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Crítica

Ouvimos: Benjamin Booker, “Lower”

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Ouvimos: Benjamin Booker, "Lower"
  • Lower é o terceiro álbum do cantor e guitarrista norte-americano Benjamin Booker. É seu primeiro álbum em sete anos e é produzido por ele e por Kenny Segal.
  • “Eu queria chegar a esse som, mas não sabia como. Em algum momento, decidi que iria encontrá-lo ou morrer tentando. Kenny era a peça que faltava de que eu precisava – ele preenche todas as minhas lacunas”, contou.
  • Uma das influências dele ao fazer o álbum foi o diretor e roteirista Paul Schrader (que fez o roteiro de Taxi driver). “Como vários de seus filmes, eu queria olhar para um personagem problemático no limite, buscando a transcendência. Agora que estou trabalhando em uma série de vídeos conectados, Schrader teve influência nessa área também”, contou ele, que já lançou clipes para três faixas do disco, LWA in the trailer park, Some kind of lonely e Slow dance in a gay bar.

Nos dois primeiros álbuns, lançados na década passada, Benjamin Booker fazia soul-blues-rock com micropontos punk – a ponto de um conhecido meu ter me apresentado o som dele dizendo que “você que é fã de T. Rex, tem que ouvir isso”. Agora corta para Lower, o novo álbum: Booker voltou furioso, em termos de letra e de música, e disposto a disputar espaço no mesmo corredor onde foi trilhado The collective, estreia solo de Kim Gordon.

Pensando bem, Booker voltou fazendo uma mistura de Kim Gordon/Sonic Youth, Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine, Beck, blues, sons experimentais, criações de beatmakers e rock ruidoso de modo geral – e jogou tudo o mais longe possível do gosto musical de qualquer roquista empedernido. Lower tem letras mal-humoradas (parecendo quase sempre autobiográficas ou pelo menos autoficcionais), programações de bateria sujas, sons gravados como se viessem de fitas velhas, riffs que parecem cortados à moda caralha e inseridos no beat de qualquer jeito (só que aí você percebe que é tudo conceitual).

Lower abre logo com uma música em tom grave, Black opps, inspirada pelo videogame Call of duty, e pelo dia a dia violento dos pretos nos Estados Unidos “dê um pouco de amor, eles vão te matar enquanto você dorme/dê um pouco de amor, o lugar se foi (…)/e antes que eu vá embora/eu serei enterrado neste lugar/aleluia, morrendo lutando/por uma vida que eu ainda não tive”. Um som funky, com guitarras que parecem vindas de um amplificador com defeito.

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LWA in the Trailer Park soa como uma demo guardada por vários anos, e parece um The Jesus and Mary Chain com suíngue. E sim, a canção tem lá seus traços trocados com My girl, hit dos Temptations. Tem explicação, dada por ele à Flood Magazine: “Uma vez, no parque de trailers onde eu morava, um menino de dois anos foi atacado por abelhas e morreu igualzinho àquele filme do Macaulay Culkin (Meu primeiro amor, com essa música na trilha sonora)”.

Lower é um disco sonoro e político, daquele tipo que não dá para saber onde termina o som e começa a política. Slow dance in a gay bar é um soul indie e sujo, com teclados que parecem montados assumidamente de maneira tosca, cuja letra fala sobre solidão e encontros na noite LGBT. Pompeii statues é um r&b acústico e fantasmagórico que lança mão de imagens bastante poéticas para falar sobre o ato de fazer a mesma coisa eternamente. O mesmo clima amedrontador aparece na montagem de baixo, teclados, percussão, ruídos e vocal distorcido Speaking with the dead, com mais barulho no final.

Já a balada folk cigana Rebecca Latimer Felton gets a BBC é provocação, reparação histórica e um verdadeiro soco: a Rebecca cujo nome completo aparece no título (1835-1930) foi uma senadora, escravocrata e supremacista branca dos Estados Unidos. A letra é um conto bem violento sobre atração sexual de fazendeiros por escravos, terminando em abuso e assassinato – vale citar que o BBC do título nada tem ver com o nome da emissora estatal britânica (e dispensa tradução).

E por aí vai Lower, que também ganha um ar meio grunge-brit pop, embora experimental, em Same kind of lonely, uma canção cheia de efeitos sonoros, cujo tema basicamente é escapar do dia a dia violento. O final, com Hope for the night time, é um soul de sarjeta que, mesmo contando uma história triste, insere um pouco de esperança no discurso: “esperança para o cansado/a vida é contagiosa/esperança para sua jornada/esperança para você”. Que a força esteja com discos como esse.

Nota: 9
Gravadora: Fire Next Time Records/Thirty Tigers
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.

Crítica

Ouvimos: The Cure – “Mixes of a lost world”

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Ouvimos: The Cure - "Mixes of a lost world"

RESENHA: O novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world, tem ótimos momentos e surpresas, mas com 2h30 de duração, exige paciência e fôlego.

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Só avisando, de início: o novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world – que remexe no sorumbático e meditabundo Songs of a lost world, lançado pela banda no ano passado – é uma audição que vai tomar duas horas e meia do seu dia. “Tudo bem, eu ouço treinando, lavando cuecas, passando roupa ou dando um trato na louça”, você pode me responder.

Não é a melhor maneira de ouvir um disco, enfim. Mas lançar um compilado de remixes é o modo mais, digamos, “familiar” que Robert Smith encontrou para esticar a vida útil de Songs, um álbum que fez sucesso quando saiu – e já havia ganhado uma edição deluxe com disco ao vivo. Afinal, o Cure já havia se saído muitíssimo bem com Mixed up, de 1990, que trouxe novos públicos para o grupo (tem ainda Torn down, de 2018, segundo disco de remixes, feito para o Record Store Day e pouco lembrado).

  • Quando Jimmy Page e Robert Plant cantaram The Cure.
  • Ué, e o Dinosaur Jr, que gravou The Cure e Peter Frampton?
  • E o aniversário de Standing on a beach, do The Cure?
  • Vocês têm noção de que o tema do Roda Viva de 1985 a 1994 era… The Cure?

A pergunta é: faz sentido repetir a dose com um disco em que Robert Smith basicamente anuncia o fim iminente do mundo e de si mesmo? Sim e não. Sim, porque mais de um milhão de ouvintes no Spotify já correram para os ótimos remixes lançados previamente, como o retrabalho do Four Tet em Alone e a versão de Chino Moreno (Deftones) para Warsong.

E não, porque são duas horas e meia de som – e é remix demais. Muitos deles confundem experimentação com chatice, como All I ever am, com Meera. Quem não ouviu o disco original talvez nem se anime a procurar. A boa notícia é que há surpresas: o remix desértico de Omid 16B em Warsong, o brilho inesperado de Cosmodelica em Nothing is forever e a reconstrução post-rock de Endsong pelo Mogwai.

Mais: o Joycute extrai algo do The Cure de Disintegration (1989) de Drone: nodrone e Daniel Avery esculpe quase um nu-metal na mesma faixa – que já era bem pesada e eletrônica no original. No fim das contas, Mixes of a lost world é um disco que recompensa quem insiste. Mas cansa, viu?

Texto: Ricardo Schott

Nota: 6
Gravadora: Fiction/Polydor
Lançamento: 13 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: King Gizzard & The Lizard Wizard – “Phantom Island”

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Ouvimos: King Gizzard & The Lizard Wizard - "Phantom Island"

RESENHA: Misturando Electric Light Orchestra, Roy Wood solo e progressivo de FM, Phantom Island, novo álbum de King Gizzard & The Lizard Wizard, divide opiniões – mas traz faixas criativas e grooves que merecem ser descobertos.

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O King Gizzard & The Lizard Wizard, que acaba de lançar Phantom Island, é uma banda cuja situação é a mesma do Ty Segall (cujo disco mais recente, Possession, resenhamos aqui): tem sua história marcada por discos a rodo e mudanças rápidas de direção.

No fundo – e faltou observar isso quando falamos do Ty – esse modus operandi é herdeiro da maneira como Neil Young sempre encarou sua carreira. Ou seja: os discos reproduzem meu momento, faço o que tenho vontade, fã que é fã entende minhas mudanças, quero ir para todos os lados que eu quiser, e é isso aí. Dá certo em alguns casos: Neil tem mais discos ótimos em sua discografia do que momentos entediantes, Ty idem, e o King Gizzard une discos excelentes a outros que beiram o tédio.

A julgar pelas resenhas que andam saindo de Phantom Island, o 27º (!) disco do KGLW agradou pouco. A Pitchfork falou que as faixas costumam ser “frustrantes e exageradas, mas incluem ocasionais faíscas de magia”. O brasuca Popload não se animou igualmente, lembrando que Phantom Island foi gravado nas mesmas sessões do anterior, Flight b741 (2024), e que é composto pelas músicas menos empolgantes da leva.

Olha, sei lá: Phantom Island tem mais músicas ótimas do que desperdícios de tempo, e é um disco recomendadíssimo para quem curte Electric Light Orchestra, por exemplo. Aliás, o disco se parece até mais com The Move (embrião da ELO), porque Phantom Island super tem a cara do Roy Wood, que era o geninho da banda nos primeiros tempos.

Por consequência, o disco igualmente pode interessar a fãs do Wizzard – a banda que Roy montou após sair do ELO, uma espécie de ABBA místico com músicos fantasiados de alquimistas glam, que estourou com o hit See my baby jive. E a fãs de álbuns solo de Roy como Mustard (1975). Admiradores das fases yacht rock de bandas como Gentle Giant e Grateful Dead – respectivamente os discos Giant for a day! e Shakedown Street, ambos de 1978 – também não vão se arrepender se derem uma escutadinha.

O King Gizzard larga de vez a psicodelia surrealista que marcou vários álbuns do grupo e invade a grande área do rock orquestral e do progressivo de FM. Phantom Island abre com o progressivo dançante da faixa-título, prossegue com a vibe Elton John/The Who de Deadstick, ganha batida funkeada e clima orquestral celestial em Lonely cosmos – esta, com cordas lembrando Marionette, sucesso do Mott The Hoople.

A boa tradição do prog de rádio é louvada com Eternal return, com o clima meio beatle, meio Alice Cooper de Aerodynamic e Sea of doubt, e com o balanço quase disco de Silent spirit – cujo início lembra a abertura de Sleepwalker, hit da fase norte-americana dos Kinks. Vale conferir também o groove de Panopsych, o tom Madchester de Spasesick e a vibe voadora de Grow wings and fly.

E enfim, eu se fosse você, ouvia Phantom Island correndo: poucas vezes o King Gizzard fez um disco com uma soma de referências e emanações tão bacana.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: p(doom) Records
Lançamento: 13 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: Billy Nomates – “Metalhorse”

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Ouvimos: Billy Nomates - "Metalhorse"

RESENHA: Em Metalhorse, Billy Nomates transforma perdas e dor em um disco sombrio, intenso e visceral, entre o pós-punk, o glam e ecos dos Stranglers.

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Tor Maries, que assina como Billy Nomates, descobriu recentemente ser portadora de esclerose múltipla – pouco depois de perder o pai, vítima de complicações causadas pelo Mal de Parkinson. Entre essas duas pancadas da vida, ela começou a gravar seu novo disco, Metalhorse: um álbum que oscila entre o pós-punk e o glam rock, com o peso maior do lado punk. Mas nada é tão direto: logo no início, a faixa-título surpreende, abrindo caminho para um clima de café-concerto, com pianos e vocais de presença.

Atravessado por temas como morte, doença e os perrengues da existência, Metalhorse tem momentos como o tecnopop sombrio de Nothing worth winnin (“este quarto é alugado / estou de olho nas horas / diga que estou louca / como se todos estivessem bem”) e o folk enigmático de Strange gift (“a morte é um presente estranho que você não queria / alguém te entrega isso”). A angústia noventista e os timbres oitentistas se cruzam em The test, no pós-punk seco de Override e no eletrônico nervoso de Gas, faixa que passeia entre o country e o hard rock com vocais cheios de veneno.

  • Stranglers avacalhando uma dublagem do hit No more heroes na TV holandesa
  • Ouvimos: Ty Segall – Possession
  • Ouvimos: Raveonettes – PE’AHI II

Hugh Cornwell, ex-vocalista dos Stranglers, aparece na sombria Dark horse friend, selando de vez a influência do lado mais sinistro da clássica banda britânica no som de Billy Nomates – que nos primeiros discos flertava mis com o tecnopop, mas aqui mira em terrenos mais obscuros. O fantasma dos Stranglers também ronda Comedic timing, música sobre como o mundo muda quando a gente muda (e nem sempre para melhor), com ecos de ironia e mistério.

O título Metalhorse alude a forças estranhas e incontroláveis, e esse mesmo espírito atravessa Plans e Moon explodes, que ficam entre o punk e a new wave, além da vinheta Life’s unfair, que junta blues e jazz com atmosfera de fim de festa. Intenso, imprevisível e rasgado de dor, Metalhorse é o trabalho mais sombrio e poderoso da carreira de Billy Nomates – e também o mais visceral.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Invada Records
Lançamento: 16 de maio de 2025

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