Crítica
Ouvimos: Portugal. The Man, “Chris Black changed my life”

- Chris Black changed my life é o nono disco do Portugal. The Man, uma banda do Alasca, hoje morando em Portland, Oregon. O grupo tem hoje na formação John Baldwin Gourley (voz, guitarra, baixo, teclados), Zachary Scott Carothers (baixo, voz), Kyle O’Quin (teclados, guitarra, voz), Zoe Manville (voz, percussão) e Eric Howk (guitarra, voz).
- O Chris Black do título é um amigo da banda que morreu em 19 de maio de 2019. “Ele era uma dessas pessoas que são como cola, unem todo mundo. Gostaríamos que todo mundo tivesse um Chris Black em sua vida: aquele amigo que tem seu jeito de fazer tudo ficar bem e ser engraçado”, conta a banda.
- O Portugal. The Man é uma banda bastante mobilizada: o grupo tem uma fundação (a PTM) que foca em causas como as melhorias de condições para os povos indígenas, além de questões de saúde mental e de direitos dos deficientes, entre outros temas. Também fazem shows beneficentes e são parceiros da organização pró-democracia HeadCount.
O Portugal. The Man costuma ser visto como nada mais do que uma banda hipster – algo que costuma encontrar detratores, que torcem o nariz pro clima good vibes e quase neo hippie das canções do grupo. Fora da música, a banda se concentra em tantas atividades diferentes, que dá para entender perfeitamente o espaço considerável entre cada álbum do quinteto nos últimos tempos (o grupo só gravou um disco por ano entre 2006 e 2011). Feel it still, último hit do grupo, de 2017, tinha uma indubitável aparência de jingle – no Brasil foi descaradamente citada num anúncio de plano de saúde (!). Isso significa que a música da banda é carismática e tem penetração – e a julgar pela discografia do PTM, o som deles constrói um diálogo pop e bem resolvido entre a psicodelia e a era do sampling e da colagem de referências.
Chris Black changed my life vai fundo numa mescla de elementos. Uma mistura que inclui canções no estilo do Queen ou do Coldplay, como na abertura com Heavy games II e em sua continuação, a celestial Time’s a fantasy. Além de um gospel-rock psicodélico e sinuoso, Grim generation. E de Thunderdome, um pop com órgão Farfisa, interlúdio de rap (feito por Black Thought, do The Roots) e batida herdada de When the levee breaks, do Led Zeppelin. O single Dummy é semiacústico, dançante, e tem cara de ABBA e Ace Of Base.
Em Champ, a vocação para colar elementos dá uma desnorteada e causa problemas no andamento do disco, com uma estranha vinheta de heavy metal no final, seguida por um final ambient, com um solo de saxofone feito pela lenda do jazz rock Edgar Winter (!). É o momento em que a banda deixa aparecer um dos assuntos nos quais estão envolvidos fora da música, com uma fala que diz coisas como “precisamos abolir os sistemas que mantêm os povos indígenas afastados de suas vibrações naturais”.
Já Ghost town mostra uma faceta herdada de bandas como Zombies – que parece ser uma referência recorrente na obra do PTM, graças aos vocais sensíveis e à busca por um ritmo que funcione como assinatura. O tom meio soul meio pós-punk de Plastic island tem um ar meio Pixies, mas é certinho demais para ser totalmente comparado a eles – faz sentido pelo refrão e pelo solo distorcido de guitarra. Um disco feito para trazer bons momentos, sem a preocupação de estar entre os melhores de 2023. Bom, quem sabe numa lista de 20 ou 30 melhores…
Gravadora: Atlantic
Nota: 7
Crítica
Ouvimos: Smut – “Tomorrow comes crashing”

RESENHA: No terceiro disco, o Smut funde grunge, pós-punk e dream pop com letras angustiadas e distorções, alternando urgência e climas melódicos.
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O Smut veio de Cincinatti, Ohio, e radicou-se em Chicago. Desde End of Sam-Soon (2017), dedicam-se a uma curiosa mescla de rock pauleira, guitar rock e pós-punk – mistura de gêneros que nos anos 1990 era simplesmente chamada de “rock alternativo”. Após mudanças de formação, afiaram a receita e ganharam mais peso no terceiro disco, Tomorrow comes crashing. Um álbum de distorções aparentes, letras angustiadas e climas sombrios mesmo quando as melodias têm climas solares – como na abertura, com o indie rock funkeado e pesado Godhead.
A poética de Tay Roebuck, cantora do grupo, é bem crua – os vocais dela volta e meia lembram uma versão grunge de Dana Margolin, do Porridge Radio. Syd Sweeney, pesada, ágil e distorcida como uma canção do Hüsker Dü, é punk anos 1990, com letra apontando para relacionamentos tóxicos e falidos. “Construída com fardo pesado e selada com lições aprendidas / fui feita para durar, selar as rachaduras e vencer, pelo que valer a pena (…) / você me desnuda para me sentir bem, nega meu discurso de vendas perfeito”, diz a letra, encerrada com 30 segundos de desespero vocal.
- Ouvimos: Porridge Radio, Clouds in the sky they will always be there for me
- Ouvimos: Deradoorian – Ready for heaven
Nem só de urgência vive o disco. O clima muda na melodiosa Dead air, dream pop com peso e clima misterioso, e se mantém relativamente tranquilo no pós-punk Waste me e na vibe mágica e semi-acústica de Ghosts (Cataclysm, cover me). Mas Tomorrow comes crashing apresenta também heranças do grunge nas ferozes Spit e Burn like violet, une blues, folk e balanço em Touch & go, e invade a área do jangle rock em Crashing in the coil. Já Sunset hymnal, no fim, é som com guitarra batida e andamento estradeiro e urbano – até que uma guitarra distorcida entra e leva o Smut para seu terreno familiar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Bayonet Records
Lançamento: 27 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Miçanga – “Velhos rabugentos não falarão sobre Malk Espanca em 2099”

RESENHA: Rapper com flow perturbador e irônico, Miçanga toca no nervo exposto das lutas diárias em Velhos rabugentos não falarão sobre Malk Espanca em 2099, álbum que une hip hop e experimentalismos.
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Um dos convidados do álbum Cybertrópico, da banda Disstantes (que resenhamos aqui), o rapper Miçanga – nome artístico de Tiago Malta – destaca-se com um álbum solo de inéditas, com título enigmático: Velhos rabugentos não falarão sobre Malk Espanca em 2099. O repertório do álbum segue o ritmo perturbador e irônico de De noite poeta de dia operário, parceria de Miçanga com o Disstantes, que narra o dia a dia de quem vive entre a ralação e a criação de versos, e usa as horas perdidas no transporte público para escrever.
Por acaso, são justamente o tempo e os jogos diários de azar ligados a ele, que dão o tom no começo do álbum, com Teu futuro é meu passado. Um rap que mistura synthpop, distorção e provocação em doses iguais. “Voltando ao tópico do aqui agora / acho prudente você se focar nele / pois toda angústia vem de uma viagem do tempo mal planejada”, dispara. Viagens no universo cyber tomam conta do rap forró A lenda leiteira enferrujada do burrico espacial, com som de videogame.
Levante para um amigo é samba-rap com união de drum’n bass e samples de narração de futebol. Experimento para se criar + um anti-herói é prosa-poesia falada, com programação simples, batidão com “foda-se” repetido várias vezes, e letra demolindo sebastianismos. “Acreditar num heroísmo é um fascismo disfarçado, esperando a ser pregado, para que você homem comum, não tenha nenhum plano a superar ou a repensar os problemas”, diz.
Malk Espanca tem uma parte 2, predominantemente experimental e instrumental, que funciona a golpes de baile funk (Satélites, cicatrizes, lousa, acrílico), eletrohardcore (a bizarra Remoção de cola do braquete sem broca e espancamento, que põe BPM acelerado num motorzinho de dentista) e ruído punk (os 14 segundos de Lá embaixo).
A experimental e falada Ode ao papa está mais para “ódio (com zoeira) ao Papa” (“Papa, você é um cara legal / Papa, você é sensacional / Papa, será que você papou criancinhas?”) e Maracatu de cyborg põe mangue-bit robótico e marcial na história. Já Power juice forever (Brazilian cyber funk) é uma colagem perturbadora e pornô no estilo dos Residents. Uma viagem delirante e crítica pelo futuro – ou pelo presente mal disfarçado e mal embrulhado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Pedro Palma – “Emocional”

RESENHA: Em Emocional, Pedro Palma mistura pop, rock e ironia para narrar dores afetivas e identitárias com intensidade e lirismo.
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Talvez Pedro Palma seja o primeiro artista brasileiro a se dizer influenciado pelo popstar britânico Yungblud. E de fato, o clima existencial e dramático dos discos do inglês, oscilando entre o emo e o metal, paira bastante sobre as 14 faixas de Emocional, sua estreia solo. Pedro insere boas doses de ironia na equação, como no single P.Q.P., que gira em torno dos tropeços sentimentais de quem se joga de cabeça num relacionamento… e se arrebenta logo depois (“já me falaram que a expectativa é a mãe da merda / mas eu insisto em me entregar sem nem pensar na queda”).
Emocional é dividido em duas partes: a primeira é mais rock do que sofrência, a segunda é de sofrência pura com elementos roqueiros. O repertório, a exemplo de P.Q.P., é mais voltado para feridas emocionais expostas, como no emo pós-pós-adolescente de 27 (“vejo meus ídolos olhando bem pra mim / como um convite que não dá pra recusar / muito estranha essa sensação / de que eu não fui feito pra durar”) e o som pesado e afirmativo de Emocional e Eu quero me explodir – esta, de versos reveladores e graves: “dizem que eu faço tudo ser mais complicado / que o mundo me odeia só porque eu sou viado / e minha ansiedade não passa de uma invenção / você é um péssimo exemplo pro seu irmão”.
O tom começa a ficar mais baixo em músicas como a balada O que você fez comigo não se faz, o post-rock de FM Queda livre e a tristonha Se eu te disser. No final, o Pedro do passado e o do presente encontram-se na balada épica Para Pedro: “Tudo que eles falam, e os dedos que apontam, não podem te perfurar assim / não há nada de errado em ti”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Deck
Lançamento: 20 de junho de 2025
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