Crítica
Ouvimos: Elton John e Brandi Carlile, “Who believes in angels?”

O som que você ouve em Who believes in angels?, álbum colaborativo de Elton John e Brandi Carlile, é tão harmônico que nem parece ter sido feito em meio a tensões bizarras e discussões BEM ásperas. Num papo com o jornal britânico The Guardian, Elton revelou que na época em que o disco foi feito, ele passava por questões bem graves de saúde – além dos problemas de visão, ele tinha batido a cabeça, se recuperava de uma cirurgia no quadril e precisava da substituição de um dos joelhos. Elton e Brandi só faltaram sair no tapa durante alguns momentos da gravação – a cantora, cujo trabalho oscila entre country e rock, lembrou na entrevista do The Guardian que Elton atirou um iPad e um fone de ouvido no chão, e rasgou letras dela, exclamando que o material era “previsível! clichê!”.
Passado o nervosismo, os dois foram embarcando num trabalho que Elton, desde o começo, defendeu que deveria ser em dupla de verdade, com harmonizações. As harmonizações ocorreram também na composição, com Elton fazendo melodias e Brandi dividindo o trabalho nas letras com ninguém menos que o velho parceiro do cantor, Bernie Taupin. O que acabou saindo do encontro do trio (ao lado do produtor-metelão Andrew Watt, que ainda colaborou nas composições) foi uma carta de amor à música e às suas possibilidades – de companhia, de cura, de mudança, de embevecimento.
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Como compositor e pianista, Elton levou a abertura de Who believes in angels? para a mesma estileira “progressivo de patins” que marcou vários trabalhos seus dos anos 1970. A faixa de abertura, The rose of Laura Nyro, dura mais de seis minutos e só começa a ter vocais passando dos dois minutos. A faixa é quase um diário de Laura Nyro (1947-1997), cantora e compositora novaiorquina de carreira subestimada, idolatrada por Elton. Eli’s comin, quase-hit de 1967 de Laura, é citado na letra.
Não é um clima que domina o álbum, vale citar. Swing for the fences e a faixa-título são country-rock explosivo. Never too late é uma balada sonhadora e rica em notas, típica de Elton. O fantasma de We are the world assombra o baladão gospel A little light. Someone to belong to me é uma balada country que soa como um gospel que não cita deus, ou como um inventário do desafio que é estar ao lado de um sujeito com um ego enorme, como Elton (e Brandi que o diga…): “Eu sei que tentei você / desafiei e neguei você / dei socos no ar / fechei meus olhos e contei até dez / rezando para que você estivesse lá”.
Em algum momento, Who believes in angels? chega naquele mesmo tom derramado que todo mundo já espera quando ouve um disco de Elton John – e isso não é um problema, vamos dizer assim. Uma surpresa no disco é Little Richard’s bible, rock “pra cima” no estilo de Saturday night’s alright (For fighting) fala com carinho sobre a conversão de Little Richard ao cristianismo – mas conclui unindo sagrado e profano (“pompadour empilhado até o céu / Cristo chegando e passando / Long Tall Sally, cara / Ele tem o bom livro a seu lado”).
Por acaso, cada lado de Who believes in angels? ganhou uma faixa-solo de um dos cantores – ainda que ambas tenham sido feitas pela “ala” de compositores formada por Elton, Brandi, Watt e Taupin. You without me foi iniciada com Brandi externando os sentimentos por sua filha mais velha, e acabou ressoando em questões de família de Elton com o companheiro e os filhos – e é cantada apenas por Brandi com um ukelele.
A emoção fica mesmo com When this old world is done with me, com Elton solo, revendo sua história ao piano, no encerramento do disco: “quando este velho mundo acabar comigo / só saiba que vim até aqui / para ser quebrado em pedaços / espalhe-me entre as estrelas”. Who believes in angels? é um disco feito na tensão – e no amor.
Nota: 8,5
Gravadora: Island/EMI
Lançamento: 4 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Skunk Anansie – “The painful truth”

RESENHA: Skunk Anansie encara o caos, o etarismo e a dor em The painful truth, disco intenso que mistura punk, grunge, no wave e neo soul.
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“Uma artista é uma artista / e ela não para de ser uma artista / porque ela é velha, sabe? / ela não arregaça as mangas / pega seu porta-retratos e vai embora / larga a caneta e coloca o chapéu / por causa da menopausa (…) / uma artista é uma artista / até que a morte nos faça partir”.
Poucas letras atuais falam mais profundamente a respeito de questões vitais no dia a dia do showbusiness (etarismo, machismo, expectativas da crítica, do mercado e do público) do que An artist is an artist, punk-rap que abre The painful truth, disco novo do Skunk Anansie, destacando os vocais ágeis e carismáticos da vocalista Skin. Trata-se de uma banda britânica dos anos 1990, com som mais associável ao pós-grunge e ao metal alternativo, que sempre foi meio desgarrada em relação a seus pares britânicos – volta e meia era incluída num saco de gatos chamado britrock, em oposição à turma mais viável comercialmente do britpop.
Leia também:
- No nosso podcast, Oasis da pré-história ao começo da oasismania.
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- Ouvimos: Blur – Live at Wembley Stadium.
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Lançado após tempos difíceis nas internas do grupo (o baterista Mark Richardson recupera-se de um câncer. e o baixista Richard “Cass” Lewis está em quimioterapia), The painful truth, sétimo álbum do Skunk Anansie, traz a banda encarando na maior parte do tempo questões de vida ou morte. O repertório fala de autocontrole (This is not your life), dores pessoais (Shame, dos versos dolorosos “eu recebi o amor da minha mãe / eu recebi a dor do meu pai / eu recebi a culpa do meu irmão”), caos pessoal (Lost and found), altos e baixos (My greatest moment) e desespero (Meltdown, dos versos “agora que tudo se resume / a quem você reza e quão alto”).
Musicalmente, é um disco que reúne partículas de no wave, grunge e até neo soul, dependendo do momento. This is now your life soa como um Depeche Mode afrotecnopunk, Shame invade a pequena área do nu metal, Cheers insere peso no punk pop e até toques de dub invadem Shoulda been you – uma mistura com a qual os fãs do grupo já estão acostumados. O rock eletrônico sombrio dá conta de Animal e até mesmo algo próximo dos climas robóticos do krautrock surge misturado em alguns momentos do álbum.
Ainda que não seja um álbum brilhante como Stoosh (o segundo, de 1995), A painful truth é um atestado de sobrevivência. E um disco que, mesmo falando alto, é cercado de silêncios nos arranjos e nos vocais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: FLG
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: akaStefani e Elvi – “Acabou a humanidade”

RESENHA: akaStefani e Elvi misturam funk, krautrock, screamo e eletrônica em um disco caótico e divertido sobre o fim do mundo e o absurdo do cotidiano.
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O pessoal ligado à banda Duo Chipa não consegue ficar sem produzir coisas. akaStefani é Audria Lucas, integrante e produtora do grupo, e em Acabou a humanidade, ela se une a Elvi, produtor e músico de Santo André (SP), para fazer um som que, nos momentos mais calmos, parece uma mistura insana de funk, screamo, Faust e Kraftwerk. Já a ficha técnica entrega elementos de Ciccone Youth (projeto pop-anti-pop do Sonic Youth, que gravou um disco em 1988) e de Mutantes em meio aos ruídos, vocais e sons eletrônicos.
Faixas como Paga meu salário (“chefe arrombado / paga meu salário”) e Roda punk, repleta de barulhos e loops, têm ar de música infantil destruidora, enquanto Maquiagem, com voz distorcida e zoada, unem rock experimental e batidão de funk. A zoeira volta numa espécie de paródia da ítalo house, Cupido arrombado (“flechou o lugar errado!”) e na house music texturizada de Porque eu tento.
No final, loucura na versão videogame de Panis et circenses, com sample do original dos Mutantes (Pani no circo), e na brilhante Sortudos no fim do mundo, que lembra uma vinheta de rádio, ou uma cantiga de roda pervertida, com versos como “nós somos sortudos / vamos ver o fim do mundo / acabou a humanidade / virus, bomba e armamento / pandemia é só o começo do fim”. Você acaba rindo, nem que seja de nervoso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de maio de 2025
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Crítica
Ouvimos: Chime Oblivion – “Chime Oblivion”

RESENHA: Chime Oblivion estreia com supergrupo punk-experimental que mistura pós-punk, no wave, funk torto e maluquices à la Devo e Stooges.
Uma grande surpresa: o Chime Oblivion parece ter surgido do nada, soa como mais uma banda de moleques de 20 anos fanáticos por pós-punk e garage rock, mas é bem mais que isso. Trata-se de um supergrupo iniciado por dois veteranos, David Barbarossa (Adam & The Ants/Bow Wow Wow) e John Dwyer (Osees, The Oh Sees e outras nomenclaturas).
É também um grupo de três guitarras – Barbarossa, Dwyer e Weasel Walter, este dos barulhentos Flying Luttenbachers – que inclui ainda um sujeito tocando marimba (Tom Dolas, também do Osees), um saxofonista em clima free jazz punk (Brad Caulkins, da banda Bent Arcana) e vocais femininos charmosos e zoeiros em vibe punk (HL Nelly, do Naked Lights). Só gente acostumada com experimentações e maluquices de estúdio.
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No primeiro álbum, essa turma tem como principais emanações pós-punk na onda do Gang Of Four, punk a la Buzzcocks e no-wave. Entre vinhetas quase inaudíveis feitas com um sintetizador, evocam também X Ray Spex e Slits em Neighborhood dog, fazem pós-disco-rap-punk cru e ríspido (Kiss her or be her), pré-punk percussivo (The fiend, com um curioso batidão lembrando Nação Zumbi na abertura), funk torto (Heated horses), levam o idioma da no wave para os anos 1960 (The uninvited guest). Por aí.
Somando 15 faixas em menos de meia hora, o Chime Oblivion vai se tornando mais próximo de um pré-punk formal (formal?) conforme as faixas se sucedem – cabendo perversões via Devo e Stooges da batida de Bo Diddley em And again e The mythomaniac, punk garageiro e anfetamínico em Smoke ring e I’m not a mirror e sons tribais em Grass, Cold pulse e The catalogue – esta, depois, ganha cara dub. Uma música tão confortável que quase não parece ter sido feita para tirar o rock do conforto – mas foi, sim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deathgod Corp
Lançamento: 18 de abril de 2025.
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