Crítica
Ouvimos: Haim – “I quit”

RESENHA: I quit, novo disco das Haim, mistura rock, estileira pop bem própria e crônicas sobre amadurecimento, frustrações e limites — com guitarras, beats e coração.
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Se a vida adulta viesse com manual de instruções, teria a mesma graça? Não, ou sim – depende do ponto de vista. Mas o que parece ser um grande “olhe aqui, eu venci!” muitas vezes se transforma em aporrinhações mil: boletos, relacionamentos que vem e vão, descobertas amargas, mortes de amigos e parentes, empregos nos quais você é explorado/explorada e ganha pouco, custas de advogados (olha, às vezes é necessário, e como).
Com esse esquema, o “lado bom” de ser adulto (a saber: exercer sua independência e ser dono/dona do seu nariz) fica até parecendo uma propaganda enganosa do fim da adolescência, em que cenas de sucesso profissional ou amoroso são cenas meramente ilustrativas. Bom, nem tanto: com o tempo, você simplesmente entende que a realidade é meio injusta, mas dá seus pulos, peita umas situações, simplesmente dá de ombros pra outras tantas e parte pra briga. Ou escolhe melhor suas brigas – faz parte.
Esse clima de “já dei colher de chá demais, agora chega!” é basicamente o tema central de I quit, quarto álbum das irmãs Haim (Danielle, Este e Alana). Um disco que já está fazendo bastante sucesso por causa do universo no qual mexe e dos símbolos que escolheu para representar esse momento. Basta olhar para as capas dos singles: em Take me back, as três aparecem com aquela expressão clássica de exaustão contida – como quem tenta manter a pose mesmo de saco cheio, numa vibe Sex and the city da depressão. Já em Relationships, o clima é outro. Tudo na capa do compacto lembra a famosa foto da Nicole Kidman saindo radiante do escritório de seu advogado, após divorciar-se de Tom Cruise: sol batendo, verde no cenário, felicidade urgente, visual despojado que dispensa qualquer glamour hollywoodiano.
O que pode parecer uma versão musical da novela Quatro por quatro (no caso Três por três, enfim) na real é um disco bastante arrojado, rock de olho no pop e vice-versa. I quit começa com a declaração de princípios Gone, surf folk que sampleia Freedom, de George Michael, e guia o timão para a onda de Madchester, anos 1980. All over me é pop distorcido, saturado, como se viesse de uma gravação antiga – e vai ganhando peso. Relationships e Down to be wrong são soul de roqueiro, remetendo tanto a Primal Scream quanto a John Frusciante. Take me back, por sua vez, é folk punk cheio de recordações de adolescência, com linhas vocais faladas que lembram direto People who died, da The Jim Carroll Band, e clima power pop.
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Investindo em crônicas musicadas, as Haim e o produtor-parceiro Rostan Batmanglij invadem as àreas de Alanis Morrisette (Love you right), do country-rock herdado de Fleetwood Mac e Tom Petty (The farm, com gaita estilo Bob Dylan), do dream pop (Lucky stars) e do country-folk urbano (Everybody’s trying to figure me, uma ode aos momentos que-se-foda da vida). As ondas recentes de pop gostosinho e synthpop com cara oitentista se avizinham de I quit, respectivamente, com Try to feel my pain e Spinning. Já Blood on the street é blues-soul gravado na unha. É uma das faixas em que mais se sente I quit como um organismo vivo, e é mais uma história na vibe “valeu, tô fora” do disco.
O Haim fez de Now it’s time, última faixa do disco, um resumo de I quit. Tem sample de Numb, música de 1993 do U2 – e, opa, o U2 já tinha usado a guitarra de Danielle Haim em Lights of home, do álbum Songs of experience. As irmãs avisam que foi uma troca justa. No fim das contas, a forma como bandas como U2, R.E.M. e Red Hot Chili Peppers uniram pop e rock ajuda a entender o que elas construíram aqui. E o recado da última faixa vem sem rodeios: às vezes, as histórias mais duras não terminam em vingança nem em perdão – terminam no entendimento de que esse mundo é cheio de gente sonsa mesmo: “Você sempre encontrará uma maneira / de continuar se sentindo bem / mentindo na minha cara”, cantam. E vida que segue, vire as costas e vá pro outro lado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Polydor
Lançamento: 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Godofredo, “Tutorial”

RESENHA: O Godofredo mistura pós-punk, lo-fi, folk e psicodelia em Tutorial, disco com humor, inventividade e espírito caseiro.
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O segundo álbum da banda mineira Godofredo tem, realmente, um tutorial – de brincadeira, claro. Tutorial encerra com uma faixa-título que traz um papo remoto dos integrantes da banda, falando sobre o melhor modo de ouvir o disco. Uma vinheta falada que fecha o ciclo de temas pós-punk e de psicodelia lo-fi, sons herdados do Clube da Esquina e canções entre o folk e o grunge que marcam as outras dez faixas do álbum.
Tutorial soa como um disco gravado em estúdio pequeno ou um quarto, abrindo com o pós-punk sombrio de Inferno e Febre de março – esta com ar grunge e guitarras e baixo distorcendo o som, além de final no clima de Tourette’s, do Nirvana. Daí para a frente, a variedade toma conta: Guarda-roupas tem letra triste e clima mutante e meio sixties, mas apontando para o shoegaze. Filme da Varda é um tecnobrega folk psicológico e… cinéfilo, fazendo referência à cineasta belga Agnès Varda (você talvez tenha ouvido falar pelo menos do curta Black Panthers, de 1968, feito por ela).
O Godofredo une sons herdados do Velvet Underground com psicodelia e rock anos 1990 em Celina, O triste fim da água e No bar do Flamengo, e une lo-fi e Beto Guedes em A aventura pts 2 e 3 e Amanhã pode ser assim. Imaginando Pequim volta ao pós-punk do começo, mas evocando Pixies e Breeders, e valorizando a melodia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Belo Horizonte Central (BHC)
Lançamento: 5 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Brenda Cruz – “Pagando pra ver” (EP)

RESENHA: Brenda Cruz estreia no EP Pagando pra ver, unindo MPB, rock e samba-funk em cinco faixas cheias de força e identidade.
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Nascida e criada na região do Subúrbio Ferroviário de Salvador (um conjunto de 22 bairros periféricos da capital baiana), Brenda Cruz é um dos nomes lançados pelo projeto local Sons do Subúrbio. O EP Pagando pra ver é sua estreia como cantora solo, após vários outros trabalhos na música, e demonstra, na curta duração preenchida pelas cinco faixas, força musical ligada tanto à MPB clássica quanto ao rock. Ioná, faixa de abertura, tem introdução metaleira com lembranças de Sepultura e Nação Zumbi, mas segue para um soul pesado e bem cantado, que deve rende muito bem ao vivo.
O material de Pagando pra ver foi todo composto por Brenda e pelo músico Geo Filho, com produção de Irmão Carlos Psicofunk. A musicalidade do álbum migra para o reggae da faixa-título. Depois, para a afromusic – quase um axé com estrutura metálica – de Sal da vida. E em seguida, para o samba-funk de ritmo forte, cabendo piano Rhodes e um segmento de rap, de É isso que você é. Além do r&b sinuoso com cara de MPB anos 1970 de Fora de controle, e das letras repletas de empoderamento e magia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 14 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vitoria Faria – “Vacas exaustas”

RESENHA: Vitoria Faria estreia solo com Vacas exaustas, disco que mistura forró, funk e jazz para falar de empoderamento, corpo, relações e dores do feminino.
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Acordeonista de São Paulo, Vitoria Faria estreia como cantora solo no álbum Vacas exaustas e aproveita para, em meio à farra de ritmos, mexer em feridas eternas do feminino. O forró experimental e eletrônico Elefante pelo cano tem letra cru e concreta sobre um relacionamento que não dá certo porque só uma das partes cede e tenta caber na vida da outra. Asas à cobra une funk, jazz e eletrônico pra falar de empoderamento. A faixa-título une jazz, tango e experimentação rítmica – ao lado de Flaira Ferro – em meio a versos como “sustentar na teta o peso do mundo de dose em dose”.
Já a percussiva Zap de família fala sobre piadas escrotas na mesa de casa e de escolhas fora do padrão que se transformam em assunto e fofoca nos Natais – ganhando certo clima de valsa quando a palavra “dança” surge na letra. No final, Sou mulher fala em “muito prazer / e esse prazer é só meu”, abrindo com vocais quase místicos, até que um acordeom e um piano elétrico transportam a melodia para a MPB de 1981. Em Dois centímetros, ela recebe Assucena para uma mescla de reggae, blues e forró, mantendo o clima experimental e rítmico do álbum. Gula, por sua vez, une experimentação de estúdio, empoderamento, sexo, tentação, dança, até que no final a própria gravação é “engolida”.
O som de Vitoria também chega perto do tecnobrega (unido com forró, funk e eletrônico) em Crise de amor, e margeia o som de Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp em Gosto de fel, funk mangue com guitarras em wah wah e vocal-repente em clima de duelo dela consigo própria.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente / Tratore
Lançamento: 29 de maio de 2025
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