Cultura Pop
Aquela vez em que Erasmo Carlos virou sambista
Na época em que descobriu o rock, Erasmo Carlos também descobriu o samba. O Tremendão foi criado na Tijuca, faz parte daquela estirpe de músicos brasileiros que descobriu a bossa nova quando escutou João Gilberto pela primeira vez no rádio (enfim, quando Chega de saudade era novidade) e já compôs e gravou sambas. Alguns fizeram bastante sucesso. Outros passaram para a história como ilustres lados B da sua carreira. E enfim, chegou a hora de Erasmo contar esse outro lado da sua história, com o EP Quem foi que disse que eu não faço samba?, que sai em dezembro pela Som Livre – e ainda vai ganhar uma versão audiovisual, já que tudo foi capturado em imagens. O primeiro single, A história da morena nua que abalou as estruturas do esplendor do Carnaval, parceria dele com Max de Castro (que já havia sido gravada pelo filho de Wilson Simonal), já está no YouTube.
Batemos um papo com Erasmo (publicado originalmente no jornal O Dia) e ele nos falou um pouco desse seu lado sambista. Confere aí (a foto lá de cima é de Guto Costa).
POP FANTASMA: O samba sempre esteve presente nos seus discos. Mas por que muita gente nunca prestou atenção nisso?
ERASMO CARLOS: A tendência do rock era mais forte, acho. Mas as duas coisas vieram juntas na minha vida: samba e rock. Em 1958, eu comecei a tocar violão e foi o ano em que a bossa nova começou a fazer sucesso. Só que eu não tinha estudo, não tinha escolaridade, né? O povo da bossa nova era mais elitizado, escolarizado, morava na Zona Sul, tinha pedigree. Eu era da Zona Norte, não tinha estudo, não tinha acesso. Daí fiquei fazendo rock n roll com a minha turma. Mas sempre diz sambas, sempre gravei sambas. Gravei Aquarela do Brasil num disco meu, Não me diga adeus, Eu sonhei que tu estavas tão linda – essa não era um samba mas é uma linda canção brasileira. Mas quase nunca fiz sucesso com sambas, daí ninguém comentou.
Mas teve O comilão… Sim, teve Cachaça mecânica, Coqueiro verde, isso fez sucesso. De lá para cá nunca mais fiz sucesso com sambas. Mas chegou a hora de matar esse desejo de fazer um disco de samba. E a Som Livre apostou nisso, até pelo lance audiovisual.
A história da morena nua que abalou as estruturas do esplendor do Carnaval, parceria sua com Max de Castro, que ele já tinha gravado, você está revisitando no disco novo… Sim. Ele fez a música, eu fiz a letra, ele gravou. Mas tem outras regravações, inclusive tem o primeiro samba que eu fiz na vida, que o Roberto Carlos cantava na boate Plaza, em Copacabana, no começo da carreira. Ele cantava com arranjo do João Donato, que era pianista dele, o João nem era cantor ainda. O nome é Maria e o samba.
Você tinha gravada essa música? Como lembrou dela? Eu tinha guardada na cabeça, mais ou menos. A letra… Tiveram uns casos parecidos. A Gal Costa gravou um samba meu e do Roberto chamado Gabriela mais bela, que ela defendeu num festival (o III Festival Internacional da Canção de 1968). A música não foi classificada para a final. Como ela não gravou, eu fui esquecendo da melodia e não tinha a letra guardada.
(Gabriela mais bela acabou registrada por uma cantora chamada Vania, num LP do festival lançado pela CBS).
Moço, um samba seu da antiga que está na trilha da novela O bofe (1972), da Rede Globo, foi regravado por você no disco. Quais são suas lembranças dessa trilha? Eu me lembro que uma coisa que pesou contra foi que o tempo para fazer todas as músicas foi muito curto, 15 dias. Foi uma encomenda do Daniel Filho. Foram doze músicas, tem uma com Elza Soares, uma com Djalma Dias, uma com Betinho que era Moço, com Osmar Milito… A novela é que não foi muito bem, comparada com outras novelas.
E teve acho que a única música que Nelson Motta gravou na vida como cantor, que foi Madame sabe tudo. Teve isso sim. Essa música era para a Marilia Pêra gravar, na época ele era casado com ela. Mas ela desistiu e ele acabou gravando! Foi o único registro dele como cantor.
Você tem se dedicado, em alguns momentos, a rever seu repertório, como no DVD Meus lados B. Como tem sido a receptividade a esses trabalhos? Alguns desses lados-B entraram no meu show normal. É um pouco de desperdício, eu acho. Acho mais correta a forma como se está lidando com isso comercialmente hoje em dia, é mais correto do que antigamente. Porque antes você era obrigado a lançar um LP com doze músicas. Daí uma tocava no rádio, as outras onze ficavam desconhecidas e daqui a pouco você tinha que fazer mais músicas inéditas. E essas músicas iam ficando para trás. Ficavam muitas músicas bonitas sem tocar no rádio. Por isso é que eu faço questão às vezes de fazer uma revisão na obra.
De regravar coisas? Sim, regravar certas coisas. Porque muitas vezes me pedem música nova e eu só respondo: “Mas por que é que tem que ser nova? Você conhece as músicas antigas minhas? Vamos nas antigas para você ver se tem alguma boa para você regravar”. E às vezes você faz uma mudança de estilo e quando vai regravar, inventa tanto que acaba fazendo outra música.
Você está fazendo alguma modificação na sua banda para apresentar seu lado sambista? É a mesma banda, mas entraram dois percussionistas, o Ronaldo e o Wanderley Silva, que são filhos do Robertinho Silva. Vou tocar um samba que é o meu samba. Não é o samba de quem escuta o estilo mais tradicional, mas está mais para o lado do samba-rock, que é um gênero que tem um monte de seguidores. Já fui nuns bailes em São Paulo e é uma coisa á parte, outro mundo: os dançarinos, os ritmos, é uma festa muito forte.
O disco também foi gravado em imagens, o que tem sido bastante comum hoje em dia. Como foi trabalhar assim? Então, a gente dança conforme a música, se a tendência é essa, vou fazer dessa tendência. É um pouco a contrapartida do pop,né? O pop tornou o show uma coisa maravilhosa, hollywoodiana, uma coisa cheia de gente, de barulhos, de truques, playback… Essa coisa toda. Mas o que faz o som não são esses aparatos, é a sinceridade, a música crua. Essa coisa do audiovisual é ao vivo mesmo, não tem recursos técnicos, o que foi tirado de lá vai para o disco. Não tem mentira. É amor puro pela música.
https://www.youtube.com/watch?v=DfgO9AQZtDQ
Você teve uma queda do palco há três meses. Já está bem? Tive alta, nos shows já vai dar para ficar em pé um pouco. Tenho feito show com o pé quebrado mesmo. Fiz mais dois shows sem engessar, viajando pelo Sul de Minas Gerais. Depois pus uma bota e agora já tirei, está tudo bem.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
Crítica
Ouvimos: Dead Boys, “Live in San Francisco”
A Cleopatra Records, uma gravadora de Los Angeles que se dedica a lançar em edições oficiais-ou-quase antigos discos piratas (boa parte deles de punk rock, psicodelia e pedradas obscuras dos anos 1960) revisita agora o catálogo de bootlegs dos Dead Boys, com esse Live in San Francisco.
O show foi gravado em 2 de novembro de 1977, na época de lançamento da estreia do grupo, Young, loud and snotty (1977) e já esteve nas lojas com vários nomes: Live 1977, Live in Old Waldorf (local em San Francisco onde rolou o tal show), Down in flames, etc. Não muda o fato de que é um piratão legítimo, com qualidade de gravação de demo antiga (foi tirado na verdade de uma transmissão da emissora KSAN-FM) e sem muitos tratamentos. Mostra pelo menos o peso do grupo na época, além de uma seleção de faixas de Young, além de algumas que sairiam só no segundo álbum, We have come for your children (1978).
O material dos Dead Boys seria bastante influente em gerações posteriores do punk, do power pop e até do rock pauleira (Guns N’Roses, por exemplo). A abertura com Sonic reducer e All this and more mostra um estilo de punk rock herdadíssimo de artistas como Alice Cooper, Ramones, David Bowie, Rolling Stones, New York Dolls. Um som que, mesmo antes do vocalista Stiv Bators abrir a boca, já se impunha pela atitude, pelas microfonias e pelo clima descompromissado musicalmente – no nível da desafinação em alguns momentos, como em All this and more, a desbocada Caught with the meat in your mouth e outras, todas aplaudidas por uma plateia audivelmente pequena, mas animada.
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- Stiv Bators: o “outro nome” do punk em documentário
- Entrevista: Frank Secich fala sobre a pouco lembrada (e ótima) carreira solo de Stiv Bators
Flame thrower love, que sairia só no segundo disco, está no álbum ao vivo e já trazia uma diferença em relação ao material anterior: era uma canção punk basicamente construída em cima de um riff pesado, algo bem mais próprio do hard rock. A destrutiva Son of Sam, entre gritos de Stiv e viradas erradíssimas do baterista Johnny Blitz, era formada por uma estranha mescla de pós-punk deprê e acordes poderosos na linha do The Who. No final, a cacofonia de Down in flames, cantada por Bators quase sem voz, e a homenagem aos Stooges com a releitura de Search and destroy, com microfonias no fim.
Os Dead Boys não sobreviveriam, pelo menos inicialmente, ao excesso de drogas, às incompreensões do mercado e a seu próprio comportamento destrutivo. O grupo voltou em 2017 e recentemente anunciou um disco gravado por uma turma all-stars, liderada pelo guitarrista original Cheetah Chrome – disco esse que já causou polêmica porque o vocalista Jake Hout acusa a banda de querer usar a voz do falecido vocalista Stiv Bators em IA. Só vendo, mas o passado, com todos os seus defeitos e qualidades, tá aí.
Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
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