incomodar.
Na segunda metade do disco, a banda vai ficando mais vintage e mais reconhecível para fãs que não ouvem um álbum deles desde os anos 1970 ou 1980 – e que mal sabem que os Stones não teriam sobrevivido sem tentar renovar seu trabalho nesses últimos 40 e poucos anos. Tem Mick Jagger e Keith Richards dividindo vocais no blues Dreamy skies, o diálogo guitarra-voz-bateria de Mess it up (uma das que têm Charlie Watts tocando, e um dos refrãos mais bacanas do disco), o rock’n roll sem enfeites de Live by the sword (com Elton John tocando piano como Ian Stewart, nos discos antigos do grupo), o baladão pesado e emocionante de Driving me too hard. Vale citar que Steve Jordan, o novo baterista, entronizado pelo próprio Charlie Watts, torna o som do grupo mais reto, direto e seco, dando um certo ar punk a uma fórmula que parecia consagrada (o que pode causar antipatia em alguns fãs antigos, já aviso).
Nesse lado B, tem também a tradicional música cantada por Keith Richards, Tell me straight – curiosamente uma balada meio dark, coisa difícil de achar nos discos dos Stones. Mas fechando o álbum, o golpe final nos fãs da antiga: Mick e Keith, só eles dois, cantam e tocam (na gaita e na guitarra, respectivamente) Rolling stone, o blues de Muddy Waters que deu origem ao nome do grupo. A faixa não apenas encerra o disco, como também está posicionada depois do mergulho sonoro de Sweet sounds of heaven. Essa música é uma oração que fala em “ouça o som dos tambores/enquanto eles ecoam pelo vale e explodem” (um aceno a Charlie Watts que deixa entrever também uma referência a Can you hear the music, faixa de Goats head soup, disco de 1973 dos Stones). Também lembra que “não se pode ter luz sem um pouco de sombra” – quem sabe uma referência aos momentos mais vida-louca dos Stones. E afirma também o fundamental: “deixe os velhos acreditarem que são jovens”.
Se bobear, nem é o encerramento da carreira discográfica dos Stones enquanto Jagger & Richards estão por aí: provavelmente vai sair em breve pelo menos mais um disco dessa aventura (Mick diz que tem dois terços de um álbum já gravados, com o mesmo produtor de Hackney). E quem sabe vem também um disco ao vivo. A essa altura, já não é apenas rock’n roll: é amor e transcendência.
Gravadora: Polydor
Nota: 9
Foto: Reprodução da capa do álbum
- Ao contrário do que acontece geralmente com as resenhas do Pop Fantasma, esse texto abriu sem os tradicionais três ou quatro parágrafos com detalhes sobre o disco. É que a newsletter Farol, da lenda viva José Emilio Rondeau, trouxe um texto tão detalhado sobre Hackney diamonds que, eu se fosse você, ia lá correndo ler.
- Detalhe curioso: apesar de Hackney, área do Centro de Londres que inspirou o título do álbum, já ter sido conhecida pelo alto índice de criminalidade (tanto que os “diamantes” do nome do álbum são vidros de janelas arrombadas, espalhados pelo chão), o local passou por um processo de gentrificação na década passada e mudou bastante. Essa matéria do ano passado fala em cafeterias, novos prédios e casas custando um milhão de libras. E como acontece nesse tipo de processo, pessoas que migraram pra lá em busca de aluguéis baratos viram-se sem dinheiro para continuar vivendo em Hackney.
Crítica
Ouvimos: Lily Allen – “West End girl”

RESENHA: Lily Allen renasce em West End Girl: pop confessional, moderno e afiado, transformando dores pessoais no melhor álbum dela em anos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: BMG
Lançamento: 24 de outubro de 2025.
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Muita gente anda dizendo que não esperava que Lily Allen, depois de tanto tempo (No shame, o disco anterior dela, saiu em 2018) voltasse com um álbum ótimo – e, de fato, as atenções do mercado fonográfico não estavam mesmo voltadas para ela. West End girl surgiu quase de surpresa no momento em que Lily se sentiu com coisas para falar, e mais do que tudo, segura consigo própria. O fim do casamento com o ator David Harbour, e os abusos e traições que ela viveu durante o relacionamento, são o suposto principal tema do disco (recentemente, a cantora deu uma disfarçada, falou que nem tudo é verdade e disse que West End girl foi “inspirado” em seu ex-casamento).
Lily sempre foi bastante confessional em relação a particularidades de sua vida, em músicas e entrevistas, mas dessa vez os fãs já vinham caçando detalhes de que algo estranho vinha rolando. Recentemente ressurgiu uma entrevista dada pelo ex-casal no tapete vermelho do prêmio teatral Oliviers Awards 2022: Lily foi indicada a melhor atriz por seu papel na peça 2:22 A ghost story e, no tal bate-papo, teve aturar o (então) marido fazendo uma piadinha cheia de ressentimento e inveja. Nas fotos do evento, ela parece bastante incomodada com tudo e sem a menor vontade de estar ali, pelo menos ao lado de Harbour.
- Ouvimos: Blood Orange – Essex honey
Seja como for, o David Harbour (ou o que o valha) que é retratado em West End girl é um sujeitinho invejoso (na faixa-título), infiel (Just enough, Madeline e quase todo o disco), viciado em sexo (Pussy palace), escroto (em Nonmonogamummy ela fala algo sobre David ter exigido relacionamento aberto e que ela quisesse ter filhos com ele) e frequentador de redes sociais bem estranhas (4chan Stan, na qual Lily confessa que as bandeiras foram tantas que ela resolveu fuçar nas coisas do ex-marido e achou uma nota de compra suspeita). Allen também se diz cansada de ter que bancar a mãe de seus maridos e namorados (Fruityloop, de versos como “queria poder consertar todos os seus problemas / mas todos os seus problemas são seus para você consertar”).
Já Dallas Major, cantada na primeira pessoa, usa um truque típico de Madonna e Beyoncé – a criação de um alter-ego que, na real, é uma versão dela própria – e resume tudo em tristes constatações: “eu uso o nome artístico Dallas Major, mas esse não é meu nome verdadeiro / sabe, eu costumava ser bem famosa, isso foi há muito tempo atrás / sim, estou aqui em busca de reconhecimento e provavelmente devo explicar / como meu casamento se tornou aberto desde que meu marido me traiu”, canta, antes de mudar a perspectiva: “o nome dela é Dallas Major / ela morre de medo de fracassar / ela só está aqui em busca de validação”.
Musicalmente, West End girl é o melhor disco de Lily em bastante tempo, e tem algumas modernidades bem interessantes, como a bossa jazz pop da faixa-título, a agilidade sonora de Ruminating (com piano pop lembrando os hits de Joe Jackson), a blues ballad indie de Sleepwalking e o pop alternativo, com ares sessentistas, de Tennis. Madeline é um pop abolerado, quase um brega, que vai ganhando cara trap. Faixas como a celestial Pussy palace, 4chan Stan e Fruityloop (essa, lembrando a Lily do começo) deixam sempre a impressão de algo familiar – mas nunca repetido ou entediante.
Já Nonmonogamummy, mesmo com a letra relatando amarguras pessoas, é pop feliz e com ligeiro ar 60’s, evocando algo de Low rider, hit do War. Dallas Major é um r&b com cara quase disco, E ainda tem Let you w/in, pop adulto de piano, com andamento evocando Elton John e Paul McCartney. West End girl é o momento em que Lily percebe o tempo que perdeu tentando impressionar e conquistar gente estúpida – mas também musicalmente, é a “melhor versão” dela nos últimos tempos.
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Crítica
Ouvimos: Zécarlos Ribeiro – “(Todos os Homens)º = 1”

RESENHA: Em (Todos os Homens)º = 1, Zécarlos Ribeiro une rock clássico, folk e deboche em disco variado que mistura poesia do cotidiano, crítica social e ecos de Erasmo, Zappa e Arrigo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: 7 de novembro de 2025
Lançamento: Independente
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Zécarlos Ribeiro é, ao lado de Luiz Tatit, o principal compositor da história do grupo Rumo, e um cara bom de narrar cenas – sempre com um olho na história, e outro no que pode estar acontecendo nas internas. Esse clima toma conta de seu segundo disco solo, (Todos os Homens)º = 1 (“todos os homens elevado a zero é igual a um”).
A curiosidade é que (Todos os Homens)º = 1 é basicamente um disco de rock, e de rock clássico, à maneira de Erasmo Carlos – o espírito do Tremendão baixa em faixas como o boogie Bando de loucos (que tem ótimo arranjo de metais), o rock acústico Vai pra cama descansar e o blues-rock titânico É do mal. Estica a trena abre com uma improvável cara industrial e depois vira um rock irônico e nostálgico. Arrigo Barnabé comparece em Minha cabeça, um eletro-rap-samba zoeiro, que tem algo de Sparks. E vibes lembrando Frank Zappa aparecem na faixa-título.
- Ouvimos: UmQuarto – Fora de lugar
Zécarlos também embarca e tons folk e country em faixas como a sombria Deslumbre (com Ana Deriggi nos vocais), a abolerada e italianada Sonhe em pé (com Carlos Careqa), o roquinho mineiro Vem pra cá e a abolerada Volta pra mim, que lembra Rita Lee. Nas letras, Zécarlos põe poesia e história no trivial, sempre com deboche e protesto, como na insônia de Volta pra mim (“não consigo mais dormir de madrugada / meus pensamentos marcam reuniões inesperadas”) e o papo sobre amor e algoritmos de Bando de loucos.
Já Sonhe em pé conta histórias de italianos em São Paulo, enquanto Estica a trena fala sobre operários que dançam, no sentido literal e figurado – com direito à citação de Construção, de Chico Buarque, e suas lembranças de dias acidentados para o trabalhador brasileiro. Som e poesia do dia a dia.
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Crítica
Ouvimos: Bianca and The Velvets – “Reminder” (EP)

RESENHA: Vinda de Belém, Bianca and The Velvets lança Reminder, EP com base em The Cure, e em estilos como grunge e pós-punk, com voz grave marcante e clima dramático.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de outubro de 2025
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Punk e indie rock de Belém (PA): no EP Reminder, Bianca and The Velvets (Bianca Marinho, Marcel Barretto, Emmanuel Penna e Leonardo Chaves) unem referências que passam pelo pós-punk, pelo grunge e pelo som de bandas dos anos 2000 – tendo como detalhe especial a voz grave de Bianca, que muitas vezes soa parecida com a de Dean Wareham (do Luna, lembra?) e em outros momentos ganha uma vibe entre o sexy e o robótico.
- Ouvimos: Flerte Flamingo – Dói ter
O EP Reminder abre chegando perto simultaneamente de The Cure e do garage rock, com a distorcida Knives – que abre com um “go on” idêntico ao de In between days, do Cure. Like on TV une Gang Of Four e trevas darkwave. Summertime river é o lado sixties do disco, na guitarra e na composição, e tem algo de slacker, de despojado, no arranjo.
As duas próximas faixas reúnem o lado dramático de Reminder. Said you loved me, then you’re gone é uma música sombria de piano e violão, com voz sussurrada, e um clima o mais folk-grunge possível. I was a giver é folk tocado na guitarra, com algo de Velvet Underground nos vocais e na execução. No excuses, indie rock que encerra o álbum, traz emanações de Pretenders e The Killers, simultaneamente.
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