Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre Mellon Collie, dos Smashing Pumpkins

Butch Vig, que produziu dois discos dos Smashing Pumkins (Gish, de 1991, e Siamese dream, de 1993), costumava dizer que Billy Corgan, vocalista, guitarrista e compositor dos Smashing Pumpkins, era “um pentelho no estúdio”. E isso porque o produtor de Nevermind, clássico do Nirvana (1991), nem trabalhou com a banda no CD duplo (e LP triplo) Mellon Collie and the infinite sadness (1995).
Nesse disco, chegou no auge a obsessão de Corgan por experimentações de estúdio, por gravar e regravar diversas partes, e por investir numa sonoridade “bolo de noiva”, incomum a bandas indies. Todavia, Mellon Collie costuma ser definido pelos outros integrantes da banda (D’Arcy Wretzky no baixo, James Iha na guitarra e Jimmy Chamberlin na bateria) como tendo sido um álbum de elaboração mais tranquila que os antecessores. Afinal, no novo disco, pelo menos Corgan não resolvera morar no estúdio. Ou pressionar seus companheiros até causar estresses graves (e problemas de relacionamento mais graves ainda). Principalmente, não resolveu regravar todas as partes de guitarra e baixo porque não gostou das colaborações dos coleguinhas (isso aconteceu em Gish).
SEMIACÚSTICO
Diz a lenda que Corgan não curtiu o som de seus pedais quando Siamese dream foi levado para os palcos. Daí o objetivo principal do cantor, compositor e déspota dos Smashing Pumpkins era fazer com que o disco tivesse o poder da banda ao vivo. Sobretudo, com tons alternando momentos acústicos e elétricos, na mesma dualidade calma-e-pesada dos shows da banda.
Outra vontade do compositor era, finalmente, pôr no disco uma série de pensamentos que rondavam sua cabeça desde que era bem novinho – Mellon Collie era basicamente um tratado sobre amadurecimento, autoestima e raiva adolescente. Da mesma forma, era igualmente importante continuar na dianteira do “rock alternativo” (muito entre aspas, porque entre 1995 e 1998 houve pouca coisa tão mainstream no estilo do que os Pumpkins). E permanecer sendo o porta-voz de uma juventude oprimida e indefesa. Conseguiu: Mellon Collie and the infinite sadness vendeu a rodo, estourou hits como 1979 e Tonight, tonight. E, enfim, se tornou “aquela obra” que resume todo o trabalho de um artista.
FESTA DA MELANCOLIA
O clássico Mellon Collie completou 25 anos agora mesmo, dia 24 de outubro. A ideia da banda era comemorar o niver com shows, mas a pandemia do coronavírus impediu, e tudo ficou adiado para 2021. Por fim, vem mais aí: a banda vai lançar uma continuação do disco, no segundo semestre do ano que vem, com mais 33 (!) canções.
Entramos na comemoração e segue aí nosso relatório sobre o disco. Leia ouvindo. Ouça lendo.
DILEMA. Sujeitinho problemático por natureza, Corgan dava voltinhas na sala na época de Mellon Collie and The Infinite Sadness. O sucesso de Siamese dream tinha feito com que tanto a crítica, quanto a própria gravadora (Virgin), não deixassem de achar que havia algo meio estranho naquela banda de aparência e musicalidade incomuns. Isso mexia com demônios (muito) internos do cantor.
COMO ASSIM? O próprio Corgan te explica. “Fui criado em uma casa onde nada nunca era bom o suficiente e, quando cheguei ao topo, esperava que finalmente fosse tipo, ‘OK, Billy, você está no clube’. Mas não funciona assim. Uma crítica muito comum para Mellon Collie era: ‘O astro do rock mais improvável. Como esse cara chegou aqui?’. Era como estar em um livro de Kafka. Eu ficava pensando: ‘Quando vai ficar bom o suficiente?’ Psicologicamente, foi devastador”, desabafou.
TINHA CONCEITO EM ‘MELLON COLLIE’? Bom, tinha e não tinha. Corgan pessoalmente não gostava do termo “disco conceitual” e dizia que o novo álbum era bem mais “vago” que os anteriores. Mas dividiu os dois CDs de Mellon Collie em “dia” (ou “dawn to dusk”) e “noite” (ou “twilight to starlight”). Em entrevistas, dizia que basicamente pensava em expressar tudo o que se passa na cabeça de um garoto de 14 anos. “Estou dando tchau para mim no espelho retrovisor, dando um nó na minha juventude e colocando-a debaixo da cama”, afirmou. Além disso, afirmou que Mellon Collie é um disco baseado na “condição humana da tristeza mortal”.
ALIÁS E A PROPÓSITO, nas primeiras entrevistas que Billy deu para explicar qual era a do disco, ele costumava chamar Mellon Colllie de “The wall da geração X”, numa referência à ópera-rock do Pink Floyd (1979).
IDADE DE OURO. Em entrevistas, Billy Corgan revelava que sua adolescência tinha sido mais próxima possível do que se entende como “normal”. Mas que não se identificava com grupo nenhum. Ele chegou a fazer esportes, mas não andava com os esportistas. Ouvia rock e tocava guitarra, mas não era amigo dos doidões da turma. “Não conseguia me adaptar de forma alguma. Se você é jovem e é assim, vira o oponente. Então eu era o anti-qualquer coisa, foda-se”, revelou.
ZERO. Se você era fã de rock nos anos 1990 e consumia revistas de música, deve ter visto milhares de vezes a icônica foto de Billy Corgan com uma camisa preta onde se lia a palavra “zero” em letras prateadas. Era o nome da primeira música a ser gravada para o disco, que também ganhou single e clipe. A camisa era um modelo fora de linha de uma empresa de skate chamada Zero Skateboards. E virou o uniforme de Corgan, usada por ele em shows, em clipes (o de Bullet with butterfly wings) e numa foto do encarte de Mellon Collie.
O POVO QUER SABER. Entrevistado para a Spin em junho de 1996 – quando Mellon Collie já era um best seller – Corgan ouviu do repórter Craig Marks a pergunta que não queria calar: quantas camisas “zero” ele tinha? “Bom, mais de uma, obviamente. O super-herói precisa de um uniforme”, disse.
“ZERÓIS” DO ROCK. A mesma Spin revelava que os fãs tinham se identificado bastante com o “zero”. Tanto que num show que os Pumpkins haviam feito no Japão, em fevereiro de 1996, camisas com a palavra eram vendidas por 3.500 yens. Aliás, vale dizer que o fato de a camisa estar fora de linha fez uma turma enorme começar a piratear a peça.
PRODUTORES QUERIDOS. Para “sair da zona de conforto”, Corgan decidira em Mellon Collie não repetir a dobradinha com Butch Vig – que, de todo jeito, já estava ocupado demais tramando o lançamento de sua banda, Garbage. Mark “Flood” Ellis, que trabalhara com U2, Depeche Mode e PJ Harvey, e Alan Moulder (que mixou Siamese dream) foram os escolhidos para orientar a banda numa jornada de trabalho que durou dez meses, com 12 a 16 horas de trabalho por dia (!). Corgan dividiu os trabalhos com a dupla.
ALIÁS E A PRÓPÓSITO, nos últimos dias de Mellon Collie, dizem testemunhas, a banda mal dormia, ocupando o estúdio por vinte horas (!).
MUDOU TUDO. Lá para abril de 1995, a banda começou a gravar Mellon Collie, só que num método de trabalho completamente diferente. Em vez de um estúdio convencional, ocuparam seu espaço de ensaio em Chicago, a Pumpkinland. A ideia inicial – soprada no ouvido da banda por Flood – era que os músicos produzissem demos, mas o material acabou servindo de base para tudo que se ouve no disco. Flood também incentivou a banda a dedicar tempo a jams e composições novas.
VOZ DA EXPERIÊNCIA. O rodado Flood também foi fundamental numa séria mudança de paradigma dos Smashing Pumpkins. A banda se sentiu compelida a perder os próprios preconceitos em relação a certos estilos musicais.
ROLOU MARLEY. “Ele te ensinaria a enfrentar seus próprios medos, que te impedem de entrar em algo”, contou Corgan. A dada altura, Flood sugeriu à banda tentar até uma levada de reggae (estilo que, de fato, nada tem a ver com os SP) numa faixa. “Flood faria você enfrentar esses preconceitos internos, do que é legal e do que não é”.
DUPLA. O fato de terem dois produtores para gravar o disco fez com que a banda mudasse algumas técnicas comuns de gravação. Antes, ainda que Billy Corgan adorasse gravar 200 partes de guitarra e vocais, a banda usava apenas uma sala para tudo, deixando músicos ociosos e estressando o processo. Quem precisasse gravar, que ficasse esperando. Dessa vez, a banda usou duas salas de gravação: Flood ia para a sala A com Corgan, e Moulder para a sala B com Iha e D’Arcy. Isso foi fundamental para que o clima melhorasse e as tendências tirânicas de Corgan fossem reduzidas. Em seguida, a turma se mudou para o Chicago Recording Company.
DIGITAL E ANALÓGICO. A mistura dos dois processos deu samba. Ou melhor: deu grunge progressivo com músicas de dez minutos. Flood gravava Corgan numa placa MCI e Moulder cuidava do ex-casal D’Arcy e Iha à base de gravadores de fita digital Tascam e Pro-Tools.
CORTA E COLA. Por causa disso, alguns milagres foram conseguidos com rapidez, como a combinação das setenta (!) partes de guitarra de Thru the eyes of Ruby. E a união das seis partes diferentes (gravadas com instrumentos e microfones igualmente diferentes) da quilométrica Porcelina of the vast oceans.
DÁ PRA FALAR MAIS ALTO? Corgan recorda-se de que, para garantir que Mellon Collie soaria como nos palcos, as gravações transcorriam em volumes ensurdecedores no estúdio. “Era fisicamente desconfortável. Seus ouvidos, sua resistência emocional, se desgastariam”, admitiu o músico. Por outro lado, Flood (aproveitando-se da experiência adquirida com o U2) descobriu que Corgan se soltava como cantor quando não usava fone de ouvido. Pôs caixas na frente dele e um microfone em sua mão.
BATERA. Além disso, Jimmy Chamberlin, baterista com treinamento em big bands, entrou na neura de Corgan por microfonações diferentes, e passou a alternar microfones para gravar músicas. Isso, na medida em que queria que os tambores e pratos soassem com mais ataque ou “como uma seção rítmica”.
ALIAS E A PROPÓSITO, os drum rolls de Tonight tonight, a segunda faixa do disco, foram feitos numa caixa Ludwig Supra-Phonic de 5 1/2 x 14 polegadas, do próprio Jimmy. Que por sinal pode ser sua pela bagatela de R$ 1.654,59. Afinal, o músico pôs várias peças clássicas de sua coleção à venda há alguns anos.
GRANDE COMPOSITOR. Corgan compôs praticamente tudo em Mellon Collie, menos as quietas Take me down e Farewell and goodnight, de Iha. O guitarrista assinava alguns lados B da banda e era tido como uma arma secreta dentro do grupo, mas Corgan o deixava de fora de quase todo o processo criativo. “Eu gosto dele, mas muitas vezes as composições de Iha não se encaixam no conceito do disco. Em outras ocasiões, elas são ruins”, chegou a dizer Corgan à Rolling Stone.
CONFESSIONAL. O tom pessoal das letras de Mellon Collie acabou arrebanhando mais fãs para o grupo, sobretudo pelo aspecto impenetrável de algumas músicas. Num texto, o site Genius chama a atenção para o fato de que há várias especulações sobre o nome da acústica Stumbleine – Billy Corgan diz que é um nome de mulher, e vários fãs creem ser uma referência a Thumbelina, conto de Hans Christian Andersen. A pesada X.Y.U., definida por James Iha como “perturbadora”, teria este título porque para o narrador, tudo termina com o “você” (you, ou a letra U, substituindo Z, última letra do alfabeto). Enquanto a Porcelina de Porcelina of the vast oceans é uma “amante esquiva” que balança o sistema de crenças de seu amado, e o leva até onde ela quiser.
CAPA. O rico material que você vê no trabalho gráfico de Mellon Collie partiu de colagens feitas por um artista de Pittsburgh, John Craig. A banda chegou até ele por sugestão do diretor de arte do disco, Frank Olinski. Inicialmente, ele faria apenas as ilustrações internas, mas a banda curtiu seu trabalho e ele acabou fazendo tudo.
COMO FOI FEITO. Corgan mandava esboços e anotações por fax, e Craig tentava trazer aquilo à vida, seja por intermédio de colagens ou de ilustrações. Para unir tudo, Craig usou uma fotocopiadora colorida. “É o CSI das capas dos álbuns”, disse Craig. “Em qualquer colagem, estou sempre testando todas as possibilidades”.
GAROTA DA CAPA. Aquela moça sonhadora do invólucro de Mellon Collie também é uma das colagens de Craig, por sinal. O rosto dela veio de uma pintura intitulada The souvenir (Fidelity), do francês Jean-Baptiste Greuze (1725-1805). Já o corpo veio do retrato de Santa Catarina de Alexandria pintado pelo renascentista Rafael (1483-1520).
PERGUNTAS. O site Illustration Chronicles entrevistou Craig, fez um belo texto e encerrou com ideias interessantes sobre porque a capa de Mellon Collie é tão atraente. “As ilustrações são misteriosas. Eles sugerem histórias e narrativas e o convidam a encontrar suas próprias interpretações. Quem sabe para onde está indo a garota da capa? Quem pode dizer por que ela está triste? E quem pode dizer aonde essa melancolia a levará? Por essas razões, as ilustrações de Craig funcionam. E é por causa disso que a garota se tornou um ícone indelével na história da música e da ilustração”, escreveram lá.
SAIU! Mellon Collie and the infinite sadness chegou às lojas no dia 24 de outubro de 1995. Embora houvesse muita melancolia no disco, era hora de festa. A banda deu um show no Riviera Theatre e fez uma transmissão de rádio na noite anterior, para celebrar o lançamento. O álbum chegou ao número 1 da Billboard na semana seguinte. E por fim, juntou-se ao seleto grupo (The wall, Thriller, Rumours) de clássicos agraciados com um disco de diamante (mais de 10 milhões de cópias vendidas). Ou seja: aquele disco que dá a impressão que “todo mundo tem” em casa, e que quase todos os fãs de rock já viram a capa ou conhecem pelo menos uma música. E que, por fim, de vez em quando vira viral.
O VINIL QUE SUMIU. Como era comum nos anos 1990, Mellon Collie ganhou uma versão em vinil (triplo!), que não ficou muito tempo nas lojas e teve apenas três mil cópias prensadas. O disco já ganhou alguns relançamentos. Entre eles um box que está hoje nas plataformas digitais, com quase seis horas de duração (!) e boa parte do material que a banda gravou nas sessões.
CLIPES. Cada single de Mellon Collie ganhou um clipe: Bullet with butterfly wings, 1979, Tonight tonight, Zero e Thirty three. O de 1979 marcou época por trazer adolescentes vida loka se divertindo num Dodge Charger, zoando numa festa e arrumando encrenca na rua. Todos os integrantes fazem pontas (Corgan aparece o tempo todo no banco de trás de um automóvel). E a banda toca numa cena de festa. Aliás, o vocalista declarou que, na concepção original dele, o clipe seria bem mais destrutivo. “A loja de conveniência terminaria destruída, por exemplo”, conta.
MAS COMO VOCÊ DEVE SABER, o clipe de 1979 quase não sai porque a equipe esqueceu as fitas com as imagens em cima de um carro. O material sumiu quando o motorista arrancou com o automóvel. A banda já estava em Nova York para um show e precisou voltar para Chicago para refazer a cena da festa.
ALIÁS E A PROPÓSITO, no meio da turnê de Mellon Collie, Corgan tomaria uma decisão da qual se arrependeria amargamente. Continuou com o giro mesmo após o tecladista de turnê, Jonathan Melvoin, morrer de overdose em 11 de julho de 1996, enquanto tomava heroína com Jimmy Chamberlin.
MAS O QUE HOUVE? Desacordados, os dois tomaram injeção de adrenalina no coração (que nem na famosa cena de Pulp fiction, de Quentin Tarantino) mas o tecladista não resistiu. O batera foi preso por posse de heroína e expulso. Mas ficou na turnê até o fim, “senão quem fica na roubada somos nós”, decretou Corgan.
POR SINAL, Melvoin (34 anos em 1996) já era mais velho e bem mais experiente que os patrões. Iniciara a carreira como baterista de bandas punk, como The Dickies. Depois que se profissionalizou, integrou o The Family, um dos projetos de Prince, que fez a primeira versão de Nothing compares 2 U, aquela mesma que Sinéad O’Connor transformaria em hit em 1990. Suas irmãs, as gêmeas Susannah e Wendy Melvoin, integravam uma das bandas do cantor, The Revolution. E o próprio Prince homenageou Melvoin com a canção The love we make.
MAS Chamberlin acabou fazendo falta ao grupo, como o próprio Corgan admitiu. Lá por 1998, gravando Adore, a banda recorreu a um pequeno rodízio de bateras. Em seguida, os Smashing Pumpkins, já com Jimmy de volta, gravariam Machina/The machines of God em 2000, seguido de Machina II/The friends & enemies of modern music, do mesmo ano – este último, dado de graça para fãs baixarem na internet.
ADOLESCÊNCIA FELIZ. Aproveitando o hit 1979, a Spin perguntou a Corgan, Iha e D’Arcy… como era a vida deles em 1979. Iha morava no subúrbio de Chicago e passava o dia, principalmente, indo às casas de amigos e “rindo dos clipes de Prince e Bruce Springsteen na MTV, que nem Beavis & Butthead. Não era uma existência ruim, mas esteticamente falando, não era dos melhores lugares para se estar”. D’Arcy tocava oboé e violino, fazia atletismo e, certa vez, foi tirada da escola pelos pais para viajar pelo México, Texas e Arizona. Corgan, aos 12, era um garoto grandão (maior que seus colegas de classe) que jogava baseball. Aos 14, já estava tocando guitarra.
E já que você chegou até aqui, talvez curta relembrar que uma banda brasileira de Goiânia, Réu e Condenado, parodiou o trabalho gráfico de Mellon collie no disco Um compêndio lírico de escárnio e dor, de 2005.
ALIÁS pega também os Smashing Pumpkins lançando Mellon Collie… no palco do festival Hollywood Rock, no Rio, em janeiro de 1996. Pois é: para o público brasileiro, o duplão dos SP teve uma vantagem em relação a The wall, Rumours e outros best sellers de diamante. Os fãs puderam ver o material do disco ao vivo e a cores por aqui imediatamente (eu tava lá).
Com informações de Music Radar, Uncut, Stack e Spin.
Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), a Substance (New Order), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, a London calling (Clash), a Fun house (Stooges), a New York (Lou Reed), aos primeiros shows de David Bowie no Brasil, a Electric ladyland (The Jimi Hendrix Experience) e a Pleased to meet me (Replacements). E a Dirty mind (Prince). E a Paranoid (Black Sabbath). E a Tango in the night (Fleetwood Mac).
– Além disso, demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais Smashing Pumpkins no POP FANTASMA aqui.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
Ver essa foto no Instagram
O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
- Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
- Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
- Notícias8 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
- Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
- Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
- Cultura Pop7 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
- Cultura Pop9 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
- Cultura Pop8 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?