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Cultura Pop

Dibuk, o demônio: aquela vez em que o coisa-ruim baixou na Regina Duarte

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Bem antes de ser sondada para o cargo de secretária de cultura de um dos governos mais escrotos do qual o Brasil já teve notícia, Regina Duarte – olha que interessante – aparecia na TV representando uma pessoa que recebia um dibuk. Que no folclore judaico (diz a Wikipedia) é um espírito humano que, devido aos seus pecados pregressos, vagueia incansavelmente até que encontre refúgio no corpo de uma pessoa viva.

E olha aí o resultado da possessão de Regina: Dibuk, o demônio, exibido em 28 de julho de 1972 na faixa Caso especial da Rede Globo. O especial tinha no elenco, além dela, Antônio Ganzarolli, Buza Ferraz, Edney Giovenazzi, Ítalo Rossi, Ivan Candido, José Steinberg, José Wilker, Suzana Faini e o orgulho niteroiense (além de dublador do Wolverine) Isaac Bardavid. O programa ganhou até uma propagandinha no jornal O Globo, com Regina, então a namoradinha do Brasil, fazendo cara de malvada. O programa foi tratado com tanto carinho na Globo que, vários anos depois, Boni citou o especial em seu Livro do Boni.

Dibuk, o demônio: aquela vez em que o coisa-ruim baixou na Regina Duarte

Dibuk, o demônio, foi uma história escrita por um jornalista e escritor polonês chamado Sholem Asch e, diz aqui, chegou aos palcos pela primeira vez em 1920. Foi adaptada por Domingos de Oliveira para a TV e ganhou direção de Daniel Filho. Para quem gosta de histórias do outro mundo ou de teorias da conspiração, vale dizer que rolou um “probleminha” que impediu que o programa fosse ao ar na data certa. Quem contou foi a revista Cartaz em 27 de julho de 1972.

Dibuk, o demônio: aquela vez em que o coisa-ruim baixou na Regina Duarte

Olha aí o resumo da história, de acordo com o vídeo do YouTube. Ok, o resumo é meio grande: se ficar sem saco de ler passe logo para o vídeo lá embaixo.

“A história começa no interior de uma sinagoga, onde Hannan (José Wilker) é um brilhante estudioso do Talmude (uma compilação de leis e tradições judaicas, datada de 499 d.C. e consistindo de 63 tratados de assuntos legais, éticos e históricos dos judeus), que tem em seu destino a constante busca de algo que nem mesmo ele sabe exatamente o que é, vivendo a angústia de constantes crises existenciais. Aprofunda-se nas artes místicas da Cabala (uma vertente mística do judaísmo que investiga a natureza divina), procurando respostas para suas indagações, além de viajar por inúmeros lugares. Sua rotina inclui um jejum de seis dias por semana, fazendo refeições somente no sábado.

Em uma visita à sinagoga durante a noite, Hannan revê Leah (Regina Duarte), a filha de Sender ben Henie (Fábio Sabag), um rico comerciante judeu que procura um bom casamento para a filha. Tempos atrás, Hannan fizera algumas refeições na casa de Sender e conhecera Leah, de quem não conseguia tirar os olhos. Passado algum tempo, após muita procura, Sender volta à sinagoga entusiasmado, contando que finalmente havia achado um noivo para a filha. Ao ouvir, Hannan parece cair em uma espécie de transe, morrendo sobre o altar.

No dia do casamento, já vestida de noiva, Leah vai até o túmulo da mãe e se questiona sobre a vida e a morte. Lá, ela se depara com o túmulo de Hannan. Ela segue para o casamento e, na hora de aceitar o pedido, fala em voz grave e se joga no chão, dizendo que não vai se casar e que havia voltado para a noiva, a quem fora destinado, além de afirmar que não sairia dela. Ela estava possuída pelo “dibuk” de Hannan.

Sender ben Henie recorre à ajuda espiritual do rabino Azrael ben Hodos (Ítalo Rossi), que tenta exorcizar Leah e cai em sono profundo. Em um sonho, Nison ben Rifke – pai de Hannan – diz que ele tem coisas importantes a falar sobre seu filho e sobre um acordo seu com Sender, o pai da noiva.

Assim que desperta, Azrael convova uma corte rabinical, onde o espírito poderá dizer o que está por trás da possessão da jovem. O rabino chama o noivo para que se concretize o casamento, dizendo que mesmo que ‘outros mundos’ tenham decretado o contrário, a união seria realizada. Armada a corte, Sender senta-se de um lado, o rabino fica em pé ditando as regras, e três outros rabinos participam da sessão. Após fazer um círculo no chão, Azrael chama a presença de Nison, usando como porta-voz somente um dos presentes. Assim, ele lembra o pacto que fizera com Sender em sua juventude, enquanto este recorda e chora. Os amigos, que casaram-se em datas próximas, fizeram a promessa de que seus filhos, se nascessem de sexos diferentes, teriam de se casar. E Sender quebrou o pacto ao perceber que Hannan era pobre (…)”

E enfim, não dá pra não lembrar de duas coisas: 1) que Regina, a mesma que em 1972 interpretava um texto judaico, foi convidada para assumir um cargo no lugar de um sujeito que se “inspirou” num discurso do ministro da propaganda nazista Paul Joseph Goebbels; 2) que em 2014 a internet foi invadida por memes comparando Regina a Ozzy Osbourne – que por sinal em 1972 estava lançando Black Sabbath vol. 4 à frente do Black Sabbath, uma banda que entendia bem desse lance de espíritos esquisitos.

Com informações de Regina Duarte, a Namoradinha do Brasil

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Ouvimos: Chico Chico, “Estopim”

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Ouvimos: Chico Chico, "Estopim"
  • Estopim é o segundo álbum solo de Chico Chico, produzido por Pedro Fonseca e Rafael Ramos. É o segundo lançamento do cantor pela Deck – em 2023 saiu o EP Espelho. Nomes já conhecidos dos álbuns dele, como Julia Vargas, Tui Lana e João Mantuano, participam do álbum.
  • Pedro, que vem trabalhando com o cantor desde 2023, “entendeu bem essa dualidade das composições, tanto das imagens rurais quanto das urbanas que permeiam meu trabalho e se fazem presente neste álbum”, diz Chico.
  • Nomes como Marlon Sette (trombone), Walter Villaça (guitarra e violão de aço), Thiago da Serrinha (percussão) e Jorge Continentino (sax barítono, flauta e pife) estão na lista de músicos.

Segundo álbum individual de uma carreira bastante voltada a registros em dupla ou grupo, Estopim é o disco mais sistemático (vamos dizer assim) que Chico Chico conseguiu fazer até o momento. E ele conseguiu isso numa gravadora de porte – a Deck -, sem abdicar da identidade própria que havia em todos os lançamentos anteriores. No novo álbum, a voz dele, mais até do que lembrar a da mãe Cássia Eller, soa como vários anos de história da MPB pós-tropicalismo condensados numa pessoa só – numa onda musical que abarca Elis Regina, Luiz Melodia, Gilberto Gil e até Oswaldo Montenegro.

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Nem parece, mas a carreira discográfica de Chico Chico já está prestes a completar dez anos – sua estreia 2×0 Vargem Alta, que era na verdade a estreia epônima de uma banda (formada por ele e vários amigos), saiu em outubro de 2015. A sonoridade quase blues e predominantemente acústica do disco ainda dá as caras em Estopim mas foi sendo acrescida de outros elementos, cabendo o soul forte de Parado no vento (na qual o registro vocal do cantor lembra o de Cazuza), o rock nordestino à moda de Alceu Valença e Raul Seixas em Toada, um som mais pop e suingado em Terra à vista (que por sinal foi o primeiro single do álbum) e uma MPB bem próxima da sonoridade pop setentista em Vai. Além do frevo de Moda do chapéu e do pop com sonoridades arábicas de Acorda Zé.

Quem curtiu músicas folk e brasileiras de Chico como Ribanceira (cujo potencial levou-a à trilha do remake da novela Pantanal) vai ficar feliz com o forró folk ágil de Altiva, gravada com Juliana Linhares, e com a interiorana Urminino, com participação (infelizmente pouco audível) de Julia Vargas. De novidade, tem a experimental Abismo, uma canção cujo arranjo é composto de várias vozes sobrepostas.

Nota: 8,5
Gravadora: Deck.

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Cultura Pop

No nosso podcast, Talking Heads e a época de “Stop making sense”

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No nosso podcast, Talking Heads e a época de "Stop making sense"

David Byrne, Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris Frantz, os quatro integrantes dos Talking Heads, pareciam “artísticos” e diferentões demais para serem uma banda do mainstream – e mesmo na turma que girava em torno do CBGB’s, boteco roqueiro de Nova York, tinha gente que olhava torto pra eles. No entanto, se bobear você conhece pelo menos uma dezena de músicas deles. E sua rádio rock favorita toca pelo menos Psycho killer, And she was e Wild wild life todos os dias. E a última festa rocker que você foi botou geral pra soltar a voz no quase-hit The road to nowhere, ou no batidão Burning down the house.

Naturalmente, um projeto tão aberto a influências e novidades tinha que chegar nas telonas, e lá foram os Talking Heads dar aquela revolucionada no universo dos filmes de shows de rock e lançar Stop making sense (1984), que está de volta aos cinemas, remasterizado. E o Pop Fantasma Documento, podcast do site Pop Fantasma, dá hoje aquele sobrevoo no antes, durante e depois do filme, focando no período que vai do excelente disco Speaking in tongues (1983) ao magistral Little creatures (1985). Ouça, e depois ouça tudo dos Talking Heads.

Século 21 no podcast: Master Peace e Exclusive Os Cabides.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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Crítica

Ouvimos: Laurie Anderson, “Amelia”

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Ouvimos: Laurie Anderson, "Amelia"
  • Amelia é o décimo-terceiro álbum* da musicista de vanguarda Laurie Anderson, cujo tema é o voo solo ao redor do mundo feito pela aviadora norte-americana Amelia Earhart (1897-1937). Pioneira na defesa dos direitos das mulheres e detentora de vários recordes de aviação, Amelia, durante o voo, acabou desaparecendo no Oceano Pacífico, perto da Ilha Howland.
  • Além de Laurie (voz, viola, teclados e eletrônicos) participam do disco a orquestra checa Filharmonie Brno, os norte-americanos do Trimbach Trio, a cantora Anohni (dos Johnsons) e um grupo que inclui músicos como Marc Ribot (percussão) e Martha Mooke (viola).
  • “Amelia estava fazendo uma coisa realmente perigosa. Ela era muito prática, diferente de Charles Lindbergh, que era um piloto de luvas brancas em muitos aspectos. Ela realmente estava trabalhando com os caras sob o capô”, contou Laurie (segundo a Billboard), lamentando que quase cem anos depois do desaparecimento de Amelia, “as meninas ainda não sejam realmente encorajadas a fazer engenharia”.
  • No Grammy 2024, Laurie ganhou uma estatueta pelo conjunto da obra. “Fico feliz do Grammy ter visto o que faço como música, porque eles geralmente ignoram coisas experimentais”, afirmou.

Quem curte sonoridades experimentais e art pop vai se sentir tentado/tentada a dar uma olhadinha no disco novo de Laurie Anderson só de ver a lista de faixas. Amelia tem uma formatação bastante curiosa: são 22 faixas em 34 minutos de duração, divididas na maior parte do tempo em canções de pouco mais de um minuto – há micromúsicas de trinta segundos e algumas (poucas) com duração mais extensa. O recheio também é instigante: Laurie voltou a uma peça musical sua que já tinha sido levada ao palco há 25 anos, sobre a história de Amelia Earhart, uma mulher norte-americana que em 1937 ousou ser a primeira aviadora a dar uma volta solo ao redor do mundo, passando inclusive pelo Brasil – e morreu durante a jornada, após faltar combustível e o contato via rádio desaparecer.

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Amelia faz uma jornada conceitual pela história do voo solo, unindo sons orquestrados, efeitos de som e vocais falados/cantados, além das intervenções de Anohni em seis faixas. A partir de To circle the world, na abertura, fica claro que o foco está nas lembranças póstumas de Amelia (“é o som do motor/o que eu mais me lembro”, recita Laurie) e seu roteiro de viagem – chegando nas tentativas frustradas de comunicação em Radio, tema orquestral e climático que serve como um portal para a personagem, e é seguida pelo encerramento com os ruídos marítimos de Lucky dime. Os problemas enfrentados durante a viagem são musicados e transformados num diário da aviadora – a faixa Brazil, por exemplo, fala em estática no rádio e céu carregado, mas traz uma nota de otimismo: “o céu tem muitas avenidas e ruas/mas você tem que saber como encontrá-las”.

De modo geral, Amelia deve ser entendida como um espetáculo que pode ganhar uma contrapartida multimídia – em filme, peça, inteligência artificial, ou o que o valha – e que, em disco, instiga bastante a imaginação de quem ouve. O vocal de Laurie, sempre firme e relaxante, alivia a tristeza da história de Amelia. Laurie, impactada pelo pioneirismo da aviadora, incluiu também notas de feminismo na história, em The word for woman here e em This modern world, que inclui um pequeno trecho narrado pela própria Amelia (afirmando que “este mundo moderno de ciência e invenção é de interesse particular para as mulheres, pois as vidas das mulheres foram mais afetadas por seus novos horizontes”).

Nota: 8
Gravadora: Nonesuch

* Obrigado a Johann Heyss pela correção – tínhamos escrito que era o oitavo disco

 

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