Cultura Pop
O mistério de Judee Sill

A história da cantora americana Judee Sill daria um filme – preenchido com muita música, momentos tristes e várias sequências de mistério. Judee, em 1971, foi o primeiro nome contratado por David Geffen para seu selo Asylum, lotado de novos nomes do folk rock e da emergente geração de cantautores. Não havia quem não prestasse atenção ao talento daquela garota de 27 anos que unia folk, rock, música gospel e temas clássicos em canções minimalistas e emocionantes. E que parecia oferecer uma verdadeira sessão de exorcismo em suas canções.
Os fantasmas que surgiam nas letras de Judee vinham das experiências bizarras que ela vivera até 1971. Judith Lynne Sill começou a tocar piano com a idade prodigiosa de três anos, no bar do pai, que morreria quando ela fez oito anos. Em seguida, a mãe se casou com Kenneth Muse, animador de Tom & Jerry. Sem citar o nome do padrasto, Judee deu uma entrevista à Rolling Stone em 1971 descrevendo sua infância como terrível e acusando o marido da mãe de alcoólatra e abusador. Segundo ela, as brigas físicas eram tão violentas que policiais e jornalistas iam parar na casa da família.
Judee foi desenvolvendo o talento para a música (tocou violão e ukelele) ao mesmo tempo em que fugia da escola e envolvia-se com uma gangue barra-pesada. Chegou a ser presa por assalto à mão armada e ficou nove meses em um reformatório. Mas em 1966, já tocando bem mais piano e compondo bastante (chegou a integrar um trio de jazz), casou-se com o pianista Robert Maurice “Bob” Harris, que depois viraria colaborador de Turtles, Frank Zappa e ate John Lennon.
INFERNO
O que parecia um momento de alívio virou um verdadeiro inferno. Judee Sill e o marido desenvolveram grave dependência de heroína e ela chegou a se prostituir para sustentar o vício. Enfim, ela acabou presa novamente, por causa de episódios envolvendo falsificações de cheques e outros delitos.
Mas Judee acabou dando a volta por cima. Entrou em liberdade condicional, foi morar com amigos (num Cadillac 55!) e meteu na cabeça que se daria bem como compositora. Passou a devorar livros sobre ocultismo e, de contato em contato, acabou passando a escrever canções por encomenda. Em 1969, por intermédio de um amigo, os Turtles gravaram um single com uma música de Judee, Lady-O.
ASYLUM
Judee foi parar na Asylum quando recorreu a um expediente que chamou a atenção de David Geffen. Enviou a ele uma demo e uma carta contando sua história, falando do vício em heroína, da prisão e de outros assuntos. Enfim, nada mais apropriado para comover o dono de uma gravadora que reunia alguns dos melhores talentos do começo da “década do eu”, cujas canções relatavam basicamente dolorosas experiências pessoais. Uma das canções mais reflexivas de Judee, Jesus was a cross maker, unia o bode pelo fim de um namoro a reflexões sobre o romance A última tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis.
Para divulgar o primeiro disco, a cantora abriu shows de artistas como Crosby & Nash e Cat Stevens. Por sinal, detestava ser a apresentação de abertura, ainda mais quando o fazia para bandas de rock. Fez também programas como o Old grey whistle test. Mas a carreira de Judee na Asylum rendeu pouco. Foram apenas dois discos, Judee Sill (1971) e Heart food (1973, no qual fez arranjos e regências).
TRISTE FIM
A trajetória da cantora no selo foi atropelada pelas baixas vendagens e pela tendência a sabotar a própria carreira. A lenda que vingou é a de que ela, numa entrevista de rádio, falou de David Geffen usando termos homofóbicos, para se vingar da pouca atenção dada pela Asylum à sua obra, e acabou chutada da gravadora.
Fora da Asylum, Judee fez uma tentativa de pôr a carreira nos eixos: começou a gravar um disco no estúdio de Michael Nesmith em 1974. Só que o álbum foi engavetado e só sairia em 2005. A cantora desapareceu do mercado musical e caiu novamente nas drogas, de maneira intensa, a ponto de Judee sofrer uma série de acidentes de automóvel durante os anos 1970 e ficar impedida pelos médicos de tomar remédios fortes.
Os abusos e sumiços tiveram consequências drásticas. Judee morreu em 23 de novembro de 1979 aos 35 anos por overdose de drogas. Sua morte ficou de fora até mesmo dos obituários dos grandes jornais. Isso porque vários de seus amigos só tomaram conhecimento do óbito meses depois. Recentemente, o New York Times publicou pela primeira vez um obituário da cantora, na seção Overlooked. A seção é dedicada justamente a pessoas notáveis cujas mortes foram ignoradas pelo jornal.
DOCUMENTÁRIO
A vida triste de Judee já rendeu vários textos, além das entrevistas dadas por ela nos próprios anos 1970. Volta e meia surgem amigos dispostos a lembrar que ela era muito bem humorada, tinha muitos (e muitas, em especial) fãs e gostava de contar histórias no palco. Tem um pouco disso nesse documentário de rádio da BBC, feito em 2014, que subiram para o YouTube (infelizmente, só em inglês sem legendas).
Para o programa, foram entrevistados fãs famosos (como Andy Partridge, do XTC) e antigos apoiadores, como Jim Pons (dos Turtles). Em alguns trechos do arquivo da própria BBC, a Judee aparece contando histórias do começo da carreira, de quando morou no tal Cadillac 55 (“pelo menos era verão e o carro tinha ar-condicionado”, brincava). Uma tia de Judee reclama da imagem pública que ficou dela (drogas, roubo, prostituição) e diz que ela não era nada disso. “Ela era uma garota doce, gentil e muito talentosa”, conta.
E já que você chegou até aqui, pega aí Judee no Old grey whistle test cantando The kiss.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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