Crítica
Ouvimos: Lyra Pramuk – “Hymnal”

RESENHA: Em Hymnal, Lyra Pramuk mistura voz, cordas e eletrônica para criar um som sensorial, experimental e introspectivo, entre o pop e o erudito.
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Norte-americana com base em Berlim, Lyra Pramuk é um pouco mais do que apenas uma artista multitarefa: é vocalista, produtora, compositora, DJ, artista performática e astróloga. Ela opera CDJs com gravações em seu trabalho, sampleia a própria voz e tem interesses bem diferentes do receituário comum do universo pop. Sua trajetória se parece com aquelas reportagens com pessoas de múltiplos interesses: ela estuda canto desde cedo, chegou a pensar em se tornar cantora de ópera, mas alternava a música clássica com escapadas às pistas de dança.
Hymnal é a soma disso aí tudo: é um disco “eletrônico” em que Lyra opera samples da própria voz e transforma vocais em melodia e ritmo, que vão achando seus espaços próprios em casa faixa, em meio aos arranjos de cordas de Francesca Verga e às improvisações orquestrais do Sonar Quartet. Nomes como Steve Reich e Laurie Anderson surgem como referência inicial para quem ouve, e até daria para dizer que se trata de um disco “minimalista”, não fosse o resultado final bastante elaborado e rico em detalhes.
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Músicas como Rewild, Unchosen e Oracle trazem o eletrônico funcionando a favor do orgânico, quase sempre, dando a entender que algo mis dançante pode começar – quase sempre é uma dança do vento, das sonoridades em meio à estereofonia, com vozes sendo transformadas em ritmos e em uma música suave e experimental. Já faixas como Render, Incense, Babel e o loop vertiginoso de Meridian transformam essa sonoridade em algo sombrio, como algo bonito sendo encontrado em meio a uma bad trip.
Num papo com o site The Quietus, Lyra mostrou que tem uma visão bem peculiar de arte e de carreira artística – mais ou menos como Laurie Anderson já mostrou em algumas entrevistas. Lyra não pensava em fazer álbuns, não costuma ler jornalismo musical e não se considera alguém da indústria. Seu som tem mais a ver com um performance pessoal realizada no palco, que não se repetirá em outros shows porque vem do improviso, ou de uma vivência de DJ. Também já se considerou pop demais para mexer com música clássica, e um corpo estranho no universo pop.
Esse clima passa por todas as faixas de Hymnal, mas vai chegando a uma faceta quase progressiva em alguns momentos do disco, como no tom cigano de Gravity, no jazz erudito e sombrio de Swallow e Umbra, e no som despojado e quase roqueiro de Crimson, tocando uma guitarra que parece ter sua afinação mexida com efeitos de estúdio.
O lado acessível de Lyra aparece nos momentos em que o som de Hymnal, como pesquisa musical, poderia influenciar discos de indie pop. Reality, com seus vocais autotunados e intervenções rítmicas feitas com cordas, pode servir de inspiração para discos de trap e rap. A percussão sensorial de vozes e cordas em Solace e em Ending, que encerra o disco, idem. Hymnal é um disco que transforma a introspecção em espetáculo sonoro.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: 7K! / pop.solo
Lançamento: 13 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Dana and Alden – “Speedo”

RESENHA: Speedo, estreia dos irmãos Dana e Alden McWayne, mistura jazz, psicodelia, política e grooves diversos em 18 faixas luminosas e surpreendentes.
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Demoramos um pouco para resenhar esse disco, lançado em junho. Vindos do Oregon, os irmãos Dana (sax) e Alden McWayne (bateria) fazem em Speedo, seu primeiro álbum, uma espécie de jazz mágico, que não cabe em quase nenhuma definição comum, porque as faixas trazem às vezes várias referências. Norm, a faixa de abertura, parece uma espécie de easy listening espiritualista, como as músicas de Todd Rundgren, e evolui para um jazz voador e bombástico, com beats eletrônicos e tímpanos dando o ritmo. Lisbon in rain ameaça um jazz-fusion na abertura, mas o que vem na sequência são sons que se alternam e brilham como luzes. Já a curta Wyckoff Deli Chicken over rice leva o idioma do jungle para o som da dupla.
Vibes psicodélicas e quase lo-fi, comuns em todo o álbum, vão surgindo aos poucos em faixas como Melange, o funk de garagem Don’t run, a bossa floydiana Fisherman’s dream, o jazz ruidoso e luminoso Charif’s Place, os temas de séries imaginárias Childhood crush e Super Beaver full moon love song, e o soul-reggae de faroeste Obsidian. Além disso, o material de Speedo une música, política e anti-imperialismo, com duas faixas, a já citada Norm e o jazz psicodélico e elegante Leila, feitas em homenagem a ativistas pró-Palestina (Norman Finkelstein e Leila Khaled, respectivamente).
Disco extenso – dezoito faixas, 50 minutos – e cheio de recantos musicais, Speedo invade também as áreas da guitarrada hispânica (Rick Pablo), do dream pop solar (Who do you even talk to me, Daydrinking in Springfield), do easy listening clássico e elegante (Kelp Forest Place) e do jazz-soul latino (Cacio e Pepe, cheia de detalhes psicodélicos e sons que rangem). A faixa-título, melódica, sinuosa e romântica, tem algo do som esparso do Khruangbin, só que reduzido a saxofone, baixo e bateria. No fim, o som voador e luminoso de Babe, you’re gonna miss that plane. Uma ótima surpresa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Concord Jazz
Lançamento: 27 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Jean Caffeine – “Generation Jean”

RESENHA: Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.
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Nascida em 1960, a cantora e compositora Jean Caffeine participou ativamente da cena punk de San Francisco, tocou numa banda que abria shows do The Clash (o curiosíssimo Pulsallama, um conjunto de percussão de formação variável, chegando a 13 integrantes) e mudou-se anos depois para Austin, no Texas, onde desenvolveu carreira como compositora e, depois, cantora. Só que ela foi para um lado bem diferente do universo com o qual ela estava acostumada: passou a tocar em cafés e a misturar punk rock e sons mais introspectivos.
Generation Jean, seu novo álbum, é uma mescla dessas duas ondas, com referências sessentistas unidas a sons bem mais selvagens – sendo que as próprias viagens 60’s de Jean já são selvagens o suficiente. Love what is it?, na abertura, inicia com batida marcial, ganha ares de música francesa ou hispânica, e embica numa balada meio Beatles, meio Replacements, com ótimas guitarras. Big picture une Byrds e Beatles, com romantismo na melodia, e amor desarrumado na letra. I always cry on thursday, com clima sixties e batidinha eletrônica, parece uma zoação com Friday I’m in love, do The Cure – com Jean admitindo que a quinta-feira só torna o fim de semana mais distante. E ainda por cima ela gravou The kids are alright, do The Who – só que numa versão em que parece que a música era dos Pretenders.
Desenvolvendo um rock estiloso em todas as faixas do disco, Jean abraça o blues, o jazz e a música sombria em Mammogram – sim, ela fez uma música sobre mamografias e conta em detalhes como é o exame. Também volta a visitar o rock sessentista no power pop I don’t want to kill you anymore e I know you know I know, e visita o pós-punk em Circuitous routes. No final, tem You’re fine, dance-punk que lembra uma paródia suja da levada de Psycho killer, dos Talking Heads. Largue tudo e ouça agora.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: FLAK Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lutalo – “The academy” (versão deluxe)

RESENHA: Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.
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Talvez você ainda não conheça Lutalo, então vamos lá: Lutalo Jones é um jovem (24 anos) músico, compositor e produtor do Minnesotta. Ele é primo de Adrianne Lenker (Big Thief), já abordou em suas músicas temas espinhosos como a situação dos negros e indígenas nos Estados Unidos, e volta e meia recorre à própria história para fazer suas canções. Lançado em 20 de setembro de 2024, seu álbum de estreia, The academy, mergulha em suas memórias de ex-aluno da escola que dá nome ao disco, em St Paul – uma instituição tão clássica que o escritor F Scott Fitzgerald estudou lá.
Lutalo, que enfrentou várias barras pesadas familiares ao longo da vida, estudou lá com bolsa de estudos, teve diversos problemas de adaptação e sofria para tirar boas notas. “Como não tirava as melhores notas, presumi que era simplesmente ruim em aprender. Refletindo, sinto que não sou – a estrutura de aprendizagem simplesmente não funcionava para mim. Passei a entender e respeitar isso e simplesmente aproveitar o que pude”, disse num papo com a Rolling Stone britânica. Faixas do disco como o soul blues climático Big brother e o shoegaze Oh well vão fundo nessas lembranças, falando de uma crise econômica (em 2008) que deixou sua família sem teto, e da separação de seus pais.
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Já Summit Hill, folk cheio de cortes no ritmo, além de “defeitos especiais” de gravação, abre colocando o/a ouvinte no tema, lembrando que Lutalo e um amigo, ambos outsiders em meio aos ricaços, costumavam andar pelas cercanias da escola observando as casas de alto luxo, sempre pensando no abismo social que os separava daquela turma. Oceans swallow him whole, um guitar rock que une sombra e luz, e tem evocações de bandas como Placebo, fala indiretamente sobre alguém que tentou atingir Nova York seguindo por um lugar menor, mas deparou com montes de injustiças sociais.
The academy volta agora em edição deluxe, com quatro faixas a mais, aumentando o escopo musical do álbum. Se você ouvir apenas o comecinho de The academy, com Summit Hill e Ganon, vai ver em Lutalo um revivalista do blues rock dos anos 1970, e um experimentalista do folk. O disco avança para o shoegaze, para sons assemelhados ao britpop (Broken twin), para o country-rock com clima beatle (3 tem andamento lembrando o hit Come together) e até para algo que fica entre Pixies e Slowdive – em About (Hall of egress) e na faixa bônus Cracked lip. Há também emanações mais sombrias no folk psicodélico Haha halo, e no quase-trip hop Lightning strike.
Como letrista, Lutalo nem sempre é direto – às vezes parece criar diálogos nas letras, como o encontro de gerações de The bed. Já Oh well relata as tragédias familiares lembrando que o céu parecia desmoronar, e que os maiores problemas vividos por sua mãe não saíram nos jornais, nem foram “mostrados e contados”. No geral, uma poesia que machuca.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Winspear
Lançamento: 19 de setembro de 2025
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