Cultura Pop
Dripping Springs Reunion: o Woodstock da música country (ué, teve?)

Os fãs de um estilo musical tão conservador e tão ligado aos (hum) valores americanos quanto o country, não parecem ter muito a ver com o espírito de Woodstock – enfim, com aquela coisa de amor, paz, gente rolando na grama, na lama, drogas, etc. Mas pode acreditar: até esse tipo de som teve sua tentativa de “Woodstock”. Realizado durante três dias do mês de março de 1972, o festival Dripping Springs Reunion é considerado por muita gente séria como uma espécie de equivalente country dos três dias de amor e paz.
O Dripping Springs rolou em um rancho perto de… Dripping Springs, uma cidadezinha no condado de Hays, no Texas, de 17 a 19 de março de 1972. O evento teve participação de nomes como Earl Scruggs, Hank Snow, Sonny James, Tom T. Hall, Tex Ritter, Roy Acuff, Willie Nelson, Loretta Lynn, Merle Haggard e Kris Kristofferson. A ideia era levar o conceito de paz, música e liberdade, embora com três anos de atraso, para o estilo musical. Os ingressos custavam US$ 10, ou um passaporte de US$ 25 para os três dias.
No entanto, o festival é costumeiramente lembrado por um fato básico: apesar do ingresso barato e do patrocínio da Coca-Cola, foi um baita fracasso, com apenas duas mil pessoas curtindo os shows de sexta-feira. No dia em que Willie Nelson tocou, no domingo, essa turma aumentou para doze mil pessoas. Mas não foi o suficiente para cobrir rombo nenhum. No total, 25 mil pessoas resolveram ir lá assistir aos shows – uma ducha de água fria nas expectativas da produção, que chegou prever a ida de 75 mil fãs de country para o local. Chegaram a falar numa segunda edição, que não aconteceria de jeito nenhum, levando em conta que a primeira (e única) já não deu certo financeiramente.
Um texto de Michael Corcoran explica que o grande problema ali foi que o público conservador fã de country jamais aceitaria ir a um festival daquele tipo em que tudo pode acontecer. Inclusive uma chuva torrencial que cobre tudo de lama e acaba lembrando que aquilo tudo não passava de um lugar terraplanado às pressas, como rolou em Woodstock (e felizmente, isso acabou não acontecendo em Dripping Springs). Aliás, muita gente exagerava bastante no otimismo e dizia que aquilo ali seria uma espécie de “super bowl da country music”. Claro que não foi nada disso.
Também rolou por uns tempos a história de que o criador do evento tinha sido Willie Nelson, ou que o festival tinha sido Willie no comando e mais umas atrações de abertura. Na verdade, o Dripping Springs Reunion foi a inspiração para os tradicionais “piqueniques do dia 4 de julho” (aniversário dos EUA) inventados por Nelson – um evento tão tradicional, para o cantor, quanto os especiais de fim de ano de Roberto Carlos. Alguns jornalistas e biógrafos de Nelson dizem que o evento, mesmo tendo sido um esplendoroso fracasso, contribuiu bastante para o sucesso do cantor e para algumas mudanças na música do Texas. E ao que consta, Willie nem sequer era considerado um grande astro do evento (as atenções todas talvez convergissem para Kris Kristofferson e Merle Haggard).
Por algum motivo que só a crítica musical norte-americana pode explicar, foi a partir desse comecinho dos anos 1970 que o som feito em Austin, no Texas, foi rotulado de “country progressivo”. Calma: não que os músicos do estilo tenham passado a fazer canções com solos de sintetizador e climas viajantes. Esse nome maluco foi criado por uma turma para definir uma nova leva de artistas (Kris Kristofferson e Willie Nelson entre eles) que surgia fazendo country com influências de rock dos anos 1960, ligações musicais com Bob Dylan e Neil Young e um certo pé na contracultura – além de uma certa disposição para parecer ser meio fora-da-lei.
O tal festival foi uma espécie de encontro dessa turma toda aí e dos fãs deles – ainda que aparecesse gente se referindo ao convescote ironicamente como “Woodstock do cowboy hetero” ou “dos homens de cabelo curto”. Os produtores do evento – Edward Allen, Michael McFarland, Don Snyder e Peter Smith – saíram em busca de ranchos para fazer o Dripping Springs Reunion. Foram parar num rancho cujos donos estavam cheios de dívidas e curtiram o lugar. Como acontece em tudo quanto era festival, houve uma considerável corrida contra o tempo (houve expedientes de até 20 horas por dia nas vésperas). No fim das contas, montaram uma aparelhagem de som bizarra de enorme, como a região nunca havia visto. A segurança foi assegurada por 123 homens a pé, 40 a cavalo, policiais rodoviários e dois helicópteros.
Se hoje a falta de assessores de imprensa e de uma equipe azeitada de redes sociais transforma qualquer evento num fracasso, imagina numa época em que nem havia internet. Montado num fim-de-mundo isolado por estradas de terra em péssimas condições, e em que nem sequer havia linhas de ônibus, Dripping Springs Reunion teve aquele número baixo de pagantes que você leu no começo do texto, e se tornou um dos eventos mais (er) secretos da história da música pop.
Veículos como a Rolling Stone e o Village Voice cobriram a desgraça e viram que aquilo ali, em termos de “grande encontro dos fãs de qualquer coisa”, estava mais avulso que cebola em salada de frutas, até porque o local não parecia ser dos mais aprazíveis. “O palco fica de frente para uma enorme tigela de terra crua. Não há grama, nem árvores e, consequentemente, nenhuma chance de sombra”, escreveu Grover Lewis na Rolling Stone. “Apenas alguns pagantes chegaram até agora… E eles estão vagando pelo campo enorme e empoeirado como vítimas de alguma catástrofe natural”.
Se você tá agora mesmo procurando vídeos do Dripping Springs Reunion no YouTube, pode esquecer – aparentemente nada do que foi filmado (se é que foi) está no site de vídeos. Há várias fotos por aí, algumas delas mostrando claramente que a turma teve que se acomodar num local que parecia um deserto, e que em certos momentos a coisa mudava e tudo parecia só uma turma se divertindo junto. Mas dar certo, não deu não.
Um detalhe curioso não sobre o evento, mas sobre a região de Dripping Springs, é que em 1983 passou a rolar por lá um festival mil vezes mais bizarro e underground: o Woodshock, no qual tocava todo tipo de banda estranha ou inaudível demais para ser absorvida pelo mercadão. E, sim, o tal piquenique do Willie Nelson teve sua primeira edição lá, em 1973, e conseguiu reunir 40 mil fãs.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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