Cultura Pop
Jim Carroll: descubra agora!
O poeta, escritor e músico novaiorquino Jim Carroll é citado em vários momentos do clássico livro Mate-me por favor, de Legs McNeil e Gillian McCain. Numa das passagens, Carroll é flagrado aos 21 anos, assistindo a um show dos Stooges com a então namorada Patti Smith, na casa de shows Ungano’s, em 17 de agosto de 1970 (uma apresentação tão memorável que virou até mesmo álbum do selo Rhino, anos depois). Viu Iggy Pop, o vocalista, vindo em sua direção e ficou na defensiva: enfiaria a porrada no cantor se ele o empurrasse, como costumava fazer com algumas pessoas da plateia. Não foi preciso.
Cinco anos antes disso, levando vida de adolescente rueiro e problemático em Nova York, Jim chegou a se prostituir para sustentar seu vício em drogas. Era uma atividade comum naqueles tempos, entre garotos protopunks: Dee Dee Ramone fez o mesmo e contou tudo na canção 53rd & 3rd, gravada pelos Ramones em seu primeiro álbum, de 1976. Mas Jim largou o trabalho por uma razão bastante prática, naqueles tempos de psicodelia e amor livre: “Alguém me alertou que estava todo mundo transando de graça, então não dava para ganhar dinheiro com isso”, disse.
James Dennis Carroll, vale citar, levava vida dupla, ou tripla. Chafurdava na heroína e prosseguia no que mães e avos chamariam de “mau caminho”, junto de camaradas que não durariam muito no mundo dos vivos. Mas ao mesmo tempo, destacava-se no basquete, esporte que descobriu após ganhar uma bolsa de estudos. Saiu-se tão bem nas quadras que virou uma estrela na escola, graças à dedicação.
Alem disso, Jim também era o garoto de família irlandesa que gostava de ler e escrever poesia desde cedo, e que havia sido educado numa escola católica, de padres lassalistas. Até 1970, em meio a várias outras experiências pessoais, Jim já havia publicado duas coleções de poemas e havia começado a trabalhar com Andy Warhol. Escrevia diálogos de filmes do esteta pop e passou a ser um dos gerentes do Warhol’s Theatre. E também já fizera boa parte do seu livro The basketball diaries, que lançaria em 1978, detalhando o dia a dia de sexo, basquete, amigos vida-torta e heroína (como usuário e traficante) nas ruas de Nova York.
Em 1995, o livro chegou ao cinema, com Leonardo DiCaprio interpretando o punk adolescente, drogado e esportista Jim Carroll – no Brasil, você deve saber, o filme de Scott Calvert se chamou Diário de um adolescente. Carroll, já sóbrio há bastante tempo, adorou o filme, ficou fã de Leonardo e assustou-se com o fato de seu livro ter voltado a vender, e ter chegado ao público infantil. Só se chateou ao ver que o filme seguia uma agenda moralista na abordagem do tema “drogas”. “O filme ganhou muito aquela cara de ‘conto de advertência’, e eles garantiram que seria neutro como o livro. Mas eu não tinha nenhum poder naquele momento”, disse aqui.
Carroll, cuja morte completa doze anos em 11 de setembro (foi vitimado aos 60 por um ataque cardíaco), teve uma virada séria de carreira na segunda metade da década de 1970. Além das atividades como escritor, passou a se dedicar bastante à música. Fez colaborações com a amiga Patti Smith, montou em 1978 um grupo chamado Amsterdam – que depois mudou de nome para Jim Carroll Band – e passou a gravar discos, seguindo uma receita musical que unia a simplicidade do hard rock e a virulência do punk, em meio a voos poéticos. E se você nunca tinha escutado falar dele, vale a pena conhecer ou relembrar: seguem aí onze momentos legais de Carroll.
“PEOPLE WHO DIED” (do LP Catholic boy, de 1980). Jim conseguira contrato com o selo Atco por intermédio de Keith Richards, que inicialmente queria contratá-lo para a Rolling Stones Records. Houve integrantes da comunidade stoniana no disco: Bobby Keys no sax e Earl McGrath, ex-chefão da gravadora da banda, na produção. People who died, grande hit do disco, citava vários amigos vida-loka de Jim que morreram nas estradas da vida e das drogas. A letra era um primor de tragicomédia, mas a melodia alegre ajudou a canção a se tornar hit e a ser regravada várias vezes. E também teve um uso bastante inusitado…
“PEOPLE WHO DIED” NO CINEMA: A música, pode acreditar, apareceu até mesmo numa das primeiras cenas do clássico infantil ET, o Extraterrestre, de Steven Spielberg, quando a garotada aparece jogando Dungeons & Dragons. E ela ainda apareceu em outras produções, como O renascer dos mortos, de Zack Snyder, e Tuff Turf, o rebelde, de Kim Richards.
“IT’S TOO LATE” (do LP Catholic boy, de 1980). Uma das músicas mais legais da estreia da Jim Carroll Band, tem vocal falado, levada que parece adiantar em dois anos o ritmo de Beat it, de Michael Jackson, e letra repleta de imagens fortes e existenciais. Jim analisa contrastes entre juventude e velhice, e temas ligados a expectativas pessoais, amor, sobrevivência e outros assuntos. Na foto da capa do disco, tirada por Annie Leibovitz, Jim posa com seus pais.
“CROW” (do LP Catholic boy, de 1980). Amigo e ex-namorado de Patti Smith, Jim dedicou a ela essa música, que fala da convivência dos dois antes da fama, vivendo no Chelsea Hotel. O primeiro verso fala sobre alguém que cai do palco e “quebra um osso perto do cérebro”. Era referência a um fato histórico: em 1977, Patti teve uma queda seríssima do palco durante um show em Tampa, Flórida – caiu de 4,5 metros direto num fosso de concreto, e quebrou várias vértebras do pescoço.
“WORK NOT PLAY” (do LP Dry dreams, de 1982). O segundo disco da Jim Carroll Band lembrava o começo do The Cars, com canções que merecem a batida definição de “ganchudas” e sons a meio caminho entre o punk e o rock herdado de Rolling Stones. Na faixa de abertura, também primeiro single do disco, Jim revisita fantasmas do passado.
“DRY DREAMS” (do LP Dry dreams, de 1982). Punk pop lembrando Blondie. A letra detalha um pesadelo misturando fantasmas do showbusiness, sexo e um tantinho de sadomasoquismo.
“SWEET JANE” (do LP I write your name, de 1983). No encerramento da Jim Carroll Band, Jim surgia numa pose robótica na capa do disco, lembrando Gary Numan. O repertório incluía uma (boa) releitura new wave da canção do amigo Lou Reed.
“TINY TORTURES” (do CD Praying mantis, de 1991). Jim foi contratado pelo selo Giant, que começava a despontar no mercado no começo dos anos 1990, e lançou um álbum com poesias e textos falados. O material de Praying mantis trazia essa leitura de onze minutos, que voltava no tempo e flagrava o Jim Carroll adolescente, participando de eventos de leitura de poesia e de arte performática, e já descontente com tudo aquilo.
“8 FRAGMENTS FOR KURT COBAIN” (do CD Pools of mercury, de 1998). Disco com músicas novas e alguns poemas declamados (com trilha sonora experimental ao fundo). Os textos falados já haviam saído em livros de Jim. Um deles era 8 fragments, escrito logo após a morte de Kurt Cobain, a quem o poeta chegou a conhecer, numa experiência não lá muito agradável. “Estive com ele duas vezes e certamente não era uma pessoa sociável. Não era fácil chegar até ele. Ele era mesmo um rockstar e eu ainda era um cara das ruas”, afirmou à Rolling Stone, na época, lembrando também que num dos encontros, Kurt lhe ofereceu cola de sapateiro. “Ele achava que minha vida tinha se congelado na última página do The basketball diaries, meu livro, e que eu ainda estava nessa de drogas”.
“RUNAWAY” (do EP Runaway, de 2000). De emocionar: Jim Carroll, com um fio de voz, relê, em tons meio soul meio punk, o sucesso mais conhecido do roqueiro americano Del Shannon (1934-1990). O EP Runaway, misturando registros de estúdio e faixas ao vivo (e lançado pelo selo indie Kill Rock Stars) seria seu último lançamento em disco.
“CATHOLIC BOY” (com Jim Carroll e Pearl Jam, da trilha de The basketball diaries, 1995). O cantor e poeta se juntou ao Pearl Jam para reler a faixa-título de seu primeiro disco, para a trilha do filme Diário de um adolescente. Saiu no CD com a trilha sonora e num single.
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Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
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