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Crítica

Ouvimos: Paul Simon, “Seven psalms”

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Ouvimos: Paul Simon, "Seven psalms"
  • Seven psalms é o décimo-quinto álbum de estúdio de Paul Simon. O disco traz uma só peça de pouco mais de meia hora, com sete movimentos. Paul divide a produção com Kyle Crusham e tem como convidados o octeto vocal Voces8 e sua esposa Edie Brickell.
  • O disco veio de um sonho que Simon teve em 15 de janeiro de 2019, indicando que ele deveria escrever uma peça musical com esse nome. “Eu não estava escrevendo nada na época, nem pensando em escrever nada”, escreveu em um artigo para o site Gramophone. “E então aconteceu esse sonho e pensei: nem tenho certeza se sei o que é um salmo”. Paul pegou a Bíblia para se inspirar.
  • Alguns efeitos sonoros do disco vêm do acréscimo de notas de guitarra às vozes do Voces8, que costuma cantar a cappella. “Algumas pessoas para quem toquei isso acham que é um sintetizador – é tão perfeito”, conta ele, que contribuiu para projetos educacionais do grupo.

Paul Simon sempre foi um cara com necessidade de conversar, musicalmente falando. Justamente por causa disso, sempre curtiu tentar musicar temas complicados, que outros compositores provavelmente evitariam – no Brasil, dá pra traçar um paralelo com Gilberto Gil. Só para citar alguns exemplos, o álbum epônimo de 1972 de Simon fala sobre uma ida ao médico que se transforma em questionamentos a respeito de vida conjugal e existência (Run that body down), temas bibílicos (Duncan) e ainda tem uma música que fala sobre morte sem que o nome da ceifadora seja citado (Mother and child reunion). Já canções como 50 ways to leave your lover e o hit Mrs. Robinson são exemplo de letra-com-câmera-na-mão – uma arte para poucos.

Primeiro disco de inéditas lançado após Simon anunciar sua aposentadoria das turnês, Seven psalms investe no lado existencial do cantor e compositor, numa espécie de visão laica dos questionamentos que qualquer pessoa, em algum momento, já fez sobre deus, vida, morte e assuntos afins. Soa como o musical que Paul sempre quis fazer – ele, que no fim dos anos 1990, amargou um preju daqueles quando encarou a Broadway. Só que o álbum é voltado para temas tão intangíveis, que soa mais seguro imaginar Seven psalms como um livro musicado.

O disco abre com visões ora reverenciais, ora irônicas, a respeito de deus (em The Lord, que fala que “o vírus da covid é o senhor”), passa pelos questionamentos de My professional opinion (cuja letra traz um misto de indignação, resignação e constatação de que “o senhor é um oceano subindo/uma espada terrivelmente rápida”). E fecha com um comentário altamente existencial e brincalhão (na medida do possível) sobre a morte, em Wait – sendo que, mais uma vez, como em Mother and child reunion, o nome “morte” não é citado, sinal de que Paul prefere tratar do tema com o mínimo de panfletarismo e apelação possíveis. São faixas que balizam o disco, marcado por uma sonoridade entre o blues mais estradeiro, o country e uma certa musicalidade etérea, com um ou outro desvio gospel e toques típicos de ópera-rock. Lembranças da juventude, guerras e notícias sobre refugiados, por sua vez, transformam Trail of volcanoes num cinema musical.

Nem mesmo os Rolling Stones, a julgar por alguns momentos de Hackney diamonds, imaginam que vão viver para sempre. Paul McCartney, bastante sacudido aos 81, idem. Paul Simon, por sua vez, se adiantou: transformou em personagens temas como vida, morte, envelhecimento, deus e legado. E convidou todo mundo para conversar.

Nota: 8
Gravadora: Owl/Legacy.

Foto: Reprodução da capa do álbum.

Crítica

Ouvimos: Slick Rick – “Victory”

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Ouvimos: Slick Rick - "Victory"

RESENHA: Slick Rick lança Victory, disco curto e afiado, com beats secos, histórias ácidas, críticas sociais e o charme narrativo que marcou sua estreia.

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Rapper, cantor e produtor, Slick Rick gravou pouco, não é um nome extremamente famoso do rap, mas tem um poder de influência enorme – The great adventures of Slick Rick (1988), primeiro álbum, unia beats, zoeira e narrativas que batiam no ouvido mais em tom de crônica do que de rap.

Era mais ou menos, e pessimamente mal comparando, quando Gabriel O Pensador surgiu com seu disco de estreia (1993). A narrativa do “meu nome é fulano e eu faço isso e aquilo” era acrescida de conselhos, histórias infantis levadas para o mundo adulto, parábolas e uma série de outros elementos que poderiam ser lidos além de apenas escutados ou dançados.

De lá para cá foram poucos discos e Victory é o quinto álbum de Rick – um disco visual (confira abaixo) de menos de meia hora, e em que o beat e as histórias chegam na frente. As melodias são riffs e sons combinados que dão uma estrutura quase elementar para as músicas, sem a festa de samples de discos de Kendrick Lamar (que herdou muito da veia de storyteller de Rick) e Snoop Dogg. O repertório evoca o boombap clássico do rap.

  • Ouvimos: Snoop Dogg – Iz it a crime?
  • Ouvimos: Stefanie – Bunmi
  • Ouvimos: Will Smith – Based on a true story
  • Ouvimos: Lil Wayne – Tha Carter VI

Slick, vale dizer, é um sujeito que em 1988 lançou Treat her like a prostitute, música que “aconselhava” os homens, de maneira não muito equilibrada ou sensata, sobre temas como sexo casual, casamento e namoro sério. Ou seja: não espere muito equilbrio em Victory, e o lance de Slick é universidade das ruas, mesmo quando fala de temas supostamente introspectivos (Stress, com vocal ágil sobre bateria e um riff de baixo) e conflitos de geração na música feita por artistas negros (a sinuosa Foreign).

Às vezes, incomoda que Slick mantenha um certo tom de tiozão do rap. Angelic, com batida soul e design melódico simples, traz mais conflitos com os novos tempos na letra – enquanto I did that, rappeada a cappella, com barulhos de mar no fundo, lembra às novas gerações quem é ele. A experiência quase sempre ajuda: Cuz I’m here, lembrando o clássico televisivo Soul train, conta histórias de atividade na noite. A vinheta Mother Teresa é uma oração hip hop com versos certeiros e lembranças da dureza (“fizemos tanto por tanto tempo com tão pouco / que agora estamos qualificados para fazer qualquer coisa / com nada”).

Slick Rick margeia também a psicodelia na dance track Come on let’s go, e o romantismo reggae do lovers rock em Landlord – cuja letra, nada romântica, é dedicada aos usurários de Nova York (e curiosamente, vê o universo dos aluguéis pelo ponto de vista de quem cobra por eles). A trilha básica de Documents, por sua vez, emoldura uma história de detetive, em que Slick é mandado para recuperar documentos importantes. No fim das contas, até o que parece bem estranho em Victory (e tem MUITAS coisas bem esquisitas ali) vale como história.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Mass Appeal Records / 7 Wallace
Lançamento: 13 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: Steve Queralt – “Swallow”

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Ouvimos: Steve Queralt - "Swallow"

RESENHA: Estreia solo de Steve Queralt (Ride) mergulha no progressivo espacial, com guitarras pesadas, climas melancólicos e ecos de pós-punk e ambient saturado.

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A estreia solo de Steve Queralt, baixista do Ride, tem a ver com o som de sua banda, ainda que seja completamente diferente. Mesmo que o Ride seja considerado um dos bastiões do shoegaze, eles sempre buscaram trocar figurinhas com outros estilos do rock – tanto que os ruídos e as paredes de guitarra respondem por apenas uma parte do escopo do grupo.

Swallow é um disco de rock progressivo e espacial mergulhado na sujeira sonora, com sons melancólicos e imersivos que já se iniciam na primeira faixa, Mission creep – cujo roteiro inclui uma narração que vem pelo rádio, e um clima de voo sideral. A segunda faixa, Lonely town, com os vocais de Emma Anderson (ex-Lush) parte para o pós-punk do espaço, lembrando The Cure e New Order, mas com tom viajante e sons ecoando como uma massa sonhadora de guitarra e teclados, engolida por efeitos no final.

  • Ouvimos: Ride – Interplay
  • Ouvimos: Everyone Says Hi – Everyone Says Hi
  • Ouvimos: Andy Bell – Pinball wanderer

O começo de Swiss Air, também com Emma nos vocais, chega a ameaçar algo próximo do nu-metal, por causa da guitarra da abertura – mas logo os teclados e guitarras caminham para algo progressivo e pesado, que enfim caminha para uma parede guitarrística próxima do estilo do Ride. Há também sons mais meditativos ainda no quase post-rock de High teens e A Porsche shaped hole (esta, soa como um redemoinho em alguns momentos), nos mares tempestuosos de Motor boats.

Essa onda meditativa surge combinada com guitarras distorcidas e pesadas em I don’t know how to sing, e em duas faixas que têm o estilo de produção de Brian Eno, só que voltadas para climas mais saturados, Messengers e 1988 – dois sons que flutuam até desmanchar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Sonic Cathedral
Lançamento: 13 de junho de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Echo Upstairs – “Estranhos lugares para os olhos”

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Ouvimos: Echo Upstairs - "Estranhos lugares para os olhos"

RESENHA: Álbum do Echo Upstairs traz noise, psicodelia e folk distorcido, com climas que vão do sombrio ao meditativo e emanações sonoras bem inusitadas.

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O Echo Upstairs é um supergrupo indie e experimental, que já lançou faixas feitas remotamente e terminadas num iPhone, e estreou com o EP Il mondo (2023, resenhado aqui). O álbum de estreia, Estranhos lugares para os olhos, traz formação mudada. Ana Zumpano (guitarra, vocais, poemas, sintetizadores, loops e viola caipira) e Bigu Medine (contrabaixo, vocais, organelle e guitarra) ganham a companhia de Beeau Gomez (guitarra e contrabaixo) e João Casaes (bateria, piano, organelle e mellotron), e o som torna-se um caminho que vai sendo percorrido e descoberto aos poucos.

Estranhos lugares abre com o paredão instrumental de Beautiful noise, avisando ao/à ouvinte que a matéria-prima da banda é o barulho. Vai para o caminho da canção ruidosa em Correspondência e alterna com os rangidos e sombras de Cavalgo marinho, cujo ritmo vai surgindo após algumas experimentações. Já Green quartz é mais tranquila, quase um folk ligado na tomada, e cheio de distorções – ou uma valsa shoegaze.

Várias surpresas começam a aparecer a partir daí, como a balada Ficou pra trás – que por trás dos efeitos, dos ecos e das vibrações, mostra um toque disfarçado de soul e de progressões setentistas. Músicas como Sono leve e a declamada Despedida lembram a paixão do Som Imaginário e dos músicos do Clube da Esquina por guitarras saturadas, enquanto Forbidden abre com uma guitarra fuzz que lembra o início de I wanna be your dog, dos Stooges – mas ganha logo tom meditativo e psicodélico.

Três lados diferentes do Echo Upstairs surgem unidos em músicas como Voo em falso, Facilitar e a faixa-título, que trazem ruídos, vibes sombrias e clima meditativo. Uma equação que em Estranhos lugares para os olhos nem sempre aparece equilibrada (o que provavelmente é uma intenção da banda), mas rende boas surpresas.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Midsummer Madness
Lançamento: 11 de junho de 2025.

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