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Crítica

Ouvimos: Gabriel O Pensador, “Antídoto pra todo tipo de veneno”

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Ouvimos: Gabriel O Pensador, "Antídoto pra todo tipo de veneno"
  • Antídoto pra todo tipo de veneno é o primeiro disco de inéditas em onze anos de Gabriel O Pensador. O disco é uma produção independente – é o segundo álbum “sem gravadora” do cantor, já que em 2012 saiu Sem crise.
  • A lista de participações especiais inclui Armandinho, Makua Rothman, surfista havaiano de ondas grandes, compositor e cantor, Black Alien, Helio Bentes (Ponto de Equilíbrio), Sant e o DJ Papatinho. Lulu Santos e o rapper Xamã participam de Cachimbo da paz 2, que ressucita o cacique morto na prisão de Cachimbo da paz, sucesso de Gabriel de 1997.
  • “Espero que algumas músicas desse álbum ajudem a nos lembrar a razão de estarmos aqui, por que o rap existe e qual o propósito da nossa arte. Não é fazer música por fazer. É sermos originais e cada um buscar o seu estilo e traduzir a sua verdade musical”, diz o cantor.

Apesar de Gabriel O Pensador falar de seu pioneirismo no rap em Profecia, faixa de abertura desse Antídoto, o hip hop nacional não é cria dele, claro. Já vinha do começo dos anos 1980, com o break paulistano de Black Juniors, as primeiras iniciativas de Thaíde, os dançarinos na Estação São Bento. Já houve até um rapper branco fazendo uma tentativa de estourar antes dele (ninguém menos que o hoje produtor Rick Bonadio, na dupla Rick & Nando, que gravou um LP ilustre e desconhecido em 1989). Só pra esclarecer.

Mesmo com a informação meio truncada, vale ouvir a (boa) faixa com atenção e celebrar o que de fato aconteceu: a partir de 1992, quando Gabriel surgiu, as rimas e batidas entraram para o léxico do pop nacional, com o rapper dizendo que queria vender mais discos que Zezé Di Camargo & Luciano, estourando hit atrás de hit e dando ao estilo musical um ar descontraído e crítico, conectado à MPB e ao rock brasileiro, diferente do tom guerrilheiro do rap paulistano. Aliás vale escutar Antídoto pra todo tipo de veneno pelo que ele é de fato: um disco excelente e comemorativo, que volta ao passado de Gabriel como se fossem pílulas ou crônicas (espalhadas pelas novas faixas). E uma renovação, com feats bacanas (Black Alien e Xamã entre os melhores) e sons unindo hip hop e trap.

Algumas letras de Antídoto voltam no passado de Gabriel. Tem até um Cachimbo da paz 2, com Xamã e Lulu Santos (também presente no hit original do disco Quebra-cabeça, de 1997), além de raps que, usando a imaginação, podem ser encaixados no passado recente de artista-sem-gravadora de Gabriel, como Nunca tenha medo (com Black Alien, dos versos “não despreza quem te preza/quando a gente tá na merda é que geral desaparece ou pisa”) e Firme e forte. Não há nada parecido com o sexismo de faixas como Lôraburra (que ele não vem cantando mais em shows) e Nádegas a declarar, vale citar.

O curioso é constatar que, numa das voltas que o mundo deu recentemente, muita coisa do som que Gabriel fazia nos anos 1990, como os flertes com reggae, r&b e surf music, passou a fazer mais sentido diante do cenário nacional atal – que inclui trap, uniões entre funk e rap, folk pop, etc. Daí parece ser um excelente momento para lançar músicas como Liberdade (com Armandinho) e a surfística Obrigado mar por tudo isso. Mas tem ainda o clima tenso e grave de Boca seca, com feat do rapper carioca Sant. E o encerramento com Topo do mundo/Fundo do poço – um texto forte sobre o lado destrutivo do sucesso, contando uma história que faz lembrar direto de Kurt Cobain e Amy Winehouse.

Gravadora: Independente
Nota: 8

Foto: Reprodução da capa do álbum

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Crítica

Ouvimos: Slick Rick – “Victory”

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Ouvimos: Slick Rick - "Victory"

RESENHA: Slick Rick lança Victory, disco curto e afiado, com beats secos, histórias ácidas, críticas sociais e o charme narrativo que marcou sua estreia.

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Rapper, cantor e produtor, Slick Rick gravou pouco, não é um nome extremamente famoso do rap, mas tem um poder de influência enorme – The great adventures of Slick Rick (1988), primeiro álbum, unia beats, zoeira e narrativas que batiam no ouvido mais em tom de crônica do que de rap.

Era mais ou menos, e pessimamente mal comparando, quando Gabriel O Pensador surgiu com seu disco de estreia (1993). A narrativa do “meu nome é fulano e eu faço isso e aquilo” era acrescida de conselhos, histórias infantis levadas para o mundo adulto, parábolas e uma série de outros elementos que poderiam ser lidos além de apenas escutados ou dançados.

De lá para cá foram poucos discos e Victory é o quinto álbum de Rick – um disco visual (confira abaixo) de menos de meia hora, e em que o beat e as histórias chegam na frente. As melodias são riffs e sons combinados que dão uma estrutura quase elementar para as músicas, sem a festa de samples de discos de Kendrick Lamar (que herdou muito da veia de storyteller de Rick) e Snoop Dogg. O repertório evoca o boombap clássico do rap.

  • Ouvimos: Snoop Dogg – Iz it a crime?
  • Ouvimos: Stefanie – Bunmi
  • Ouvimos: Will Smith – Based on a true story
  • Ouvimos: Lil Wayne – Tha Carter VI

Slick, vale dizer, é um sujeito que em 1988 lançou Treat her like a prostitute, música que “aconselhava” os homens, de maneira não muito equilibrada ou sensata, sobre temas como sexo casual, casamento e namoro sério. Ou seja: não espere muito equilbrio em Victory, e o lance de Slick é universidade das ruas, mesmo quando fala de temas supostamente introspectivos (Stress, com vocal ágil sobre bateria e um riff de baixo) e conflitos de geração na música feita por artistas negros (a sinuosa Foreign).

Às vezes, incomoda que Slick mantenha um certo tom de tiozão do rap. Angelic, com batida soul e design melódico simples, traz mais conflitos com os novos tempos na letra – enquanto I did that, rappeada a cappella, com barulhos de mar no fundo, lembra às novas gerações quem é ele. A experiência quase sempre ajuda: Cuz I’m here, lembrando o clássico televisivo Soul train, conta histórias de atividade na noite. A vinheta Mother Teresa é uma oração hip hop com versos certeiros e lembranças da dureza (“fizemos tanto por tanto tempo com tão pouco / que agora estamos qualificados para fazer qualquer coisa / com nada”).

Slick Rick margeia também a psicodelia na dance track Come on let’s go, e o romantismo reggae do lovers rock em Landlord – cuja letra, nada romântica, é dedicada aos usurários de Nova York (e curiosamente, vê o universo dos aluguéis pelo ponto de vista de quem cobra por eles). A trilha básica de Documents, por sua vez, emoldura uma história de detetive, em que Slick é mandado para recuperar documentos importantes. No fim das contas, até o que parece bem estranho em Victory (e tem MUITAS coisas bem esquisitas ali) vale como história.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Mass Appeal Records / 7 Wallace
Lançamento: 13 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: Steve Queralt – “Swallow”

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Ouvimos: Steve Queralt - "Swallow"

RESENHA: Estreia solo de Steve Queralt (Ride) mergulha no progressivo espacial, com guitarras pesadas, climas melancólicos e ecos de pós-punk e ambient saturado.

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A estreia solo de Steve Queralt, baixista do Ride, tem a ver com o som de sua banda, ainda que seja completamente diferente. Mesmo que o Ride seja considerado um dos bastiões do shoegaze, eles sempre buscaram trocar figurinhas com outros estilos do rock – tanto que os ruídos e as paredes de guitarra respondem por apenas uma parte do escopo do grupo.

Swallow é um disco de rock progressivo e espacial mergulhado na sujeira sonora, com sons melancólicos e imersivos que já se iniciam na primeira faixa, Mission creep – cujo roteiro inclui uma narração que vem pelo rádio, e um clima de voo sideral. A segunda faixa, Lonely town, com os vocais de Emma Anderson (ex-Lush) parte para o pós-punk do espaço, lembrando The Cure e New Order, mas com tom viajante e sons ecoando como uma massa sonhadora de guitarra e teclados, engolida por efeitos no final.

  • Ouvimos: Ride – Interplay
  • Ouvimos: Everyone Says Hi – Everyone Says Hi
  • Ouvimos: Andy Bell – Pinball wanderer

O começo de Swiss Air, também com Emma nos vocais, chega a ameaçar algo próximo do nu-metal, por causa da guitarra da abertura – mas logo os teclados e guitarras caminham para algo progressivo e pesado, que enfim caminha para uma parede guitarrística próxima do estilo do Ride. Há também sons mais meditativos ainda no quase post-rock de High teens e A Porsche shaped hole (esta, soa como um redemoinho em alguns momentos), nos mares tempestuosos de Motor boats.

Essa onda meditativa surge combinada com guitarras distorcidas e pesadas em I don’t know how to sing, e em duas faixas que têm o estilo de produção de Brian Eno, só que voltadas para climas mais saturados, Messengers e 1988 – dois sons que flutuam até desmanchar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Sonic Cathedral
Lançamento: 13 de junho de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Echo Upstairs – “Estranhos lugares para os olhos”

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Ouvimos: Echo Upstairs - "Estranhos lugares para os olhos"

RESENHA: Álbum do Echo Upstairs traz noise, psicodelia e folk distorcido, com climas que vão do sombrio ao meditativo e emanações sonoras bem inusitadas.

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O Echo Upstairs é um supergrupo indie e experimental, que já lançou faixas feitas remotamente e terminadas num iPhone, e estreou com o EP Il mondo (2023, resenhado aqui). O álbum de estreia, Estranhos lugares para os olhos, traz formação mudada. Ana Zumpano (guitarra, vocais, poemas, sintetizadores, loops e viola caipira) e Bigu Medine (contrabaixo, vocais, organelle e guitarra) ganham a companhia de Beeau Gomez (guitarra e contrabaixo) e João Casaes (bateria, piano, organelle e mellotron), e o som torna-se um caminho que vai sendo percorrido e descoberto aos poucos.

Estranhos lugares abre com o paredão instrumental de Beautiful noise, avisando ao/à ouvinte que a matéria-prima da banda é o barulho. Vai para o caminho da canção ruidosa em Correspondência e alterna com os rangidos e sombras de Cavalgo marinho, cujo ritmo vai surgindo após algumas experimentações. Já Green quartz é mais tranquila, quase um folk ligado na tomada, e cheio de distorções – ou uma valsa shoegaze.

Várias surpresas começam a aparecer a partir daí, como a balada Ficou pra trás – que por trás dos efeitos, dos ecos e das vibrações, mostra um toque disfarçado de soul e de progressões setentistas. Músicas como Sono leve e a declamada Despedida lembram a paixão do Som Imaginário e dos músicos do Clube da Esquina por guitarras saturadas, enquanto Forbidden abre com uma guitarra fuzz que lembra o início de I wanna be your dog, dos Stooges – mas ganha logo tom meditativo e psicodélico.

Três lados diferentes do Echo Upstairs surgem unidos em músicas como Voo em falso, Facilitar e a faixa-título, que trazem ruídos, vibes sombrias e clima meditativo. Uma equação que em Estranhos lugares para os olhos nem sempre aparece equilibrada (o que provavelmente é uma intenção da banda), mas rende boas surpresas.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Midsummer Madness
Lançamento: 11 de junho de 2025.

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