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Cultura Pop

Novo livro analisa o personagem Renato Russo

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Ainda há muito (e sempre haverá) o que escrever sobre Renato Russo. Ainda mais em 2021, nos 25 anos de sua morte, quando constata-se que letras como Que país é este, Será e Geração Coca-Cola não perderam a atualidade. Julliany Mucury, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (UnB), hoje morando em Berlim, foi fundo não apenas na análise da produção do líder da Legião Urbana, como também na observação de que o artista Renato Russo era uma entidade que foi criada por Renato Manfredini Jr, seu nome verdadeiro. Daí surgiu o livro Renato, o Russo, que sai em breve pela editora Garota FM Books (da escritora e biógrafa Chris Fuscaldo). E está em campanha de financiamento coletivo pela plataforma Catarse.

Renato, o Russo leva novas descobertas aos fãs da Legião Urbana. A principal: “Renato Russo” não era apenas um nome artístico, como Ringo Starr (Richard Starkey Jr), Fernanda Montenegro (Arlette Pinheiro Monteiro Torres) ou Tony Bennett (Anthony Benedetto). Era um personagem, com personalidade, modo de se vestir, de pensar e estilo de vida próprios. E que encobria e encorajava o tímido Renato Manfredini Jr. Mais uma descoberta: Renato, assim como David Bowie, fez do fim da vida uma obra de arte. O britânico fez isso no desnorteante Blackstar, o brasileiro o fez no desesperadamente triste A tempestade, último disco da Legião lançado com ele em vida. Mas o livro parte de uma pergunta: afinal, Renato Russo era um letrista ou um poeta?

Mesmo que o próprio Renato tenha falado em alto e bom som num show no Jockey Club, na Gávea (Rio) em 1990 que era letrista, e não poeta, o questionamento é muito válido: Renato era leitor compulsivo, era autor de versos bastante originais e compunha letras de uma erudição difícil de ser achada em música popular. Julliany estudou todo o material de Renato e fez leitura crítica de 29 letras escritas por ele. E prefere se referir a Renato como um cancionista, termo do músico e linguista Luiz Tatit que indica uma espécie de malabarista, que se equilibra entre letra e melodia.

Batemos um papo com Julliany e ela revelou o que foi possível revelar (não vamos estragar as surpresas!) sobre Renato, o Russo.

Afinal, como surgiu essa discussão sobre se Renato Russo era poeta ou letrista? Foi numa mesa do CCBB de Brasília, como diz o livro, mas como se deu isso?

Bom, em primeiro lugar, a gente tem um problema técnico com esse nome “poeta”. Eu estudo literatura brasileira, daí você pega e vai trabalhar canção dentro da literatura brasileira.  Já quebra um certo padrão aí, né? E para a academia considerar a gente nomear um cancionista de poeta… É como se a gente estivesse invadindo fronteiras, sabe? Aquela coisa do espaço do sagrado. E eu achei uma provocação interessante nessa mesa, onde estava o Vladimir Carvalho, o Nicolas Behr – que é um poeta de Brasília – e a minha orientadora,  Sylvia Helena Cyntrão.

Nós captamos essa pergunta como uma provocação e aquilo me incomodou bastante. Legião Urbana divide as pessoas, tem quem ame e tem quem odeie. Muita gente nem considera uma banda, fala: ‘Pô, os caras não tocam nada!’.  E eu pensava: ‘Mas ninguém olha a letra? Mais de cem letras escritas com participação do Renato, mais de 29 letras escritas exclusivamente por ele. Vamos ver a densidade disso?’ Essa pergunta, eu quero responder de um jeito sério, quero analisar tudo, não vou dizer por dizer.

Muitas pessoas já afirmavam que ele é poeta, Arthur Dapieve, Carlos Marcelo. Não queria me fiar pelo que os biógrafos diziam, queria eu ter minhas certezas. Foi isso que minha tese me deu. O livro sai com 200 páginas, mas mais de 160 páginas da tese original foram limadas. Aproveitamos para o livro a parte em que eu realmente falo da pergunta. O Carlos Eduardo Lima (editor do site Célula Pop, historiador e jornalista) mexeu no livro comigo e ajudou a tirar o texto da rigidez acadêmica, tornou o texto algo maleável e gostoso de ler. Reconstituímos o cenário de Brasília na época, para quem não conhecia. O eixo Rio-São Paulo era muito diferente, os punks de São Paulo eram até muito mais punks que os de Brasília.

Eu terminei o texto muito convicta de que há sim qualidade estética no que o Renato produziu. Ele era muito sério e comprometido com a produção dele. Então por que chamamos Renato de cancionista? Cancionista é um termo do Luiz Tatit. E o Renato é um cara que, desde a melodia, até a melodia inserida na palavra, é uma letra de canção que você lê isoladamente e ela conta uma história. Tem uma densidade própria ali. Tanto que virou roteiro de filme. Já foi adaptado duas vezes pelo René Sampaio, teve o Faroeste caboclo e agora o Eduardo & Mônica.

Julliany Mucury

O Renato até via essa coisa do poeta com certa humildade. No show do Jockey Clube, no Rio, ele chega a dizer que “algumas pessoas dizem que eu sou poeta”. Mas por outro lado, em entrevistas, ele dizia que não se considerava um bom letrista, que seu forte era encaixar a letra na música…

Eu acho que isso faz parte dessa construção de personagem, do personagem Renato Russo. Quando a gente coloca o Renato numa construção de panorama, ele negar por si só que é letrista… E quando ele faz o show do Jockey em homenagem ao Cazuza ele diferencia: “Ele é poeta, eu sou letrista”. Nas entrevistas, quando ele era provocado a respeito das letras, ele dizia: “Eu sou só letrista. Poesia eu escrevo mas tá guardada lá em casa”. Na exposição do Museu da Imagem e do Som, a gente viu que até soneto ele escreveu. O Renato tem muita coisa escrita e é um acervo que a gente ainda não teve acesso.

Quem gosta de Legião tem que começar com a biografia escrita pelo Carlos Marcelo, porque ele conta quem foi Renato Manfredini Junior. Quem foi o Junior, da Dona Carmen, aquele menino genial, que ficou paralisado na cama e escreveu o livro The 42nd street band, que depois foi publicado. As pessoas têm que ler em seguida para entender que o Renato traça uma banda imaginária, e que essa banda tem um vocalista chamado Eric Russell. O Eric Russell é o Renato Russo (enfatiza o “é”).

Fernando Pessoa que fazia isso, construía heterônomos, criava poetas reais que escreviam poemas. Renato Russo é quase um heterônomo do Renato Manfredini Jr. O Dapieve fala que o Renato inicialmente falava que era quatro anos mais velho, para parecer mais maduro e ser respeitado. Eles eram muito novinhos, o Renato compõe Faroeste caboclo com 19 anos. Imagina, o que a gente estava fazendo aos 19 anos? Ele dizia que estava compondo a Hurricane dele (canção do Bob Dylan). E ele senta e escreve uma letra daquelas, com aquela intensidade do João de Santo Cristo.

Tem muita coisa ali, não é só a história de um anti-herói que termina assassinado em praça pública. Ele conta toda a dor de uma nação envolvida ali. Isso depois ele estende para Perfeição, para Fábrica, para Que país é este. Ele sabia muito bem o que estava fazendo e tinha muito apuro quando escrevia. Mas não queria assumir, queria brincar com a fronteira das coisas. “Eu gosto de meninos e meninas”, “eu não sou poeta”. E onde é que está o Renato real nessa história toda?

As pessoas parece que têm uma certa raiva da Legião, por serem uma banda que tem um esquema musical bem simples… E hoje há até uma certa pressa em decretar o fim do rock, que o rock acabou, etc. 

A raiva é justamente porque não conseguem ofuscar. E aí você tem que detonar. Agora imagina: uma banda de adolescentes em que eles convidam o Dado, que não sabia nem tocar. Eles eram punk rock, mas era punk rock de butique. Eles tinham acesso aos discos que vinham da Inglaterra, as bandas que os influenciaram, The Smiths. Essa galera que eles eram influenciados diretamente, o que eles não negam. O Legião Urbana V era o Pornography do The Cure, na cabeça do Renato. Era uma reimpressão de muita coisa que vinha de fora, mas isso era intencional. A Legião se lançou como uma anti-banda de rock. Negaram o lugar do palco, o Renato quase não fez show. Para o que o público desejava e a gravadora pretendia… O Renato não era um galã como Paulo Ricardo mas o grupo tinha vendagens de 500 mil cópias, um milhão de cópias.

E há o preconceito com o rock´n roll, porque as batidas dos três primeiros álbuns eram pesadas. Era lixão mesmo, era ruído, metal estridente, era para incomodar. Não era um som para você ligar e deixar de música de fundo na sua casa, no elevador. Eles eram uma banda que pretendia fazer isso. Mas não eram como os outros. O Clemente (Inocentes) comenta que quando a Legião vai para São Paulo, fala: “Cara, a gente não é punk, a gente não está nesse nível da galera”. Era coisa de gangue, era pesado.

Mas com essas altas vendagens, os poucos shows… O que você acha que atraía tanta gente para as letras do Renato?

A genialidade dele. Muitas letras são creditadas ele, Dado e Bonfá, mas ele trabalhava a letra, ia para o estúdio, eles trocavam coisas. Existia uma troca muito boa, eles trabalhavam bem juntos em estúdio. Só que o Renato não gostava de plateia. Enquanto Dado e Bonfá estavam nas piscinas dos hotéis, jogando futebol com a galera, o Renato estava ficando verde dentro do quarto. Renato teve um sério problema com drogas, era muito introvertido, introvertido mesmo. A questão da homossexualidade era algo muito difícil para ele. O Carlos Trilha (produtor) contou numa entrevista do canal Alta Fidelidade que o Renato cantava as pessoas, era muito tímido mas tinha necessidade de entrar em contato. Ele até falava que ser homossexual no Brasil dos anos 1980, com a aids e com todo o cenário que a gente tinha, era complexo, por causa do preconceito e da pouca informação. Se temos hoje ainda, imagina há quarenta anos.

O Renato não gostava de shows, ele gostava muito de conversar com a plateia. E às vezes ele se excedia e o público tacava coisas no palco. Quantas vezes o Renato não deitou no chão, e fez o show com luzes apagadas? Ou cantou três, quatro cinco músicas e abandonou o palco? Até o momento em que ele falou: não quero mais, não vai rolar. De 1990 para a frente, os shows vão se escasseando e ficam para lugares como o Metropolitan, o Jockey Clube. Eram lugares que tinham uma estrutura maior, até o último show, que acontece em Santos (SP). Ele já estava debilitado fisicamente, vocalmente, já estava sob tratamento e pouquíssimas pessoas sabiam. Quem suspeitava de algo não falava nada. Ele não tinha mais condições, mas queria produzir.

É até essa tristeza que eu falo no livro. A mente e o espírito dele iam aonde o corpo não estava conseguindo mais. O disco A tempestade não é doloroso só por causa do conteúdo, do que ele está escrevendo, do que ele canta, mas é doloroso por causa de como ele canta. Para a gente, que conhece a potência vocal do Renato… Você percebe claramente que tem alguma coisa ali.

O Renato compunha para quem? Existia um tipo de fã de Legião, ou do trabalho dele, que surgia na mente dele na hora de compor?

Ele compunha a partir dele mesmo.  Mas ele tinha uma visão muito cosmopolita. A minha experiência com Renato Russo, no meu lugar de feminino hetero, fez sentido para mim. O que o Renato acessa é esse lugar nosso, do sujeito humano. As dores são nossas.  Os sofrimentos são nossos. Em discos como V e Descobrimento do Brasil, em que ele já está migrando para uma análise da existência, ele fala muito da dor de existir, dos relacionamentos amorosos. Ele fala disso com muita delicadeza, não é uma música de dor de cotovelo rasgada e caipira. Mas é uma música que fala sobre como seguir adiante, sobre como se levantar, sempre esperançoso, sempre olhando para a frente, como no verso “mas é claro que o sol vai brilhar amanhã”.

Ele tem essas repetições, usa textos bíblicos, Camões, sabia trabalhar o inconsciente coletivo. Era um cara muito antenado, não só no tempo dele, porque quando ele escreve Que país é este é uma canção imortal. Quando a gente escuta Perfeição, aquela ironia, aquele sarcasmo, a gente sabe que aquilo é nosso. Ele acessa esse lugar de antena da raça. Ele, Cazuza, Freddie Mercury, Raul Seixas… Um grupo de artistas que estava à frente daquilo. Fico imaginando eles coexistindo com as pessoas da geração deles, eles à frente de todo mundo. O que será que se passava dentro dessas mentes? Qual o sentimento de mundo que eles tinham? A Nina Simone fala no documentário dela, o What happened, Mrs. Simone: “Um artista tem que falar do seu tempo”. A genialidade do Renato mora na percepção que ele teve ao compor as letras.

Eu nunca tinha percebido que o Renato Russo fez da morte dele uma obra de arte, meio como David Bowie fez em Blackstar. Como foi para você perceber isso?

Eu chamo isso no livro de arquitetônica da despedida. Ele sabia. Ele já não conseguia ir para o estúdio. O Dado produziu o Tempestade sozinho, o Trilha entrou para salvar a pátria, porque o Renato fazia um take e acabou.  Mas o que tinha dentro desse sujeito, a percepção, o entendimento da finitude… Eu acho ainda mais grandioso. O Tempestade anuncia uma ruptura, ele é lançado e logo depois o Renato morre. Depois vem o Uma outra estação, que é um disco que as pessoas acham até melhor, mas que é um mix de um monte de coisas que o Renato rejeitou.

O Uma outra estação, apesar de ter Clarisse, que é bem depressiva, é um disco bem mais alegre, por sinal.

Por aí você vê que ele sabia o que ele estava fazendo, porque o que ele vetou não entrou no A tempestade. Ele queria uma carta de despedida. Ele queria um conjunto de letras que dissessem aquela mensagem. Ele pensou em tudo. E outra: ele terminar a vida recluso, fechado no apartamento, com o pai. Uma das raras cenas que descrevem o estado físico do Renato nessa época está na biografia do Dado Villa-Lobos (Apenas um legionário, escrita ao lado de Felipe Demier e Romulo Mattos), quando o Dado conta a chegada dele no apartamento do Renato. Ele fala: “Meu deus, o Renato era um fiapo!”. A gente não viu isso, o Renato foi cremado, está no jardim do sítio do Burle Marx e acabou. Eu acho bem interessante isso de você pensar numa despedida, num legado.

No programa do Serginho Groisman ele até falou: “Gente, eu não sou um messias”, “eu não quero educar vocês!”. Mas ele parava o show para pregar para os jovens. Ele sabia que ele tinha um apelo muito grande para a juventude. Imagina, uma juventude saindo da ditadura militar, carente de referências positivas e heroicas… Se você for pegar todas as bandas, quem que fazia pregações nos shows? Renato Russo.

Lá fora, nas páginas da Wikipedia dedicadas a artistas, costumeiramente há um item inteiro só para falar dos legados deles, do que eles deixam para a arte, para nomes novos. É algo que não se faz muito aqui no Brasil, nas páginas de artistas nacionais. Como você vê o legado do Renato? O que ele deixou para novos artistas?

(nota: a página de Renato na Wikipedia não tem este item)

Eu gosto muito de uma fala do Dinho, do Capital Inicial, quando perguntam para ele, numa das homenagens dos 20 anos da morte do Renato, sobre o que foi o legado do Renato. E ele fala: “Cara, todo mundo olhava pro Renato”. Todo mundo daquela geração olhava para o Renato, ele era diferente de tudo que estava acontecendo. Não era igual a Paralamas do Sucesso, não era igual a Capital Inicial, nem a Biquíni Cavadão.

Nem quando começam a surgir as outras bandas, como Racionais MCs, Raimundos… O Renato permanecia naquele lugar de dândi, carregava um certo mistério. Quando ele ia se apresentar e começava aquela dancinha Morrissey, completamente maluca e catártica. Era aquilo, ele era muito errático porque  não tinha compromisso com posar em nada. As falas dele saíam do jeito que saíam e era puro Renato Russo. Quando ele estava à vontade afinava a voz, quando queria vestir o personagem era outra entonação. E aí você vai percebendo essas nuances do Renato.

O grande legado dele foi a consciência artística, eu acho. Ele teve isso acima de muitos outros. Também a noção de mercado que o Renato tinha, que era enorme. Os álbuns da Legião continuaram sendo produzidos com uma demanda de fábrica. Os três primeiros eram com material que eles já tinham. A partir do quarto eles precisavam produzir coisas. Ele tá passando no estúdio, o pessoal do 14 Bis tá fazendo uma música, ele gosta da melodia e põe uma letra. Ele faz a mesma coisa com a Marisa Monte, em Soul parsifal, que vira Celeste. É a experiência de viver seu tempo, contar seu tempo do jeito que ele contou. E depois conduzir sua carreira até o fim do jeito que você quer fazer. Isso para mim é o maior legado do Renato. E ele conseguiu. Ele se negava a fazer coisas. E o estúdio negava coisas a ele, ele queria álbuns duplos para o Dois e o A tempestade e não conseguiu.

Como você foi reunindo as letras que analisa no livro?

Peguei todas que estão nos encartes e mais algumas que são inéditas. E algumas que não foram musicadas. Falo dela na análise mas não analiso junto com as 29 que analisei. Fui descobrindo que o Paraná (Kadu Lambach, guitarrista da Legião durante curto período antes da fama do grupo) tinha duas letras e musicou as duas, e que uma banda, Urban Legion, estava musicando outras duas letras do Renato. Do quarto disco em diante as letras começam a ser todas divididas entre Dado, Bonfá e Renato. Até que ponto isso foi estendido para todos terem direitos autorais?

As letras eram divididas também?

Eles trabalhavam juntos, o Renato declarou isso muitas vezes. Por mais que ele escrevesse as letras, sugeria-se alguma coisa aqui e outra ali. Chegar nas 29 foi muito tranquilo, foi só pegar o encarte. Não deixei nada de fora. Peguei o Música para acampamentos porque tem o Canção do senhor da guerra. E aí começam as surpresinhas. Se o Uma outra estação não tivesse sido feito pelo Trilha, não teríamos acesso a Dado viciado, Marcianos invadem a Terra, a Marianne – que tem Marianne 2. As canções feitas sozinho pelo Renato perfazem uma história: Geração Coca-Cola, Faroeste caboclo, Fábrica, Índios, Que país é este. Se você pensa nos maiores hits da Legião, tava tudo nele. O segredo do negócio estava nele. Dado e Bonfá não negam isso. Tanto que eles falam que a banda acabou depois disso.

Eu lembro que quando Renato morreu, uma rádio bem popular aqui do Rio levou ao ar um especial da Legião com as músicas do A tempestade, intercaladas com mensagens dos ouvintes que eram fãs da banda. Alguns estavam chorando e pedindo para o Dado e o Bonfá não acabarem com a banda, para continuar mesmo sem o Renato. Isso apareceu no rádio! Aí acaba entrando naquela seara em que as pessoas querem escutar aquele repertório, de que ele faz muita falta…

Vou além: lembro que aquele especial da MTV com Wagner Moura foi doloroso de assistir. O Wagner estava lá como cantor amador, topou fazer aquilo, mas a plateia cantou do começo ao fim. E no fim, Será, é cantada pela plateia, com Wagner deitado no chão chorando. Acontecem coisas incríveis, existe um legado incrível nas pessoas que gostam de Legião Urbana, que é como se não precisasse do Renato. Quando Dado e Bonfá se reúnem, existe uma coisa que é tão poderosa, é uma presença-ausência tão presente ainda para eles, que eles fazem com que faça sentido.

Então tá lá, teve o André Frateschi conduzindo com eles, teve a turnê dos 30 anos… Foi um processo complicado para o Dado e o Bonfá realizarem aquilo também. E o Dado fala: a gente gostaria de estar tocando. Quem não gostaria? São as músicas que eles fizeram!

O Nasi, do Ira!, uma vez falou numa entrevista que banda não é como álbum de família, com aquelas pessoas insubstituíveis…

E a ideia original do Renato era que o nome fosse Legião Urbana porque os músicos seriam rotativos. E aí entra nessa discussão que estamos levando agora. Um outro problema é que o Brasil não tem memória, tá aí o que vem acontedcendo com nossos prédios, nossos centros históricos… Por que se escreve ainda sobre Renato? É importante, é a história de um cara que ainda ecoa.

Qual a maior surpresa que seu livro traz para o fã de Legião?

Ah, nem sei se devo revelar (rindo), mas o maior gatilho é a descoberta dessa personagente, de como o Renato Russo se distancia do Renato Manfredini. Eu faço essa dicotomia, entre Renato e Russo. Mas e você, qual surpresa viu no livro? (me perguntando)

Bom, acho que essa semelhança entre a morte dele e a do David Bowie, e o fato de “Renato Russo” não ser apenas um nome artístico, ser um personagem mesmo.

É verdade. Mas se você for ver, de acordo com a (professora) Eliana Yunes, todos nós somos isso. Existe as pessoas que somos e as que criamos. Se entra um novo indivíduo numa conversa, não é mais a gente que está ali.  A gente é a partir da interação com aquele indivíduo, conforme o estatuto social que temos nessa relação. Se é seu marido, sua mulher, seu marido, seu filho, e você institui personas, as máscaras que usamos. Quantas versões suas ou minhas? É infinito.

Agora quanto mais você adentra a história do Renato, mais percebe um sujeito extremamente carente. O barato dele era ligar para as pessoas de madrugada, ele era noturno. E aí vários amigos declararam isso ao longo do tempo, ele passava três quatro, horas conversando com as pessoas. Então você imagina o que era receber uma ligação dele para trocar ideias. Várias ideias nasceram dali.  Nasceram coisas com o Trilha, o disco em inglês, em italiano. Renato deixou uma ópera, uma peça de teatro. Ele queria fazer roteiro de filme, tinha várias ambições para a própria vida. Ele não queria ser só um rockstar, queria mais.

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4 discos

4 discos: Ace Frehley

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Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.

Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.

Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.

Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução

“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.

Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…

“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).

O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.

“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.

“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.

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Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

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O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

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Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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