Crítica
Ouvimos: Neil Young & Crazy Horse, “Early daze”

Apesar de Neil Young ter feito várias vezes referência ao que seria este Early daze, ele foge um pouco à escrita do cantor, que costuma recuperar álbuns “perdidos” – enfim, discos que ele foi fazendo ao longo do caminho e dos quais ele simplesmente foi desistindo. O novo disco de Young traz algumas das primeiras gravações que ele fez com o Crazy Horse, uma banda que até 1968 ainda se chamava The Rockets e fazia um blues-folk psicodélico, que corria o risco de passar despercebido em meio ás várias bandas do período (os Rockets chegaram a lançar um disco epônimo em 1968, por um selo pequeno, mas não aconteceu nada com ele).
Como as gravações foram feitas a partir de janeiro de 1969, com a formação inicial do grupo (Danny Whitten na guitarra, Ralph Molina na bateria e Billy Talbot, no baixo, além de Jack Nitszche, co-produzindo e tocando piano e percussão), todo o material foi desenvolvido à medida que Young gravava seu primeiro disco com o grupo, Everybody knows this is nowhere (1969). O material, deixado de lado e guardado por vários anos, soa como uma história paralela dos discos do cantor, já que não há nada 100% inédito, apesar de seis das dez faixas aparecerem em versões diferentes. Soa também como uma fotografia de uma época em que – pode acreditar – Young e seu grupo mais assíduo ainda nem se conheciam direito, e tudo parecia novidade. Em especial para Whitten, Molin e Talbot, que corriam atrás do sucesso desde a primeira metade dos anos 1960 e pegaram Neil Young numa fase de prestígio e produtividade do canadense.
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Dance, dance, dance, a faixa de abertura, por exemplo, saiu regravada no primeiro disco solo do Crazy Horse, lançado em 1971 quando a parceria com Young já estava mais do que estabelecida – mas a versão publicada em Early daze já havia saído no Neil Young Archives vol.1 (2009). Come on baby let’s go downtown, reapareceria depois em outra versão no Tonight’s the night (1975). Cinnamon girl surge como foi lançada em single. Down by the river surgiu numa versão quase igual em Everybody knows this is nowhere – as diferenças são os vocais e a mixagem. Já Helpless apareceria regravada no disco de Crosby, Stills, Nash & Young, Deja vu (1970), e Birds surge na mesma versão de After the gold rush (1970), com outra mixagem. Um caso curioso é o de Wonderin‘, balada country retrabalhada anos depois para se tornar um rockabilly doo wop no disco Everybody’s rockin’ (1986).
O material não foi disponibilizado na ordem em que foi gravado. Em Hollywood, Young e banda variavam entre dois estúdios, Larrabee e Sunset Sound, e há gravações feitas nas sessões de Everybody knows, no Wally Heider Studios, na mesma cidade. Gravações como Birds e Everbody’s alone foram feitas quando Neil se dividia entre sua própria carreira e a do Crosby, Stills, Nash & Young. Look all the things foi gravada em setembro de 1969 no Sunset Sound, em meio às gravações de After the gold rush, realizadas lá.
O que chamava mais a atenção nas gravações de Neil com o Crazy Horse é que tudo aquilo era country-rock, mas era (numa observação posterior) quase pré-punk. Os arranjos eram simplificados, Neil cantava a ponto de sua voz quase se despedaçar, os backing vocals e o design musical eram “sofridos” – uma musicalidade que pode ser observada também em John Lennon & Plastic Ono Band (1970), estreia solo do beatle. Era o som perfeito para quem se sentia sozinho, oprimido, à margem do fim do sonho hippie. Ainda que Young sempre tenha sido um peixe grande do mercado fonográfico, era a música de quem se sentia esquisito e meio largado no mundo.
Em Early daze, esse despojamento surge elevado à décima potência. Tudo que é ouvido pela primeira vez aqui soa como um ensaio tamanho-família. Down by the river é aberta pelo produtor Dave Briggs perguntando “qual o nome dessa música, Neil?” e anunciando a gravação do take 1. Wonderin‘ nem parece com a versão superproduzida que Neil lançaria nos anos 1980. Come on baby, let’s go downtown abre com Jack Nitzsche testando o som do piano nos fones de ouvido. No fundo, é Neil Young, 55 anos depois, convidando os fãs para dar uma espiadinha no que ele e seu grupo estavam aprontando, bem no início da parceria.
Nota: 8
Gravadora: Reprise
Crítica
Ouvimos: Neil Young and The Chrome Hearts – “Talkin to the trees”

RESENHA: Neil Young volta com Talkin to the trees, disco caseiro e cru com a nova banda The Chrome Hearts. Entre baladas, country punk e protestos.
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Falamos outro dia ao resenharmos o novo álbum de King Gizzard and The Lizard Wizard: Neil Young só faz o que quer, lança o que tem vontade, os fãs que comprem o pacote completo, e vai por aí. Quase sempre dá certo, mesmo quando não dá – e recentemente discos rejeitados por vários anos têm sido o foco do cantor canadense.
Talkin to the trees marca a entrada em cena de sua banda The Chrome Hearts, uma nova formação composta por velhos colaboradores: Micah Nelson (vocais e guitarra), Spooner Oldham (órgão), Corey McCormick (baixo e vocais) e Anthony LoGerfo (bateria). O apelo ao passado de lançamentos recentes de Neil Young – resenhamos vários deles neste site – talvez tenha feito o cantor querer que Talkin soasse como um disco sem data específica, descoberto em seus arquivos. Isso porque o som do álbum é de gravação caseira, como se fosse um ensaio que ficou tão bom que ele decidiu lançar – ou como se fosse a versão stripped de um disco que chegou às lojas.
- Tem mais Neil Young no Pop Fantasma aqui.
Há muita simplicidade em Talkin. O disco abre com Family life, country simples com gaitinha, letra sobre a vida em família, referências nominais aos filhos do cantor e versos como “cantando para minha melhor esposa de todos os tempos / a melhor cozinheira do mundo” (!). Com uma baita reverberação na voz, Neil chega a atropelar a métrica e a banda parece fazer um imenso changa-langa country.
A agradável First fire of winter – dos versos “não se preocupe agora, garota / porque eu sei como você se importa / medos do que pode acontecer / nós sempre estaremos lá” – lembra Knockin’ on heavens door, de Bob Dylan, e é até simplória se comparada ao que Neil já fez. A venturosa Silver eagle, por sua vez, é country cavalgando no Pé de Pano, com gaita, violão e lembranças do tourbus Silver Eagle usado por Neil nas turnês (“viajei milhas agora nestas velhas estradas / algumas são novas, conforme o tempo explode / cheias de histórias, as suas e as minhas”).
Esse tom despojado marca todo o repertório de Talkin to the trees, mas deixa claro que aí vem coisa – e esconde uma vibe quase punk que vem depois. Em Dark mirage, um blues selvagem e tribal, a bateria de Anthony move-se como um animal selvagem e o vocal de Neil, absolutamente grave, chega a lembrar Iggy Pop. Let’s roll again é country punk lascado, com guitarras pesadas lembrando Ramones, apelos à indústria automobilística norte-americana e a porradas na nova gestão Trump e em Elon Musk (“se você é fascista, então compre um Tesla”, diz a letra).
Outras músicas mantém o peso e sujeira em cima, como Movin ahead e o grunge de protesto Big change, lançado pouco antes da posse de Trump. Um material que surge lado a lado da leveza da faixa-título, da sensibilidade de Bottle of love (próxima do Neil Young do primeiro disco, epônimo, de 1969) e da balada de conforto Thankful. Uma dualidade que marca o novo disco e transforma Talkin to the trees em um bilhete na garrafa, com várias mensagens – várias delas bastante mobilizadas – em separado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Reprise
Lançamento: 13 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Faces – “Faces at the BBC: Complete BBC concert and session recordings 1970-1973”.

RESENHA: Faces at the BBC é box com 8 CDs e um Blu-Ray que mostra toda a potência ao vivo dos Faces na BBC. Repetições à parte, é ouro para fãs do rock 70s.
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Tá com tempo? Bom, se você tiver cerca de OITO HORAS disponíveis no seu dia, recomendamos desligar o celular, parar tudo e ouvir Faces at the BBC, box de 8 CDs e um Blu-Ray que a Rhino lançou no ano passado, com todo o material do grupo que começou criado pela formação remanescente do grupo mod britânico Small Faces – Ian McLagan (teclados), Ronnie Lane (baixo, vocais) e Kenney Jones (bateria e percussão) – e foi acrescido de duas figurinhas proeminentes: Ron Wood (guitarra) e Rod Stewart (vocais).
Ron, como você deve saber, é guitarrista dos Rolling Stones desde 1975, e Rod dispensa apresentações. Aliás, em 1970 — ano em que começa o recorte desta caixa – ele já era bastante conhecido. Ele e Ron vinham do Jeff Beck Group, e Rod não só mantinha uma carreira solo com contrato assinado pela Mercury Records, como já havia lançado seu primeiro álbum, An old raincoat won’t ever let you down (1969). Essa vida dupla causou dores de cabeça tanto para os Faces quanto para a gravadora da banda, a Warner, e alimentou a confusão entre fãs e jornalistas, para os quais era meio óbvio que aquilo ali era só o plano de voo solo de Rod.
Seja como for, além de Rod e Ron, todos os integrantes dos Faces tiveram seus momentos de destaque no rock. Kenney Jones tocou no The Who durante os anos 1980 (embora sem agradar plenamente aos fãs). Ronnie Lane, por sua vez, virou o fiel escudeiro de Paul McCartney nos Wings, enquanto Ian McLagan – morto em 2014 e, injustamente, o menos lembrado do grupo – consolidou-se como um requisitado músico de estúdio. Seu uso marcante de teclados como o piano Wurlitzer e o órgão Hammond B3 ajudou a criar um estilo vigoroso e galopante, que acabou sendo replicado por várias outras bandas. No Brasil, o poder de influência dessa turma não fica tão claro – afinal, a mistura rock-soul-blues-boogie dos Faces é bem menos lembrada do que os poderosos Led Zeppelin e The Who.
- Ouvimos: Pete Townshend – Live in Concert 1985-2001 (box set)
- Ouvimos: Jimi Hendrix – Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision
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Se você odeia as repetições de músicas que costumeiramente aparecem em caixas com “tudo que a banda tal gravou na gravadora tal”, vale informar que Faces at BBC é para fãs pirados: You’re my girl (I don’t want to discuss it) aparece seis vezes, Miss Judy’s farm está lá cinco vezes e músicas como Maybe I’m amazed (sim, a de Paul McCartney) e a irresistível Stay with me aparecem quatro vezes. Várias outras são repetidas e algumas ganham versões que nem dão em nada – são só a banda tocando quase como num ensaio aberto.
Você pode chegar a enjoar de ouvir o (excelente) ataque inicial de You’re my girl, guitarra-baixo-bateria-teclado unidos numa massa rítmica que parece emular um animal selvagem. Mas passa logo. A caixa serve para acompanhar tudo que eles fizeram na emissora nos quatro anos de existência do grupo, geralmente apresentados pelo super DJ John Peel – que, mais feliz que pinto no lixo, chega a comentar: “É muito bom ver uma banda que gosta de tocar!”. De fato, era uma banda que dava o sangue no palco.
Mesclando peso, intensidade, vibe blues e diversão em doses iguais, a banda revisita It’s all over now (Bobby e Shirley Womack), gravada nos anos 1960 pelos Rolling Stones, faz versões cavalares de Miss Judy’s farm e Three button hand me down (essa com certeza influenciou o início do Tutti Frutti, de Rita Lee), mandam bala em rockões como Too much woman (For a hendpecked man) e em baladas como Angel (Jimi Hendrix). Uma parte boa do repertório, vale dizer, vem dos primeiros passos solo de Rod Stewart – ele teve todo mundo dos Faces tocando no segundo disco, Gasoline Alley (1970), e músicas como You’re my girl…, Country comfort (de Elton John e Bernie Taupin) e It’s all over now, além da faixa-título, vêm de lá.
Os dois últimos discos da caixa trazem os Faces tocando cada vez mais pesado – é por puro acaso, porque as gravações não estão nem sequer em ordem cronológica. Maggie May, na versão gravada para o programa Top Gear em 6 de outubro de 1971, encerra o pacote. Para mostrar de verdade que tudo significa tudo, importante falar que os dez últimos minutos do disco 7 são ocupados com o concerto de Natal de 1970 da BBC, apresentado por John Peel. Rod encara o tema natalino Away in a manger, e um grupo de inimigos do fim, que inclui Marc Bolan, Sonja Kristina (Curved Air), Robert Wyatt e todos os Faces, manda bala num medley doidaralhaço que inclui O come all ye faithful e Noite feliz.
A principal função de Faces at the BBC é fazer de você um/uma fã dos Faces – mesmo que você vá pulando faixas e cortando repetições. Monte sua playlist ou ouça tudo, e se resolver encarar o pacote todo, prepare-se para uma grande descoberta.
(todo o material de áudio desta caixa está nas plataformas – foi lá que ouvi tudo)
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Rhino
Lançamento: 6 de setembro de 2024
Crítica
Ouvimos: The Inspector Cluzo – “Less is more”

RESENHA: O duo francês The Inspector Cluzo une rock sujo e crítica social em Less is more, gravado em 4 dias e inspirado por Thoreau, Debord e a vida rural.
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O duo francês The Inspector Cluzo leva uma vida dupla: Laurent “Malcolm” Lacrouts (guitarra e vocais) e Mathieu “Phil” Jourdain (bateria), dedicam-se à música e ao mesmo tempo, são agricultores em Landes, sudoeste da França. Lá, eles têm uma fazenda na qual criam gansos, perus e ovelhas, e que dá sustento financeiro aos discos e turnês dos dois.
Less is more, disco novo do Inspector Cluzo, leva o título (“menos é mais”) como missão-visão-valores. O álbum foi em quatro dias e mixado em três, e tem apenas os dois tocando. O material tem inspiração em autores como Henry David Thoreau (do manifesto A desobediência civil) e Guy Debord (de A sociedade do espetáculo) e algumas músicas têm verdadeiros apelos pela união da classe trabalhadora – como na introvertida Workers, que vai ganhando peso e une Beatles e Led Zeppelin na mistura.
Politicamente, parece tudo ótimo – até pela regravação de Almost cut my hair, hino anti-repressão de Crosby, Stills, Nash & Young. Musicalmente, também vale a pena: o Inspector Cluzo soa como uma banda de garagem loucona, com referências tanto de Stooges quanto de Jefferson Airplane, como em We win together, I’m losing alone, na funkeada As stupid as you can e na curiosa Catfarm, um rock de garagem com levada de reggae.
Less is more tem algo do Sepultura de Roots na pesada Rules, une punk + metal + grunge na onda de Tad em Mr. Fameless, e adota uma vibe violeira e ameaçadora em Journey men. Já músicas como Thoreau e The greenwashers caem para cima de um hard rock mais formal, com ecos de Aerosmith e Grand Funk.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: F.TheBassPlayerRecords
Lançamento: 6 de junho de 2025
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