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Crítica

Ouvimos: George Harrison, “Living in the material world – 50th anniversary edition”

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Ouvimos: George Harrison, “Living in the material world – 50th anniversary edition”

Ouvido hoje em dia, Living in the material world, quarto álbum de George Harrison (1973), eternamente considerado “álbum mais espiritualizado” do cantor, soa mais do que pé-no-chão. Se não fossem os problemas jurídicos e a onda de processos que rolaram entre os quatro Beatles, além da desestabilização pessoal e amorosa vivida por Harrison, talvez o autor de Something estaria envolvido em outros tipos de busca, talvez tivesse feito outro álbum, quem sabe sua inspiração apontasse para outros lados.

Principalmente, talvez ele não tivesse feito um disco (hoje remasterizado em edição comemorativa, supervisionada pelo filho e pela viúva do artista) que responde a todos os problemas que ele vivia na época. E que, de quebra, serve como resposta aos ex colegas de banda. A bela Give me love (Give me peace on Earth) soa como espelho dos protestos “pacifistas” de John Lennon e Yoko Ono. Mas a letra, com versos como “me mantenha livre deste fardo/me dê esperança/me ajude a lidar com essa carga pesada”, entrega que algo não ia bem com o cara que, em meio às batalhas judiciais dos Beatles – um contra o outro e todos conta o ex-empresário Allen Klein – cunhou a frase “se algum dia conseguirmos sair daqui”, que Paul McCartney ouviu e chupou para o hit Band on the run.

No dia a dia, George lidava com um casamento que ia terminando, com as tentações do capeta (cocaína, álcool e escapadinhas matrimoniais) e com as contradições entre a vida espiritualizada e o dia a dia de um rockstar poderosão. Também lidava do seu jeito com um fato básico: os anos 1960 já tinham acabado, ele já andava pelos trinta anos (parece pouco hoje, era a proximidade da velhice para roqueiros em 1973), e não adiantava fazer um disco que não vendesse e não tocasse no rádio. Depois da explosão roqueira e do vômito criativo de All things must pass (1970), George entregou-se à união de country, rock e blues, e a uma visão particular e messiânica do que seria o rock adulto-contemporâneo nos anos 1970.

Em Living, músicas como Give me love e Don’t let me wait too long estabeleceram um paradigma de rock violeiro, pop, belo e melancólico que ressoa até hoje. Sue me, sue you blues, zoação-de-sorriso-amarelo com a onda de processos envolvendo John, Paul, George e Ringo, não é exatamente um blues – lembra a onda folk que rolou na Inglaterra lá pelo começo dos anos 1970. The light that has lighted the world tem lá seus laços com a fase 1971/1972 dos Rolling Stones (a face mais acústica, de Wild horses) e com a mesma época na carreira de Neil Young – destaque para o piano de Nicky Hopkins e para a slide guitar do próprio Harrison, que aliás brilha em todo o álbum.

Uma curiosidade em Living é Who can see it, que não faria feio na voz de Paul McCartney – abre como uma balada de piano e ganha cordas que têm lá seus cruzamentos com The long and winding road. A faixa-título, por sua vez, é um rock com cara country e certo ar feroz, apesar da parte contemplativa lá da metade. A letra cita nominalmente dois de seus ex-colegas de banda (“John e Paul aqui no mundo real/embora nós tenhamos começado muito pobres/ficamos ricos numa turnê/e fomos pegos pelo mundo real”) e aparentemente só deixa Ringo de fora porque ele estava na banda de apoio do disco, tocando bateria ao lado de Jim Keltner.

O clima deprê-religioso de Living é reforçado pela melancolia de Be here now, pela esperançosa The day the world gets round (na qual a voz de Harrison parece que vai se despedaçar) e pela confusa Try some, buy some – é a mesma base da versão feita por Ronnie Spector em 1970, com a voz dela tendo sido apagada e substituída pela de George. Um quase momento de respiro é The lord loves the one (That loves the lord), um louvor dos mais esquisitos (“o senhor ajuda aqueles que ajudam a si próprios/e a lei diz que o que quer que você faça/retornará a você”), com uma melodia country-soul-rock marcada por piano Rhodes, metais, violão e bateria marcial.

O CD extra com takes de arquivo varia entre surpresas e coisas não lá tão legais, mas vale muito ouvir Sunshine life for me (Sail away Raymond), com George Harrison acompanhado por Ringo Starr e pela The Band que acompanhava Bob Dylan. O take 18 de Give me love traz só George acompanhando-se ao violão, e revela o quanto essa música reverberou nas tentativas de fazer pop-rock acústico, aqui no Brasil (de Raul Seixas e Rita Lee a Nando Reis, passando por Lulu Santos e Dalto, todo mundo se inspirou lá).

Nota: 9
Gravadora: Dark Horse Records/BMG

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Os melhores discos de 2025 até agora!

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Os melhores discos de 2025 até agora!

Mudamos algumas coisas no Pop Fantasma nos últimos tempos – e houve mudanças básicas em março. O site passa a falar cada vez mais de discos novos, e nesse mês que se passou, seções diferentes (Radar e Urgente!) surgiram para dar conta de, respectivamente, lançamentos em singles, e assuntos variados. Em março, o número de textos publicados por semana subiu bastante também. E ideia é que o Pop Fantasma facilite cada vez mais a vida de quem acompanha tudo que sai de música, selecionando os melhores lançamentos (e alguns piores também).

Ainda falta muita coisa acontecer, mas aqui, a casa está sempre em obras, e sempre sendo arrumada. E agora, você fica com os melhores discos de 2025 ouvidos pelo Pop Fantasma até agora, incluindo os meses de janeiro, fevereiro e março. Ouça tudo com a gente!

Arte: Aline Haluch

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TURMA DA NOTA 8
Art D’Ecco, Serene demon
Bartees Strange, Horror
Brian D’Addario, Till the morning
Chest, All good things end (EP)
Drop Nineteens, 1991
Hello Cosmos, Keep digging (EP)
Horsegirl, Phonetics on and on
Jack White, No name live (EP)
Jennie, Ruby
Lathums, Matter does not define
Lilly Hiatt, Forever
Melissa Weikart, Easy (EP)
Olly Alexander, Polari
Panda Bear, Sinister grift
Ringo Starr, Look up
Rose Gray, Louder, please
Sasami, Blood on the silver screen
Sleeper’s Bell, Clover
Squid, Cowards
Swave, Foi o que deu pra fazer
Tunng, Love you all over again
Yo La Tengo, Old joy (EP)

TURMA DA NOTA 8,5
Arnaldo Antunes, Novo mundo
The Backfires, This is not an exit
Bad Bunny, Debí tirar más fotos
Cathedrale, Poison
Circuit Des Yeux, Halo on the inside
Eel Men, Stop it! Do something!
FACS, Wish defense
Far From Alaska, 3
Franz Ferdinand, The human fear
Frog Eyes, The open up
Getúlio Abelha, Autópsia (EP)
Hamilton Leithauser, This side of the island
Heartworms, Glutton for punishment
Japanese Breakfast, For melancholy brunettes (& sad women)
Jethro Tull, Curious ruminant
Kathryn Mohr, Waiting room
Krisj Wannabe, Mirror (EP)
Lady Gaga, Mayhem
Lilywhite, Silver lining (EP)
Menores Atos, Fim do mundo
Mogwai, The bad fire
Paris Texas, They left me with the sword (EP)
Pink Turns Blue, Black swan
Porridge Radio, The machine starts to sing (EP)
Prism Shores, Out from underneath
Rés, Peba
Souls Extolled, Soulsex
Star 99, Gaman
Terraplana, Natural
Véu Sublime, Não é nenhum segredo (EP)
The Wombats, Oh! The ocean
Young Knives, Landfill

TURMA DA NOTA 9
20/20, Back to California
Alessia Cara, Love & hyperbole
Andy Bell, Pinball wanderer
BK’, Diamantes, lágrimas e rostos para esquecer
BaianaSystem, O mundo dá voltas
Basia Bulat, Basia’s palace
Baths, Gut
Benjamin Booker, Lower
Bob Mould, Here we go crazy
Chalk, Conditions III (EP)
Chloe Slater, Love me, please (EP)
Dadá Joãozinho, 1997 (EP)
Delivery, Force majeure
Dilettante, Life of the party
Divorce, Drive to Goldenhammer
Gang Of Four, Shrinkwrapped (relançamento)
Ichiko Aoba, Luminescent creatures
Lambrini Girls, Who let the dogs out
The Main Squeeze, Panorama
Manic Street Preachers, Critical thinking
Matt Berry, Heard noises
Miya Folick, Erotica Veronica
The Murder Capital, Blindness
Ney Matogrosso & Hecto, Canções para um novo mundo
Paris Texas, They left me with a gun (EP)
Sharon Van Etten & The Attachment Theory, Sharon Van Etten & The Attachment Theory
Skinner, New wave vaudeville
Tátio, Contrabandeado
Thiago Amud, Enseada perdida
Throwing Muses, Moonlight concessions
The Velveteers, A million knives
The Waeve, Eternal (EP)
The Weather Station, Humanhood

TURMA DA NOTA 10!
The Hausplants, Into equilibrium (EP)
Hifi Sean & David McAlmont, Twilight
Marshall Allen, New dawn
Miami Horror, We always had tomorrow
Nyron Higor, Nyron Higor
Paulinho da Viola, 80 anos – Ao vivo

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Ouvimos: Djonga, “Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!”

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Ouvimos: Djonga, “Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!”

Boa parte da audição de Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!, novo disco de Djonga, dá vontade de dizer: “Para! Descansa! Respira!” O rapper mineiro despeja versos em um fluxo incessante, costurando sílabas entre uma frase e outra, fazendo as palavras se encaixarem em uma métrica própria – que, de certa forma, dialoga com o sotaque das Minas Gerais, cheio de abreviações e recriações do português.

Isso não é um problema, longe disso. É, na verdade, impressionante como Gustavo Pereira Marques – nome de batismo de Djonga – empilha histórias e batidas com intensidade. Quanto mais eu como, mais fome eu sinto! pede para ser ouvido com o encarte das letras em mãos. Faixas como Fome, onde a história de Exu é contada pelo próprio rapper, Qq cê quer aqui, Ponto de vista e PRRT! carregam um peso emocional que remete ao rap de BNegão, mas com um fôlego impressionante, como se as rimas fossem fruto de descobertas recentes ou de energias represadas há anos.

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Além da velocidade alucinante, Djonga também brinca com a melodia, variando linhas vocais e deixando diferentes flows coexistirem na mesma faixa. Isso fica evidente em Real demais e João e Maria, onde ele solta o verso guerrilheiro: “Tá pra nascer / alguém que faça essa guerra parar de ter sentido pra mim”. O encontro com a MPB que BK’ realizou em seu disco Diamantes, lágrimas e rostos pra esquecer (resenhado aqui) também acontece aqui em clima mineiro, com Samuel Rosa dando ar de rodinha de violão a Te espero lá e Milton Nascimento (carioca criado em Minas) soltando a voz em Demoro a dormir, canção sobre pessoas que ficaram para trás, com citação do filme Ainda estou aqui.

Bom, tem também o sample de Último romance, dos Los Hermanos, que soa como um enxerto meio excessivo na romântica e emotiva Melhor que ontem. Por outro lado, Dora Morelenbaum dá um ar doce a Ainda, um rap romântico e idealista, de briga, ainda que lembre do amor e das coisas da vida (“ainda que o pouco fosse tudo para nós / a gente teria a gente”). Pode ser que Djonga, em outro disco, queira alinhar uma participação de Gilberto Gil. O baiano, mesmo não cantando no disco, está presente – graças a lembranças de Vamos fugir e Não chore mais nas letras do rapper. E teria sido uma excelente adição ao universo afrobrasileiro e sonhador de Quanto mais eu como, mais fome eu sinto!

Nota: 9
Gravadora: A Quadrilha
Lançamento: 13 de março de 2025.

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Ouvimos: Rael, “Onda”

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Ouvimos: Rael, “Onda”

Rael disse que Onda é um disco para as pessoas apenas ouvirem – não é um disco de guerra nem de contestação. A guerrilha do disco é sonora: Onda já abre com Simbora, um batidão entre funk e umbanda, com refrão lembrando Gilberto Gil. Prossegue com a faixa-título, que tem sample de Onda (hit de Cassiano), traz Rael e Mano Brown dividindo rimas e citando nomes importantes da cultura musical black brasileira – e encerra com bênção do mestre black nacional Dom Filó. “O filósofo Friedrich Nietzsche declarou: ‘Não acredito num deus que não dance’. E eu, Dom Filó, acrescento, ‘Não acredito num fiel que não se mexa”, diz o produtor e DJ.

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É por aí que vai Onda, disco em que boa parte das canções são românticas, e a maioria dos convidados conduz mais à descontração do que à cara franzida. Ivete Sangalo e Gabriel do Borel dividem vocais no rap-axé indianista Outro nível, Marina Sena surge no rap de paquera Na minha (do excelente verso “tomei coragem, mas também tomei tequila”) e o trio de produtores Los Brasileros se solta no rap-MPB Suave. Um álbum que indica caminhos mais descontraídos para o rap brasileiro, e talvez indique mudanças empresariais cruciais no estilo – já que foi o último disco lançado pelo selo Laboratório Fantasma antes da separação dos sócios e irmãos Evandro Fióti (por sinal, co-produtor de Onda) e Emicida.

Enquanto não rolam as próximas movimentações do selo, a onda de Onda vira para o reggae, o forró e o samba no decorrer do álbum. É o que surge na vibe nordestina de Saudade de lascar e Na minha cabeça (nessa, Mestrinho toca um acordeom virtuosístico, cheio de baixos que chegam a dar um tom roqueiro). E também no samba-trap Vibe, com Ludmilla – a cantora volta como citação na baileira Até o sol raiar, que encerra o álbum. Chá de lírio e Me deparei com a lua guiam Onda para o som praieiro, e o rap romântico Meu iô iô, com Luedji Luna, é uma das raras músicas quase vintage do disco, evocando o boogie nacional oitentista.

Onda não vai, provavelmente, ser um disco histórico para o rap nacional – mais acostumado com guerrilhas e discos solenes. Mas alivia bastante o clima de um estilo musical pesado e trevoso por convicção.

Nota: 8
Gravadora: Laboratório Fantasma
Lançamento: 20 de março de 2025.

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