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Crítica

Ouvimos: Benefits, “Constant noise”

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Ouvimos: Benefits, “Constant noise”

O maior benefício (sim, é um trocadilho idiota) do Benefits é mostrar que ainda é possível inovar no pós-punk. Mesmo que à custa da popularização do seu som, já que o que se ouve em Constant noise, segundo disco da dupla (Kingsley Hall e Robbie Major, os nomes dos sujeitos), é uma mistura de ambient, punk, eletrorock, metal e krautrock com vocais falados.

Não, não são raps. A música da dupla é uma onda constante de spoken word, com vocais cuspidos e frases raivosas como “estou olhando para uma montanha de merda”, “promessas se transformam em mentiras, que se transformam em promessas / e aí eles morrem”, “um homem na TV diz que mísseis estão disparando / e interrompe minha thread social”. Quase sempre o alvo é o ser humano perdido em meio a redes sociais, notícias a todo momento, burnout e cérebro apodrecendo.

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Constant noise é um disco que Kingsley definiu à Rolling Stone britânica como sendo “muito mais raivoso que o anterior” (a estreia Nails, de 2023). Ele também contou que sua voz saiu “fodida” da gravação do disco, ainda que os gritos se resumam à faixa Lies and fear, punk-metal pesado, batido intermitentemente na bateria e nas guitarras, com torrente de ruídos no final. A faixa-título, que abre o álbum, traz um coral perturbador de uma nota só ao fundo, até que a música se transforma numa faixa sintetizada e introspectiva. Land of the tyrants, com Zera Tonin nos vocais sussurrados, fala sobre o fim de todo tipo de virtude (“salve o ladrão / nesta terra dos tiranos”) em meio a um clima dançante e estranho. The victory lap é quase um drum’n bass.

Já a guerrilheira Missiles, estranhamente, é uma das primeiras vezes em que a narração do disco se torna calma – ainda que seja uma canção anti-guerra de seis minutos, com teclados em tom apocalíptico. Outra mudança rola em Blame, única faixa do disco a ter vibe de rap, com batidão dance cavernoso e teclados que parecem sonorizar a imagem de várias luzes se digladiando. Prosseguindo, tem o clima espacial e sombrio de Continual, uma espécie de samba-jazz ambient em Divide, um aceno à fantasmagoria do Radiohead em Everything is going to be alright e um jazz experimental e fúnebre em Terror forever.

Constant noise tem também duas canções que caminham do pop oitentista ao eletrônico lúgubre, Relentless e Dancing on the tables. Além da tempestade sonora (anunciada por um coral fantasmagórico e por uma letra que fala em cidades-quase-fantasma) em The brambles, e de uma rara música cantada, a destrutiva Burnt out family home. O Benefits não faz concessões, mas pode se tornar uma obsessão para quem busca música densa, perturbadora e implacável.

Nota: 9
Gravadora: Invada Records UK
Lançamento: 21 de março de 2025.

Crítica

Ouvimos: Artificial Go – “Musical chairs”

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Ouvimos: Artificial Go - "Musical chairs"

RESENHA: O Artificial Go mistura punk, indie, folk e psicodelia em Musical chairs, disco barulhento, divertido e cheio de colagens lo-fi com alma vintage.

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Musical chairs, segundo álbum do Artificial Go, soa como uma colagem barulhenta e divertida de várias obsessões musicais ao mesmo tempo. Esse trio de Cincinatti, Ohio, formado por Angie Willcult (voz, guitarra, xilofone), Cole Gilfilen (guitarra, baixo, bateria, teclados) e Micah Wu (guitarra, baixo, bateria, teclados) une punk, indie rock, country alternativo, psicodelia e referências dos anos 1960 a 1990 com o espírito de quem grava no quarto, mas pensa grande.

A julgar pelo começo do álbum, com Lasso, o tom indie country punk é forte por ali. Só que tem mais elementos, como os ecos de Pixies nas guitarras e no andamento de várias faixas, os vocais falados e teatrais que lembram Debbie Harry. Circles vem na sequência com um pé no folk punk de quarto, com voz feminina doce e um charme caseiro que faz a música soar quase como um experimento lúdico. Tão lúdico quanto a capa do álbum, que é um desenho feito por Angie.

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Referências ao balanço distorcido da Gang Of Four e ao experimentalismo guitarrístico do Television brotam em faixas como Yaya, The world is my runway e Late to the party, e também em Red convertible, que puxa o disco para uma new wave crua, com vocal falado e guitarras ruidosas — entre o espírito lo-fi do The Fall e a urgência suja do Television, mas sem a mesma precisão técnica desta última. Playing puppet tem energia herdada de bandas como Pixies e The Cars.

O Artificial Go tem também um lado vintage forte, que eles botam para rodar na alma mod e punk de Hallelujah e no indie folk retrô de Tight rope walker (unindo climas que lembram The Hollies e Beatles, com uma escaleta desafinada lá pelas tantas). No final, quem sabe como um recado para o que vem no próximo disco, a psicodelia, os ruídos e as atmosferas espaciais e sombrias de Sky burial. No geral, um som que parece familiar, mas que se apresenta com cara própria, feito para ser ouvido alto e com atenção.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Feel It Records
Lançamento: 16 de maio de 2025.

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Crítica

Ouvimos: BDRMM – “Microtonic”

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Ouvimos: BDRMM - "Microtonic"

RESENHA: BDRMM expande seu som em Microtonic, disco hipnótico que flerta com eletrônica, post-rock e shoegaze, entre luzes e sombras sonoras.

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Vindo de Hull, na Inglaterra, o BDRMM, cujo nome é “bedroom” sem as vogais e com um “M” de sobra, foi chamado assim porque começou como um projeto de quarto do cantor/guitarrista Ryan Smith. Era também um grupo ruidoso, dedicado às paredes sonoras do shoegaze, mas as coisas mudaram: Microtonic, terceiro disco, traz a paleta do grupo devidamente ampliada, já que o BDRMM bandeou-se para a música eletrônica.

O título do disco novo tem história, e teoria. Microtons são os intervalos localizado entre os semitons de um instrumento, ou uma “nota entre as notas”, como muita gente diz. Artistas como o compositor renascentista Nicola Vicentino e o músico suíço-brasileiro Walter Smetak (1913-1984) trabalhavam nessa área cinzenta sonora. Hoje em dia, bandas como King Gizzard and the Lizard Wizard são chegadas nessa história, que mexe diretamente com tudo que pode soar como “desafinado” para o ouvido médio.

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Esse puro suco de experimentação musical é a razão de Microtonic existir, já que do começo ao fim, o álbum do BDRMM mexe com sons que se confundem no ouvido e climas que vão do mais solar ao mais sombrio e noturno. É o disco da hipnose pós-punk, sexy e underground de Clarkykat, dos synths etéreos de Infinite peaking, do ambient urbano e sonhador de Snares, do hi-NRG punk de Goit – esta, com vocais de Sydney Minsky Sargeant, do Working Men’s Club, e uma letra terra-arrasada, com versos como “espasmos / terror / morte / tudo aconteceu”.

No geral, Microtonic flerta com o trip hop sem, de fato, ser um disco do gênero – o estilo aparece mais como uma senha de acesso ao álbum. O mesmo vale para as paredes sonoras do shoegaze, que surgem de forma sutil, como pano de fundo. O BDRMM soa hipnótico na maior parte do tempo, como em faixas como John on the ceiling, In the electric field, Sat in the heat e o drum’n bass ligeiro de Lake dissapointment – uma faixa que começa em tom sombrio e encosta com elegância no rock eletrônico.

Alguns momentos de Microtonic são próximos do post-rock, com aquele mesmo clima de imagem vista de cima, como na faixa-título, e no começo de The noose, música que depois se torna uma peça melancólica e dançante, com discreto acid bass (aquele efeito dançante, distorcido e grave que virou febre nos anos 1990). No geral, entre muitos acertos e pouquíssimos exageros. Microtonic é uma trilha sonora íntima para noites insones e pensamentos em expansão.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Rock Action
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.

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Crítica

Ouvimos: House Of Protection – “Outrun you all” (EP)

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Ouvimos: House Of Protection - "Outrun you all" (EP)

RESENHA: House Of Protection renova o nu-metal com climas ligados ao hardcore, vibes herdadas de Prodigy e ao começo dos Deftones, e faixas explosivas que colidem passado e urgência.

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Do House Of Protection, dá para dizer que oferecem uma renovação ao cansadíssimo ambiente do nu metal – se não em termos de estrutura, pelo menos na maneira como a banda usa antigas armas do estilo (influências de música eletrônica, de hip hop, vocais dramáticos e em alto volume, etc).

Criado pelos músicos Stephen Harrison e Aric Improta e produzido por Jordan Fish (ex-Bring Me The Horizon), o grupo mostra uma revolta mais próxima do hardcore, dos primeiros anos dos Deftones e – em alguns momentos – da onda eletrorock deflagrada nos anos 1990 pelo Prodigy. É o que rola na apocalíptica Afterlife, na rápida e destruidora Gospeed e na porradaria com ares de hip hop Fire.

Aliás, mesmo nos momentos em que um som parecido com o do Linkin Park é evocado aqui e ali, eles dão um jeito de fazer a coisa do jeito deles, como na derramada e pesada I need more than this. No fim, tudo soa como uma colisão entre passado e urgência.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Red Bull Records
Lançamento: 23 de maio de 2025.

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