Crítica
Ouvimos: Geordie Greep, “The new sound”

- The new sound é o primeiro álbum solo de Geordie Greep, ex-integrante da banda Black Midi, que entrou em suposto “hiato por tempo indeterminado”. O álbum foi produzido por ele ao lado de Seth Evans, ex-músico acompanhante do Black Midi – no disco, além de coproduzir, Seth toca baixo, piano, teclados e participa da música Motorbike.
- O disco teve sessões de gravação em São Paulo, durante novembro e dezembro de 2023, enquanto Greep e Evans estavam em turnê no Brasil com o Black Midi. A ideia era reunir músicos como Chicão Montorfano (piano, teclado), Dennys Silva (percussão) e Thiaguinho Silva (bateria) para tocar apenas no single Holy holy, mas a turma tocou em mais três faixas.
- As letras do disco foram inspiradas por conversas que Geordie teve com homens sobre paqueras e relacionamento com mulheres. “Não quero ser hipócrita, mas muitos homens são realmente bastardos, até para si mesmos”, disse ao DIYMag. “Você pode ser simpático com esses personagens. Você pode sentir pena deles e, ao mesmo tempo, sentir repulsa por eles. Eu apenas pensei que seria bom apenas expor”, disse à newsletter Last Donut Of The Night.
Tem algo no primeiro disco solo de Geordie Greep, The new sound, que lembra um pouco o estranhíssimo álbum You think you really know me, do bizarro Gary Wilson. Musicalmente nem tanto: Gary é uma espécie de Prince/Beck em órbita, e em quase todos os momentos parecia que estava só de brincadeira. Geordie é realmente um compositor completo e, em sua estreia, faz uma espécie de cópula sonora entre Steely Dan, Roxy Music, King Crimson, música brasileira, r&b e David Bowie (e a capa lembra bastante o visual HQ de The man who sold the world/Metrobolist, de Bowie)
Os dois, Gary e Geordie, conseguem se encontrar na observação ferina a respeito do amor, dos encontros, dos pés-na-bunda, dos quase-amores furados – sendo que em boa parte do disco, a especialidade de Greep é encarnar o homem escroto que acha que domina as mulheres e se sente liberado para agir como um cretino nos relacionamentos. Não é um endosso: fica claro, em várias letras de The new sound, o quanto os personagens do disco são machistas que necessitam de validação, e que precisam se sentir malvadões na frente de todo mundo. O tipo de pessoa que carrega várias bandeiras vermelhas, digamos assim.
Como acontece no single Holy holy, dos versos “quero que você lance um olhar presunçoso para as outras garotas/para deixá-las com ciúme/quando eu digo que sua boceta é sagrada”. Ou em Blues, que, entre várias outras coisas, fala sobre aquele tipo de ser humano que dá até para adivinhar até em quem ele votou nas últimas eleições (“você não precisa trabalhar porque trabalhar é para idiotas/você sabe que deus iluminará seu caminho”). Não é o único assunto de The new sound e boa parte das letras fala de um universo bem sui generis que serve de alegoria em relação à vida real – é o que rola nas imagens pessoais sobre amores e inseguranças de The magician.
Se você já ouviu o hit Holy holy, gravado no Brasil, já sabe o quanto o primeiro single de Geordie deve a Tim Maia – faltaram só Paulinho Guitarra na guitarra, e Lincoln Olivetti arranjando e regendo os metais. Mas The new sound começa em clima de jazz-fusion turbinado e quase progressivo (Blues), seguindo com samba de gringo (Terra). E, à medida que prossegue, traz outras referências: uma mescla de progressivo à moda do Soft Machine com samba-jazz instrumental brasileiro (a faixa-título), barulho sofisticado na onda do próprio Black Midi (Walk up), trilhas de musicais (a latinesca Through a war), Milton Nascimento (Bongo season tem passagens instrumentais típicas do Clube da Esquina, e ainda encerra com uma tentativa de forró-jazz) e rock progressivo pesado à maneira do King Crimson (Motorbike).
Em todo o álbum, Geordie lembra o estilo vocal de David Bowie em meados dos anos 1970, antes de migrar para Berlim – o progressivismo pop de The new sound lembra Diamond dogs e Young americans, álbuns de Bowie. No encerramento, a faceta épica e dramática de Greep traz The magician, um estranho conto musical polirrítmico de mais de doze minutos, que já havia sido tocado pelo Black Midi em shows. A curiosidade é o encerramento com You are but a dream, sucesso imortalizado por Frank Sinatra, e que em The new sound, aparece quase como (guardadíssimas as devidas proporções) Good night aparecia no final do Álbum branco dos Beatles – alguns minutos de paz, ou de ironia, depois da guerra. Descontados os exageros (sim, eles aparecem e às vezes tornam The new sound um álbum meio massacrante) vai pra lista dos melhores de 2024, pode ter certeza.
Nota: 8,5
Gravadora: Rough Trade
Crítica
Ouvimos: Davido – “5ive”

RESENHA: Com clima de verão, 5ive mostra Davido misturando tendências do afropop em um disco ambicioso e cheio de possíveis hits – mas precisava mesmo fazer um feat com Chris Brown?
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Aquele clima de praia, azaração (ainda se diz isso?), gente bonita e você, portando um drinque com guarda-chuvinha e usando uma camisa de botão no estilo do Magnum. Provavelmente é o que vai ficar na sua mente enquanto você ouve 5ive, quinto disco do popstar norte-americano de ascendência nigeriana David Adedeji Adeleke, ou simplesmente Davido.
Com um número enorme de convidados e um passeio por uma gama de estilos que pode ser definida como afropop (mas abarca reggaeton, trap, kuduro, pop latino, o africano highlife, etc), Davido é um cara cascudo e autoconfiante – a ponto de abrir seu álbum novo com uma vinheta orquestrada e narrada na qual se compara ao Davi da batalha bíblica com o gigante Golias. O repertório de 5ive mistura gastação de onda típica do trap, vibes afrolatinas e, volta e meia, temas de amor, sexo e territórios dominados.
É o que rola em faixas como Anything, Offa me (com Victoria Monet), R&B (que une o estilo ao trap) e Awuke – essa última, uma parceria com YG Marley, o filho de Lauryn Hill e Rohan Marley, e neto de Bob Marley, e uma das músicas em que Davido mostra influências do amapiano, um combinado de estilos e misturas musicais vindo da África do Sul. Essas mesclas dominam também faixas como Lover boy (com os franceses Tayc e Dadju) e With you (com Omah Lay), duas músicas que surgem no finalzinho do disco, e que dariam bons hits no Brasil.
Isso porque algumas coisas de 5ive são, digamos, análogas a muita coisa já testada e aprovada por aqui – só que vêm com uma cara bem diferente. A ótima Lately poderia ser gravada pela Shakira, e Tek (com Becky G), ganha um ar de lambada, e é aberta por um riff de sax que parece um corte feito a gilete no saxofone de Careless whispers, de George Michael. Indica que Davido, provavelmente, em algum momento, pode acabar estourando por aqui. E esse número enorme de convidados, claro, já é um esforço para chegar nos fandoms mais variados, o que também indica que, em algum momento, pode rolar um feat com algum nome brasileiro (Ivete Sangalo, não, pelo amor de deus).
A vontade de variar os feats acabou fazendo alguém da produção de 5ive, talvez o próprio Davido, viajar feio na maionese. O canceladaço Chris Brown surge soltando (mal) a voz em Titanium, uma música nota 2 do disco, e faz vir à mente a pergunta: “quem pediu isso?”. Em compensação, no animado afropop Funds, Davido dá espaço a dois nomes do pop nigeriano, Odumodublvck e Chike, e ele mesmo acaba servindo de ponte para que o afropop surja no mercado norte-americano diretíssimo da fonte. Mesmo com a irregularidade típica dos enormes discos pop de hoje em dia, 5ive vem com cara de território dominado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: DMW/Columbia
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: 43duo – “Sã verdade” (EP)

RESENHA: O 43duo mistura pós-punk e psicodelia com naturalidade no EP Sã verdade, unindo grooves, ecos 60s/80s e letras poéticas e instintivas.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
O 43duo é uma dupla-banda de Paranavaí (PR) que toca de maneira bem peculiar: enquanto Hugo Ubaldo faz guitarras circulares, assemelhadas a loops de fita, Luana Santana toca teclados – inclusive synth bass – e bateria ao mesmo tempo (haja coordenação motora!). E os dois dividem os vocais. Com influências assumidas de Tame Impala, Boogarins, The White Stripes e Pink Floyd, mostram no EP Sã verdade uma mescla quase natural de pós-punk e psicodelia, buscando climas e timbres que aludam tanto a The Who, Kinks e Beatles quanto a Echo and The Bunnymen.
A faixa-título abre com um ataque de guitarra e bateria bastante sessentista, mas que logo vai buscando lugar no lado mais garageiro e profundo do rock britânico oitentista – com psicodelia vaporosa e delicada, algum peso, uma guitarra meio The Edge, meio blues-rock e final viajante. Sal e sina tem base forte, som que ocupa espaços e união de sons cavalares e brasilidades. Navio de sonhos une mod rock e vibrações sombrias num espaço repleto de eco e trevas – muito embora as letras do 43duo sejam poéticas e até naturalistas.
Essa sonoridade ganha contornos mágicos na voadora Guabiruba pt. II, um dream pop sobre as mutações do mundo e a força da natureza, unindo punk garageiro e ritmos nacionais. A balançada Cabeça vazia (Chuva cinza) lembra uma versão groovada dos Mutantes e do Som Imaginário. Concreto, aberta por clima desértico, soa quase stoner, lascada, lisérgica no arranjo, punk na execução, enquanto Lispector é um pós-punk com discreta cara beatle.
Uma das principais características do 43duo é que o som deles não parece vir de uma enorme esquentação de mufa. A sonoridade e o clima das letras parecem vir de uma mistura natural, e de uma voz pessoal como compositores e músicos adquirida em ensaios e reuniões de criação. Sã verdade – uma brincadeira poética com a “pós-verdade”, como se fosse o oposto dela – consegue parecer confortável e desafiador ao mesmo tempo, e conquista os ouvidos por causa disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 12 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Beto – “Matriz infinita do sonho”

RESENHA: Em Matriz infinita do sonho, Beto cria uma MPB psicodélica e cinematográfica, misturando rock, ritmos afro-brasileiros e espiritualidade vivida.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Beto, músico e cantor pernambucano, impressiona pelas texturas e pelo clima quase cinematográfico que imprime às faixas de Matriz infinita do sonho – sempre apontando para os lados da negritude, da espiritualidade e dos conhecimentos que só aparecem com a vivência pessoal. Coração preto, na abertura, é um rock abolerado com metais, guitarra com várias distorções no solo, e melodia com certo ar beatle – uma MPB com clima de rock que evoca Lanny Gordin. Pedra verde traz cordas rangendo, dando um som mágico e forte a uma música cujo violão tem emanações de Gilberto Gil.
Beto também apresenta em Matriz canções marítimas (Never die, Yara do mar), pequenos ritos musicados (Peixa), um tema jazzístico, experimental e percussivo (Marx Mellow, com Vitor Araújo no piano) e um reggae com células rítmicas alteradas pelo piano, que vai se aproximando de um dub (Brinquedo). Dandara é som com cara de Gal Costa e João Donato, e Valsinha, surpresa no disco, é uma valsa selvagem, com bastante percussão no começo e psicodelia injetada pela guitarra.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: YB Music
Lançamento: 6 de junho de 2025.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?