Crítica
Ouvimos: Crochet, “Cherish”

- Cherish é o primeiro álbum do Crochet, banda de screamo de Las Vegas. Na formação do grupo, Zach Tarzi (bauixo e guitarra), Gavin Skougard (bateria), Abigail Villaruz e Jacob Adelmund (ambos vocais).
- O instrumental do disco foi gravado antes dos vocais, com sessões entre 2023 e 2024 – os vocais foram registrados no ano passado.
- Além do álbum, o grupo relançou recentemente o EP Birth piece (2023), que saiu no Bandcamp e em mídia física.
Nem chegue perto desse disco se não estiver preparado (a) para a porradaria. O Crochet é uma banda de screamo, mas que vai (bem) além da gritaria. Em seu segundo álbum, Cherish, as oito faixas parecem estar sendo berradas por pessoas sendo violentadas na casa ao lado. Gritos de dor e desespero coadjuvam faixas como 211 (aberta por ruídos de guitarra e bateria tribal), My Russian doll forever (com vocais femininos quase sussurrados e bem assustadores) e Gentle guiding hand – essa, soando como vários riffs de guitarra e baixo costurados de maneira melancólica, sempre costurando a faixa.
O disco é curto (18 minutos) e a maior música, Shadowplay, dura 3:21, ganhando berros e choros (!) lá pela metade. No geral, o quarteto vai para as mesmas sonoridades das bandas de pós-hardcore, com mudanças rítmicas e músicas que, ainda que sejam curtas, percorrem várias fases diferentes. You have destroyed my flower-like life abre com compasso ternário e depois torna-se uma sessão de sofrimentos e traumas pessoais. Worms, que encerra o álbum, abre com arpejos de guitarra e com algo entre o blues e o hardcore, se é que isso é possível – ganhando uma mescla pós punk-screamo depois. No fim das contas, uma banda que existe para fazer som pesado e lembrar que, bem perto da sua casa, pode ter alguém sendo torturado e você mal sabe.
Nota: 7,5
Gravadora: Independente.
Lançamento: 3 de janeiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Yves Jarvis, “All cylinders”

All cylinders, quinto disco de Yves Jarvis, dura apenas 26 minutos. Se você decidiu ouvir esse disco por uma questão de tempo disponível no seu dia… prepare-se para chegar ao final lamentando que Yves não tenha decidido fazer um álbum duplo. Bom, pelo menos você pode decidir voltar ao começo e ouvir segundo por segundo do disco, para sacar todos os detalhes e referências de All cylinders, um álbum que parece homenagear, simultaneamente, a música brasileira (via Marcos Valle, Edu Lobo ou João Donato) e também toda a esquisitice impregnada em discos de Prince, Todd Rundgren e até Jack White.
Um texto publicado na Far Out Magazine explica que Yves passou um ano escutando apenas Frank Sinatra antes de terminar o disco, em busca da “clareza” que o cantor colocava em sua obra. Nem é impossível imaginar isso: músicas como Gold filigree são pop easy listening de FM texturizado, e a faixa-título tem algo de Burt Bacharach escondido, sob uma argamassa de folk pop sonhador. Mas em boa parte do tempo, o clima é outro.
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Na abertura, With a grain oferece jazz “brasileiro” com cara nordestina e caudalosa – ate que depois a música se torna uma espécie de jazz indie rock. One grip e I’ve been mean são versões “experimentais” do boogie no estilo de Prince. Decision tree faz o mesmo com o pop adulto, trazendo palminhas no estilo de uma canção pop oitentista, um batidão que lembra Queen e o já citado Prince, e guitarras que lembram todas as matrizes do pop adulto nacional dos anos 1980 (de Michael Jackson a Marillion, passando por The Police).
All cylinders caminha também para o pop espacial em I’m your boy; para folk e vozes gospel na cola de Bee Gees e Earth, Wind and Fire em Luck’s last luster; para um som agridoce e psicodélico que lembra as influências de Joni Mitchell na obra do já bastante citado Prince (a curta Warp and woof). E migra para algo próximo do pós-disco em The knife in me. Nessa faixa, tudo soa como uma trilha de desenho animado, ou uma vinheta feita de brincadeira, com instrumentos da turma da Mônica.
Uma tendência da música feita hoje em dia é que certos álbuns não são realizados como há 20, 30 anos: o artista prefere que o disco seja um manifesto, com várias referências, vinhetas “climáticas” e canções que muitas vezes morrem no ar, abruptamente. All cylinders leva esse pós-pós-modernismo musica à categoria de arte, vamos dizer assim.
Nota: 9
Gravadora: In Real Life Music
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Ana Cañas, “Vida real”

Fazer uma turnê e um disco em tributo a Belchior mudou a vida de Ana Cañas – a cantora e compositora vinha de alguns discos que não renderam sucesso o suficiente, foi colocada de volta no mainstream, ganhou mais fãs e viu chegar uma nova lenda pessoal para o seu trabalho.
Vida real, disco novo, tem ar de relato de todas essas experiências, envolvido num pop-rock adulto com muitas referências de Rita Lee e Ney Matogrosso. E, sintomaticamente, dá super certo quando Ana tenta soar mais visionária e existencial, da mesma forma que Belchior soava, ou que Rita e Raul Seixas soavam. Isso rola na faixa-título do disco, uma balada com ar de talking blues, com versos como “senti o amor das pessoas que muito têm / porque não possuem nada / e eu vi a mulher da vida vivida / me estender a mão”. Acontece também no bittersweet de Cicatriz, pop acústico folk, triste e ótimo; no clima quase grunge da estradeira Vai passar; e no pop-rock jovem, funkeado e feminista de Toda mulher é além (esta, com versos como “meu cabelos são cor de fogo / eu sou braba e o mundo é louco”).
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Esse clima também paira sobre Derreti, com participação de Ney Matogrosso, e com prosódia musical de quem viveu a MPB dos anos 1990 e 2000 (tem algo de rap nas linhas vocais da faixa, inclusive), e sobre o feminejo de Amiga, se liga, com Roberta Miranda. O lado mais romântico do disco, de Quero um love e Brigadeiro e café (essa, com participação de Ivete Sangalo) é que soa meio repetitivo, precisando de um retrabalho – são músicas que serviriam bem como temas de novela, pensados para personagens específicas. Nando Reis ressurge no repertorio de Ana com a (boa) gravação da mediana O que eu só vejo em você.
No final, Vida real fecha o ciclo com a bela Do lado de lá, uma canção triste feita por Ana para o irmão que morreu em 2013. É a hora de Ana Cañas se conectar cada vez consigo própria e com sua história, potencializada pelos últimos movimentos em sua carreira.
Nota: 8
Gravadora: Soul Rica Records
Lançamento: 4 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Melvins, “Thunderball”

Sequência da formação alternativa “Melvins 1983” – em que o vocalista e guitarrista Buzz Osborne se junta ao baterista original da banda, Mike Dillard – Thunderball é praticamente uma sequência do disco anterior dos Melvins, Tarantula heart. Não que isso seja ruim, ou que se trate de um disco repetitivo, e em se tratando do duradouro grupo de Seattle, o mais fácil é imaginar sempre alguma surpresa aparecendo, quando menos se espera por isso.
De qualquer jeito, fica a impressão de que num futuro próximo o Melvins vai se tornar algo bastante parecido com o Guided By Voices: discos lançados em cascata, e mesmo que os álbuns novos tenham elementos parecidos, são algo que você sempre vai querer escutar. Thunderball, como o anterior, tem faixas enormes (são 5 músicas em 34 minutos), e um subtexto blues-metal-grunge especial passando pelas faixas.
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Além do interlúdio ruidoso de Vomit of clarity, a mais diferentona do álbum é Victory of the pyramids, uma espécie de metal pós-punk, que parece inicialmente um cruzamento entre Black Sabbath e Joy Division – e ganha um aspecto mais progressivo logo depois, remetendo a bandas viajantes e podres como Hawkwind. Uma música (de 9m36) realmente bonita e pesada, num disco que Buzz definiu, num papo com o site Scream & Yell, como “bombástico”, e simultaneamente, melódico.
No restante, Thunderball traz metal filtrado pelo grunge em King of Rome, ritmos quebrados e psicodelia em Short hair with a wig e compassos incomuns no punk blues metal de Venus blood. Pode não reinventar nada, mas também não precisava: os discos do Melvins são desafiadores até quando não pretendem ser.
Nota: 8,5
Gravadora: Ipecac Recordings
Lançamento: 18 de abril de 2025.
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