Crítica
Ouvimos: Laurie Anderson, “Amelia”

- Amelia é o décimo-terceiro álbum* da musicista de vanguarda Laurie Anderson, cujo tema é o voo solo ao redor do mundo feito pela aviadora norte-americana Amelia Earhart (1897-1937). Pioneira na defesa dos direitos das mulheres e detentora de vários recordes de aviação, Amelia, durante o voo, acabou desaparecendo no Oceano Pacífico, perto da Ilha Howland.
- Além de Laurie (voz, viola, teclados e eletrônicos) participam do disco a orquestra checa Filharmonie Brno, os norte-americanos do Trimbach Trio, a cantora Anohni (dos Johnsons) e um grupo que inclui músicos como Marc Ribot (percussão) e Martha Mooke (viola).
- “Amelia estava fazendo uma coisa realmente perigosa. Ela era muito prática, diferente de Charles Lindbergh, que era um piloto de luvas brancas em muitos aspectos. Ela realmente estava trabalhando com os caras sob o capô”, contou Laurie (segundo a Billboard), lamentando que quase cem anos depois do desaparecimento de Amelia, “as meninas ainda não sejam realmente encorajadas a fazer engenharia”.
- No Grammy 2024, Laurie ganhou uma estatueta pelo conjunto da obra. “Fico feliz do Grammy ter visto o que faço como música, porque eles geralmente ignoram coisas experimentais”, afirmou.
Quem curte sonoridades experimentais e art pop vai se sentir tentado/tentada a dar uma olhadinha no disco novo de Laurie Anderson só de ver a lista de faixas. Amelia tem uma formatação bastante curiosa: são 22 faixas em 34 minutos de duração, divididas na maior parte do tempo em canções de pouco mais de um minuto – há micromúsicas de trinta segundos e algumas (poucas) com duração mais extensa. O recheio também é instigante: Laurie voltou a uma peça musical sua que já tinha sido levada ao palco há 25 anos, sobre a história de Amelia Earhart, uma mulher norte-americana que em 1937 ousou ser a primeira aviadora a dar uma volta solo ao redor do mundo, passando inclusive pelo Brasil – e morreu durante a jornada, após faltar combustível e o contato via rádio desaparecer.
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Amelia faz uma jornada conceitual pela história do voo solo, unindo sons orquestrados, efeitos de som e vocais falados/cantados, além das intervenções de Anohni em seis faixas. A partir de To circle the world, na abertura, fica claro que o foco está nas lembranças póstumas de Amelia (“é o som do motor/o que eu mais me lembro”, recita Laurie) e seu roteiro de viagem – chegando nas tentativas frustradas de comunicação em Radio, tema orquestral e climático que serve como um portal para a personagem, e é seguida pelo encerramento com os ruídos marítimos de Lucky dime. Os problemas enfrentados durante a viagem são musicados e transformados num diário da aviadora – a faixa Brazil, por exemplo, fala em estática no rádio e céu carregado, mas traz uma nota de otimismo: “o céu tem muitas avenidas e ruas/mas você tem que saber como encontrá-las”.
De modo geral, Amelia deve ser entendida como um espetáculo que pode ganhar uma contrapartida multimídia – em filme, peça, inteligência artificial, ou o que o valha – e que, em disco, instiga bastante a imaginação de quem ouve. O vocal de Laurie, sempre firme e relaxante, alivia a tristeza da história de Amelia. Laurie, impactada pelo pioneirismo da aviadora, incluiu também notas de feminismo na história, em The word for woman here e em This modern world, que inclui um pequeno trecho narrado pela própria Amelia (afirmando que “este mundo moderno de ciência e invenção é de interesse particular para as mulheres, pois as vidas das mulheres foram mais afetadas por seus novos horizontes”).
Nota: 8
Gravadora: Nonesuch
* Obrigado a Johann Heyss pela correção – tínhamos escrito que era o oitavo disco
Crítica
Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.
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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.
Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.
Leia também:
- No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
- Blur entre 1993 e 1997 na volta do nosso podcast.
- Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
- O som de 1994: descubra agora!
Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).
Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.
Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.
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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.
Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.
No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025
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Crítica
Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.
Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).
É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.
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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.
Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.
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