Cultura Pop
Há 40 anos, Stevie Nicks ficou maior que o Fleetwood Mac
O Fleetwood Mac, pelo menos em tese, não trabalhava com ciúmes. A banda chegou a morar vários anos em comunidade, integrantes entravam e saíam, rolava ir-e-vir nas camas de alguns dos membros do grupo, e vai por aí. Ok, agora corta para a época de Rumours, disco de 1977. A formação tinha mudado e havia dois casais (Lindsey Buckingham e Stevie Nicks/John McVie e Christine McVie) se separando.
Se havia algum clima bacana e comunitário ali, tinha desaparecido de vez, com direito a Buckingham fazendo até uma canção em desomenagem a ex-mulher – Go your own way, um “você que lute!” composto por ele, e gravado com backing vocals de Nicks. E Christine compondo You make loving fun para seu novo namorado, o iluminador do grupo, Curry Grant, mas mentindo para o ex-marido que a letra era sobre seu novo cachorro (!).
>>> Veja também no POP FANTASMA: A fase casa-da-sogra do Fleetwood Mac (1969-1974) em nove músicas
O maior relato da história toda ficou justamente com Stevie Nicks, que encerrou o disco com Gold dust woman, uma canção sobre relacionamentos cagados e abuso de cocaína. E ela resolveu aproveitar bem a abertura que o Fleetwood Mac começou a ter no começo dos anos 1980 para cada integrante cuidar de sua vida, lançar seu próprio trabalho e descansar do estresse de conviver com todos os outros. Bella donna, o primeiro disco solo dela, saiu em 27 de julho de 1981 e fez sucesso pra burro. A ponto de todo mundo, inclusive a própria Stevie, ficar na dúvida se valia a pena ou não voltar para a banda.
Não foi só Stevie que resolveu se arriscar solo. Lindsey deu seus pulinhos e fez sucesso no mesmo ano com o hit Trouble, e Mick Fleetwood soltou o álbum The visitor. No papo abaixo, uma decidida Nicks garantia que não havia ciúmes na banda, e que a ideia era abrir um pouco para deixar todo mundo contente. Também dizia que a decisão tinha sido tomada de modo a não afetar ninguém ou deixar ninguém chateado no grupo.
Os objetivos de Stevie eram bem diferentes do trivial “vou lançar um disco solo e volto para minha banda”. Ela viu que o produtor Jimmy Iovine tinha ajudado Tom Petty & The Heartbreakers a vender muito com Dam the torpedoes (1979). Não teve dúvidas: chamou o cara. Iovine teve trabalho para manter o ego enorme de Stevie sobre rédea curta e avisou que “não iria trabalhar por três meses com um personagem de cartum”.
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Muita coisa do disco (que tinha uma sonoridade country rock bem análoga a dos discos mais recentes do Fleetwood Mac) apontava para os problemas que Stevie enfrentava dentro da banda. Além da rotina monstruosa de shows, gravações e brigas. “A música Bella Donna é sobre ter um pouco da minha vida normal de volta”, chegou a afirmar ela.
Apesar da segurança que Stevie parecia transparecer em algumas entrevistas, não era bem assim: ela se sentia presa no Fleetwood Mac, sem confiança para escrever canções sozinha, e muito disso vinha do casamento fracassado com Lindsey.
Muito desse clima vazou para um dos hits do disco solo de Stevie Nicks, After the glitter fades.
Edge of seventeen começou como uma conversa entre Stevie e a primeira mulher de Tom Petty, Jane. Depois virou uma letra sobre as mortes de um tio seu, Jonathan, e John Lennon, ocorridas na mesma semana.
Stop draggin’ my heart around era de Tom Petty e Mike Campbell. E teve participação de Tom e dos Heartbreakers.
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Bella Donna fez Stevie ser considerada “a nova rainha do rock” pela Rolling Stone, mas não a afastou do Fleetwood Mac. Ela chegou a cortar uma turnê no meio para conseguir estar presente nas gravações de Mirage, disco da banda lançado em 1982. Mas só para não perder o hábito, o disco foi lançado em meio a um baita trauma: o adoecimento e morte de sua melhor amiga, Robin Anderson, que estava com leucemia.
Teve mais: como a cantora era madrinha do filho de Robin, Stevie achou que seria uma excelente ideia casar com o viúvo dela, Kim Anderson, para cuidar melhor do bebê. Não deu exatamente certo. Aliás deu totalmente errado: o casal se separou três meses depois.
Aliás, Bella Donna ganhou uma edição bastante expandida quando completou 35 anos, em 2016. E para quem está com o inglês em dia, saiu uma entrevista bem legal com Stevie nessa época, no podcast In The Studio, sobre o disco. Pega aí.
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Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
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