Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre Electric Ladyland, de Jimi Hendrix

Nada continuou o mesmo depois que Electric ladyland, terceiro disco de Jimi Hendrix (ou melhor, de sua banda, o Experience) foi feito, em 1968. Ponto final.
Black Sabbath, estreia do grupo homônimo, formatou o heavy metal, certo? Já o álbum duplo de Hendrix fez só um pouco mais que isso: foi a pedra inicial do hard rock setentista, do metal, do stoner rock, da união de som pesado e psicodelia, do rock progressivo. Inspirou blueseiros, jazzistas e músicos como Santana e Prince. Deu razões para vários músicos resolverem controlar seus próprios discos, sem nenhum produtor almofadinha por trás. Pôs no imaginário pop a figura do músico que usa a sala de gravação como um instrumento – e na época do disco, Hendrix já concebia seu estúdio, que ficaria pronto em 1970 e se chamava (se chama, aliás) justamente Electric Lady.
Electric ladyland, comparado com a produção do rock da mesma época, deixou um furo tão grande no tempo que, em 1968, não havia tanta gente capaz de dimensionar isso. Por mais que Sgt Pepper’s, dos Beatles, tivesse sido lançado no ano anterior, Hendrix e seus colegas Mitch Mitchell (bateria) e Noel Redding (baixo) conseguiram transformar a psicodelia em algo quase palpável, criando um modelo para quem quisesse unir peso, distorções e viagens psicodélicas. Não havia orquestras, letras “cinematográficas” ou algo do tipo. E boa parte do material era só guitarra, baixo e bateria gravados com apuro técnico, além de improvisos de grosso calibre.
Hendrix e o técnico de som Eddie Kramer faziam brincadeiras com a estereofonia (a guitarra que-passa-de-um-canal-para-o-outro de All along the watchtower, cover de Bob Dylan, causou uivos em músicos em 1968) e inseriam nos sulcos do vinil canções tão cheias de efeitos (como a vinheta introdutória …And the gods made love) que faziam com que muita gente pensasse que o disco estava com defeito de prensagem. Sim, isso aconteceu bastante.
No mais, havia improvisos de mais de dez minutos, em Voodoo child (Slight return). Havia instrumentais meditativos, como na segunda parte de 1983… (A merman I should turn to be). Tinha também balanços pesados como Cross town traffic e Gipsy eyes. E numa época em que a sofisticação barroco-progressiva começava a invadir o terreno das baladas radiofônicas (A whiter shade of pale, do Procol Harum, tinha virado chiclete de ouvido em 1967), Hendrix respondia à altura com Burning of midnight lamp.
Lembrando dos 50 anos da saída de cena de Jimi Hendrix, vai aí nosso relatório sobre Electric ladyland. Leia e ouça em alto volume.
SUCESSO, ENFIM. O Jimi Hendrix Experience já fazia sucesso em 1968. Mas a sensação do trio naquele ano era de que as coisas tinham dado certo de verdade. Não faltava grana, a perspectiva era de que o terceiro disco do grupo fosse gravado com tempo ilimitado de estúdio e, em especial, Jimi poderia gravar as canções assim que elas fossem feitas – o que cortava um pouco da pressão que rolou nos primeiros discos.
ISSO PORQUE os primeiros discos de Hendrix, Are you experienced? e Axis: bold as love, ambos de 1967, foram gravados rapidamente. Além da necessidade de ter algo nas lojas para satisfazer os fãs, o circo em torno de Hendrix exigia trabalho e lucros rápidos, e shows a todo momento. O ano de 1968 iniciou com a primeira grande turnê do grupo pelos Estados Unidos – com direito à volta triunfal de Hendrix à sua cidade natal, Seattle, em 12 de fevereiro.
SEM PRESSA. Essa rapidez para gravar era justamente o que Hendrix não queria repetir. Grande fã de improvisos musicais, ele estava cada vez mais envolvido com a ideia de gravar um álbum autoproduzido e cheio de jams – e, por acaso, estava meio cansado de ser vendido como um “artista pop”.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Hendrix também costumava se queixar em entrevistas que os técnicos e produtores americanos só queriam manter a máquina funcionando e não estavam “nem aí” para o artista ou para a qualidade da música. “Dá para sentir que falta o ser humano, que o estúdio só está interessado na conta, nos 123 dólares por hora”, resmungava com o primeiro repórter que encontrasse.
CHAS SAIU. Em busca de mais liberdade no estúdio, Hendrix definiu que ele próprio tomaria conta das gravações de Electric ladyland – alienando um de seus principais colaboradores, o empresário e produtor Chas Chandler, que começou dividindo os serviços de produção com ele. Chas tinha investido na carreira de Hendrix, pagou do próprio bolso a gravação do single Hey Joe e produzira os primeiros discos. Só que ao reparar que as sessões de gravação estavam ficando meio descontroladas, com músicas feitas em cima da hora e jams que não tinham hora para acabar, achou que estava na hora de deixar o disco para lá. Acabou deixando Hendrix e foi empresariar o Slade, banda glam-casca-grossa que iniciava carreira na Inglaterra.
DO MAL. O guitarrista não ficou sozinho: o empresário Mike Jeffery, que dividia o trabalhos com Chas desde 1967 e financiava parte dos serviços, ficou tomando conta do Experience. Mas antes só do que pessimamente acompanhado. Quase todos os biógrafos de Hendrix concordam que Jeffery foi o maior vilão que Hendrix teve naquele período: enriqueceu graças ao trabalho duro do guitarrista, desviava cachês de shows para contas nas Bahamas, roubava direitos autorais do músico e, dizem várias testemunhas, chegou a simular o sequestro de Hendrix para ameaçá-lo caso denunciasse os roubos ou o dispensasse.
ALIÁS E A PROPÓSITO Pessoas ligadas a Hendrix contam que o guitarrista reclamava de ter que fazer shows em tudo quanto era canto em meio às gravações de Electric ladyland, justamente por causa de uma agenda extenuante montada por Jeffery.
APERTA O PLAY. A gravação de Electric ladyland havia sido iniciada pelo Experience de maneira absolutamente informal, em diversos estúdios nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre julho de 1967 e janeiro de 1968. Em março de 1968, o trio, ainda ao lado de Chas, entrou no moderníssimo Record Plant Studios, em Nova York, para dar um acabamento naquele monte de jams e ideias. O objetivo de Hendrix era criar um disco que mostrasse os vários lados de seu trabalho como guitarrista, e de sua banda, mas que apontasse para um “funk elétrico”.
EDDIE KRAMER. O “técnico de som de Jimi Hendrix”, como ficou conhecido, já tinha trabalhado com bandas como Kinks e Beatles e vinha trabalhando com o guitarrista havia alguns anos. Foi tão responsável pelas experiências de Electric ladyland quanto ele, e embarcava em todas as viagens de Hendrix. Em entrevistas, lembrou que o grande trauma do guitarrista era sua voz, que considerava horrível. “Mas eu não diria que ele tivesse pontos fracos”, contou Eddie.
GARY KELLGREN. O outro técnico de som de Ladyland não era fraco, não. Gary trabalhara como engenheiro de som em discos como The Velvet Underground and Nico (1967) e foi um dos fundadores da pequena rede de estúdios Record Plant, que iniciara em 1967 em Manhattan. Electric ladyland seria o primeiro a sair das salas do recém-inaugurado estúdio em Nova York. Kellgren foi encontrado morto sob circunstâncias misteriosas ao lado da namorada na piscina de casa em 1977 aos 38 anos. Existe um site recordando seu trabalho.
NÃO É BAGUNÇA, NÃO. Logo que as gravações se iniciaram no Record Plant, ficou claro que o trabalho precisava de uma gerência mais firme – Chas, descontente com isso, como você já leu lá atrás, pulou fora. Hendrix fazia questão de repetir músicas diversas vezes, regravar diversas partes, compor no estúdio, etc. Em vários momentos, convidados e amigos apareciam no estúdio, tiravam o foco de todo o mundo e transformavam o clima em algo mais parecido com o de uma festa. Aos trancos e barrancos foi dando certo.
TRIO? Apesar do projeto ser creditado a Jimi Hendrix Experience, Electric Ladyland era o trabalho mais solo de Hendrix até então. O guitarrista tocou baixo em diversas músicas, até porque Noel Redding já estava com um pé fora do grupo e planejava outras coisas. Hendrix tocou também piano, percussão e até kazoo (é o barulho que aparece logo após a introdução de Cross town traffic). Animado com os trabalhos em estúdio, Hendrix achava que tocar várias coisas o ajudaria a pesquisar efeitos musicais e via seu baixo como sendo mais funky que o do amigo.
CONVIDADOS. O próprio Hendrix já estava com o pé fora do Experience, que considerava limitador, e chamou um monte de gente para tocar com ele no disco. A ficha técnica de Electric ladyland, como era comum naquela época, não creditava ninguém, mas passaram pelo Record Plant nomes como Steve Winwood (Traffic, órgao), Dave Mason (Traffic, vocais de apoio), Buddy Miles (bateria). Outro integrante do Traffic, Chris Wood, tocou flauta em 1983.
BRIAN JONES. O guitarrista dos Rolling Stones, que morreria em 1969, tocou percussão em All along the watchtower. E não só isso: ele também tocou piano numa versão da música que ficou de fora do disco. Bom, “tocou”, em termos: segundo testemunhas, Brian estava doidão e começou a tocar o instrumento durante a gravação sem ser solicitado, atrapalhando Hendrix e os outros músicos. Eddie Kramer resolveu o problema convidando Jones para “ouvir o que tinha sido gravado” – o músico levantou do banquinho, desabou na mesa de som e todo mundo terminou o trabalho rapidamente.
PEGADOR. Mesmo sempre envolvido com alguma namorada, Hendrix aproveitou bastante o clima de paz e amor dos anos 1960. Tanto que Electric ladyland era dedicado a elas, as groupies do Experience – que ele costumava chamar de “electric ladies”. São elas as mulheres elétricas da letra de Have you ever been (To Electric Ladyland).
DYLAN. Em Electric ladyland, Hendrix aproveitou para homenagear Bob Dylan, gravando sua All along the watchtower. A gravação de Hendrix se tornou o single mais vendido do Experience. O tema acústico gravado pelo autor no disco John Wesley Harding, de 1967, virou funk elétrico nas mãos de Hendrix, com as tais guitarras com “eco panorâmico”.
POR SINAL, a homenagem vinha na hora certa: foi justamente Dylan, com seu vocal esganiçado, que deu a Hendrix a certeza de que poderia também cantar. O compositor passou a cantar sua própria música com arranjo parecido com o de Hendrix e chegou a afirmar que ele melhorou a canção.
APERTA O STOP. Em outubro de 1968, Hendrix colocou o último acorde em Electric ladyland, em meio a mais uma turnê pelos Estados Unidos. As novas turnês foram dando mais ainda no saco do guitarrista, que se via como um prisioneiro de plateias e vendedores de shows. “Quem quer passar oito dias por semana sentado num avião para chegar e ver a cara das pessoas dizendo: ‘Você vai tocar fogo na guitarra hoje?'”, chegou a afirmar. “Os produtores nos veem como máquinas de fazer dinheiro e não têm confiança na gente. É um mundo cão. Eu sempre sei diferençar quem está sendo artificial e quem faz música de verdade, quem se importa com a música e com o que os músicos estão fazendo”.
SAIU! As primeiras cópias de Electric ladyland saíram em setembro de 1968. O esmero de Hendrix, ainda que tenha desagradado colaboradores, deu certo: o álbum foi o maior sucesso comercial de Hendrix e voou para o topo das paradas nos EUA. No Brasil, o disco saiu – como aconteceu também com Tommy, do Who – resumido a um só disco.
CD CONFUSO. Quando Electric ladyland saiu em CD, as primeiras edições traziam um erro que se tornou comum na transcrição de antigos LPs duplos para o formato. Boa parte das antigas edições em vinil de álbuns duplos trazia os lados A e D num disco e B e C num outro. A ideia era facilitar as coisas para quem ouvia o álbum em toca-discos automáticos. Os primeiros CDs trazem os lados 1 e 4 no primeiro CD e assim por diante.
BAIXINHOS DO HENDRIX. O assunto “capas de disco” sempre foi delicado para Hendrix e para o Experience, desde o primeiro disco – as gravadoras sempre faziam modificações ou impunham ideias que ele detestava. No caso de Electric ladyland, Hendrix havia enviado para a Reprise, sua gravadora nos Estados Unidos, uma carta manuscrita pedindo que a firma usasse na capa uma foto de Linda Eastman (futura esposa de Paul McCartney) em que a banda posava com crianças na escultura de Alice No País das Maravilhas no Central Park.
SEM BAIXINHOS. A Reprise fez questão de ignorar os pedidos de Hendrix e pôs na edição americana uma foto do guitarrista feita por Karl Ferris (o site Dangerous Minds publicou o histórico dessas capas indesejadas do terceiro álbum do Experience, com várias imagens, inclusive da tal carta do guitarrista). É a imagem que ilustra essa matéria.
MULHERADA. A edição britânica, lançada pela Track Records, acabou se tornando a mais célebre: o fotógrafo David Montgomery reuniu mulheres das mais diversas etnias, nuas num estúdio, e clicou a imagem. Deu merda: várias lojas se recusaram a vender o disco e o próprio Hendrix detestou a imagem, que classificou de apelativa (“e elas ainda por cima ficaram feias na foto”, reclamou).
COMPRA, TIO. Montgomery vende cópias dessa foto em seu site pela bagatela de três mil dólares.
DEU MAIS MERDA DEPOIS. O Experience acabou durante a turnê de Electric ladyland. Hendrix, que nos últimos tempos falava até que queria “montar uma grande orquestra” e se dizia influenciado por compositores eruditos, foi tocar com outras pessoas. Em 1970, gravou Band of gypsys, seu último disco, com Billy Cox no baixo e Buddy Miles na bateria. E a capa teve mais problemas: a Track Records decidiu fazer das suas e pôs na capa um cenário que mais lembra um canteiro de obras, ou uma telha de amianto. Na frente, bonecos de Hendrix, Brian Jones, Bob Dylan e do DJ John Peel, meio amontoados. Na contracapa, um boneco de Hendrix. O guitarrista, canhoto, é retratado como destro na imagem (e já falamos disso aqui).
E já que você chegou até aqui, adivinha só que artista brasileiro é bastante influenciado por Jimi Hendrix e por Electric ladyland? Acertou quem disse Falcão, o humorista cearense. No clássico Prometo não ejacular na sua boca, ele incluiu na cara de pau o verso “e pelas marcas de pneu nas suas costas/eu vejo que você também andou se divertindo”, tradução literal do “tire tracks all across your back, uh-huh, I can see you had your fun”, de Cross town traffic.
Com material dos livros Jimi Hendrix’s Electric Ladyland, da série 33 1/3, escrito por John Perry, e Jimi Hendrix por ele mesmo, organizado por Alan Douglas e Peter Neal.
Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), a Substance (New Order), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, e a London calling (Clash). E a Fun house (Stooges). E a New York (Lou Reed). E aos primeiros shows de David Bowie no Brasil.
– Demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais Jimi Hendrix no POP FANTASMA aqui.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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