Crítica
Ouvimos: Duran Duran, “Danse macabre”

- Décimo-sexto álbum do Duran Duran, Danse macabre é um disco temático sobre Halloween, com músicas e arranjos “de terror” (no sentido have fun da coisa), com três faixas novas (Black moonlight, Danse macabre e Confession in the afterlife), três músicas do próprio grupo “reimaginadas” (Love voodoo, de 1993, virou Love voudou, Secret oktober, de 1983, virou Secret oktober 31st, e Night boat, de 1981, continua com o título intacto) e releituras de Rolling Stones, Billie Eilish, Talking Heads, Siouxsie and The Banshees e outros.
- A produção foi feita pelo próprio grupo, com colaborações de Josh Blair, Mr Hudson e do veteraníssimo Nile Rodgers (ex-Chic). Os produtores tocam no disco (Nile toca guitarra em Supernature e Black moonlight), ao lado de outros dois convidados especiais: os ex-guitarristas Andy Taylor (em dez faixas do álbum) e Warren Cuccurullo (em duas faixas). Victoria de Angelis (Maneskin) solta a voz na releitura de Psycho killer, dos Talking Heads.
- A formação do DD está hoje quase como em 1981: Simon LeBon (voz), Nick Rhodes (teclados), John Taylor (guitarra e baixo) e Roger Taylor (bateria). Falta só Andy Taylor (que, enfim, está no disco como convidado).
As lembranças do Duran Duran tocando covers são estranhas (para dizer o mínimo). Thank you, disco de releituras feito pelo grupo (1994), traz a banda regravando de Lou Reed a Public Enemy, passando por Bob Dylan e Led Zeppelin (a faixa-título). Fãs mais animados dizem que o disco dividiu opiniões, fãs mais emputecidos costumam dizer que o disco é ruim mesmo. Tem quem goste (eu, por exemplo, dou nota 7), mas não foi das coisas mais seguras para o Duran lançar imediatamente após o sucesso do wedding album, de 1983.
Danse macabre não é apenas um disco de covers: tem releituras, versões reimaginadas do repertório antigo do grupo, algumas novas e, vale dizer, a paleta de regravações não é tão descacetada quanto no caso de Thank you. E ele ainda tem o condimento especial de ser um disco de Halloween. Ou seja: é um disco de festa, com integrantes do DD maquiados e parecendo uma banda pop roteirizada e dirigida por Tim Burton. Até mesmo na escolha de repertório, com uma versão synthpop e pesada de Bury a friend (Billie Eilish); uma releitura de Supernature (Marc Cerrone) que parece feita para entrar numa máquina do tempo e migrar para o palco do Top of the pops da BBC, em 1977 ; a regravação de Ghost town (Specials) em clima de Os fantasmas se divertem; uma Spellbound que homenageia o original de Siouxsie and The Banshees. Por aí.
Aliás, temos episódio do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, sobre Duran Duran.
Para ouvir dias e dias no repeat, tem a interpolação de Lonely in your nightmare, clássico do começo do Duran Duran, com Superfreak, de Rick James (Super lonely freak, o título). Paint it black, dos Rolling Stones, ganhou peso, sintetizadores, e clima de bailão – ficou legal, mas incrivelmente a melhor versão recente dessa música foi feita pelo U2 nos anos 1990. Psycho killer, dos Talking Heads, com Victoria de Angelis (Maneskin), ficou a cara de Love is a drug, do Roxy Music – ou seja, a cara do próprio DD em 1981. Das novas, Confessions in the afterlife traz um clima parecido com o de discos do Depeche Mode como Violator (1990) e Black celebration (1986), mas sem muitas eletronices, e com vocais realmente belos de Simon LeBon.
Discos ruins ou despropositados costumam ser descartados com a frase “daqui a vinte anos ninguém vai estar falando desse disco”. Não faz o menor sentido dizer isso, até porque, do jeito que lançam discos hoje em dia, vai haver uma leva de uns 1.500 discos (bons e ruins) dos quais ninguém deverá estar falando em duas décadas, e isso não chega a ser uma enorme desvantagem. O fato é que o Duran Duran já fez esse disco pensando na diversão do ouvinte, sem pensar se todo mundo vai discutir esse álbum quando os integrantes tiverem 80 ou 90 anos. Ouça hoje e divirta-se. Muito.
Nota: 8
Gravadora: BMG
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: The Mars Volta, “Lucro sucio; Los ojos del vacio”.

Você pode até pensar: “pô, o disco novo do The Mars Volta dura 50 minutos, vou ouvir só vinte minutos e depois escuto o resto…” ou “que legal, saiu disco novo do Mars Volta, vou ouvir enquanto lavo a louça”. Eu acho, francamente, que ninguém faria isso, mas se for o seu caso, pode tirar o cavalinho da chuva: Lucro sucio; Los ojos del vacio, nono álbum da banda texana, vai te sugar para um vórtice auditivo de alta profundidade – e você só vai conseguir voltar à realidade quando escutar tudo.
A Kerrang!, QG jornalístico do metal, classificou Lucro sucio como um disco feito para testar os limites da paciência do/da ouvinte, e ainda disparou que “há uma linha tênue entre a genialidade e a insanidade”. Mas talvez a questão aqui nem seja o quanto o Mars Volta, uma banda progressiva bastante peculiar, é genial. Isso porque Lucro sucio é um disco tão bom, e tão repleto de detalhes para serem descobertos, que ele se presta mais a discussões intermináveis do que a conversas fechadas. Parece que ninguém ali está muito preocupado em parecer “genial”, e muita coisa do álbum soa como diversão musical levada a sério – por sinal, como acontecia em discos de bandas como Gong e Can.
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Lucro sucio não começa: ele decola, com os vocais harmonizados e a ambientação de igreja de Fin, o batidão ambient e dance de Reina tormenta, e a vibe de Sympathy for the devil pós-punk de Enlazan las tinieblas – que lá pelas tantas se parece mais com um Radiohead novobaiano. Até que chega um momento no álbum em que fica claro que o melhor de Lucro sucio é a união de elementos pop e progressivos. É o que surge em faixas como Mictlán e The iron rose, por exemplo. Ou no som latino e calmo, entre Djavan e James Taylor, do soft rock jazzístico Voice in my knives – levado adiante com voz, percussão, violão e piano Rhodes.
Quem é fã radical de climas prog vai curtir a primeira parte de Cue the sun, lembrando o começo do álbum Obscured by clouds (1972), do Pink Floyd. Além do jazz destruidor de Alba del Orate, a lisergia sombria de Celaje, e a balada enevoada Maullidos. E já que o Pink Floyd foi citado, vale citar que o Mars Volta, em vários momentos do disco – e de sua história – parece querer juntar a frieza do progressivo britânico ao soul do Earth, Wind and Fire, como acontece em Morgana e Cue the sun 2. No final, o progressivo latino e espacial da faixa Lucro sucio, que dá parte do título do disco.
Resumindo: Lucro sucio; Los ojos del vacio é uma experiência, mais até do que um álbum.
Nota: 10
Gravadora: Clouds Hill
Lançamento: 11 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Doce Creolina, “Debaixo do chapéu de um cogumelo”

O mais fácil é comparar o Doce Creolina, dupla de Passo Fundo (RS) formada por Julia Manfroi e Mattos Rodrigues, com Júpiter Maçã ou Mutantes – temas doidões são muito comuns no EP de estreia deles, que por acaso se chama Debaixo do chapéu de um cogumelo. Tem muito mais ali: Beach Boys, Rita Lee (a ironia de várias letras e o clima tranquilo de algumas melodias descende direto da Rita de 1980) e até a psicodelia com cara latinesca dos Doors, além de estilos musicais cubanos.
Debaixo… começa com Micelios: sininhos, teclados, percussão abolerada, até que o clima vira para um rock sixties, com guitarra psicodélica. Vanuza tem violão cigano e percussão, com letra cheia de promessas de amor e melodia lembrando uma versão lisérgica dos Gipsy Kings – uma musicalidade que bate também no folk gauchesco e invernal de O vento e o tempo, que encerra o disco.
O lado brega-psicodélico do grupo surge no bolero de Para onde foram os morcegos da Vila Indiana? E também em Tema de marcação, chacundum com cara de Kinks e de Who, mas também ligado a Roberto Carlos e Júpiter Maçã – e que na verdade é releitura de uma canção de teor altamente guerrilheiro, lançada em 1975 pelo cantor gaúcho Leopoldo Rassier.
O EP do Doce Creolina tem ainda um subtexto punk, de protesto, exposto nos textos de lançamento do disco – um manifesto que fala sobre exploração dos recursos da natureza e os destroços do progresso e da civilização. A vibe da dupla é também uma proposta de amor à liberdade, pessoal e musical, seguindo rumo ao último volume.
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 9 de abril de 2025
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Crítica
Ouvimos: Roberta Lips, “En plein coeur”

Quarteto francês formado por mulheres, o Roberta Lips parece um desvio punk-garage rock das riot grrls, com referências óbvias tanto de Bikini Kill quanto de Blondie e Runaways – e até The Damned e Ramones. En plein coeur tem energia próxima da new wave em vários momentos, cabendo punk rocks com órgão e promessas de dancinhas malucas. É o som que brota de faixas como Roberta Lips (a banda tem uma música com seu próprio nome), Cafard e 9 meses.
No final a faixa-título consiste numa guitarra wah-wah que vai crescendo e se sobressaindo na faixa, ao lado de baixo, bateria e vocais. O clima confessional do disco já começa pela capa, com um telefone fora do gancho – En plein coeur, por sinal, abre com um ruído de ligação, e encerra com um telefone ocupado.
Nota: 7,5
Gravadora: Le Cepe Records/Modulor
Lançamento: 28 de março de 2025.
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