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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre All Things Must Pass, do George Harrison

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Várias coisas que você já sabia sobre All Things Must Pass, do George Harrison

O único beatle que aparecia sorrindo na capa do disco Let it be (1970) era George Harrison. Mas ao contrário da alegria da foto, o autor de Something aparecia em crise durante o filme, brigando com os colegas e agindo como se aquilo fosse um fardo na vida dele.

Ainda assim, durante o ano de 1969, havia muito trabalho a fazer na Apple, o complexo multitudo montado pelos Beatles. George produzia artistas (fez até dois singles do Radha Krishna Temple, hinduístas de Londres) e até lançava discos. Em maio, pelo selo Zapple (etiqueta de vanguarda da Apple) saiu o segundo disco solo do cantor, Electronic sound, com duas peças enormes compostas no sintetizador Moog, cada uma ocupando um lado do disco.

All things must pass, o terceiro (e que muita gente pensa até hoje que era o primeiro) disco de Harrison, saiu em 27 de novembro de 1970. Era um de relato do sofrimento do cantor em meio às brigas dos Beatles: George passara os últimos anos tentando emplacar canções na banda, aporrinhando-se com as brigas de ego, com as disputas de poder e com a sangria da grana da Apple.

Várias coisas que você já sabia sobre All Things Must Pass, do George Harrison

Um extenso relato, diga-se: era um LP triplo, dois deles repletos de canções que haviam sido esquecidas no repertório da banda, além de um LP de jams (Apple jam). Figuras ligadas ao dia a dia da Apple inspiravam diretamente o trabalho: Phil Spector, que produzira Let it be, cuidou do disco triplo ao lado de George. O cantor produziu em 1969 That’s the way god planned it, disco de Billy Preston – um mergulho no gospel que ajudou a formatar canções como What is life e My sweet lord.

A curta turnê que fez ao lado de Eric Clapton e Delaney & Bonnie também deixou marcas no álbum e na carreira de Harrison. Delaney Bramlett ensinou o beatle a tocar slide guitar, técnica que ele transformou em sua mais conhecida assinatura musical, ao lado do senso melódico e das letras repletas de temas filosóficos e espirituais.

Os 50 anos do disco triplo de Harrison não vão passar em branco em 2021: acaba de sair uma versão remasterizada do álbum, em várias versões. A maior delas tem 70 faixas em 5 CDs ou 8 LPs, incluindo outtakes, jams e 47 demos, 42 delas nunca lançadas.

All things must pass não fez jus ao nome (“tudo deve passar”). Não passou: permaneceu como uma das experiências musicais mais ricas de todos os tempos, na história do rock. E um momento inigualado na carreira de Harrison (e nas carreiras de todos os Beatles enquanto artistas solo), pronto para ser descoberto.

E segue aí nosso relatório sobre All things must pass. Leia ouvindo, ouça lendo, essas coisas.

SOM DOS EUA. Muitos fãs e pesquisadores de Harrison hão de concordar: na gênese de All things must pass está o período, a partir do fim de 1969, que o guitarrista passou com um dos músicos – ao lado do amigo Eric Clapton – do grupo Delaney & Bonnie and Friends, formado pelo casal Delaney (guitarra) e Bonnie Bramlett (voz). Com saudade de tocar ao vivo e animado com o som da banda, Harrison procurou Delaney nos bastidores de um show no Royal Albert Hall em 5 de dezembro de 1969 e sugeriu sua entrada no grupo. Foi excursionar com um bando de músicos americanos por lugares como Bristol, Birmingham e Croydon e fez suas primeiras apresentações ao vivo desde o sumiço dos Beatles dos palcos em 1966.

MALUCÃO. Como diria sua avó, Harrison estava im-pos-sí-vel durante a turnê com o casal. Tido como o zoeiro-mor dos Beatles antes de entrar numa febre mística no fim dos anos 1960, deixou o cabelo e a barba crescerem a ponto de ficar quase irreconhecível (o hoje babaca de plantão Clapton era mais manjado nas ruas do que ele), enchia a cara de uísque com Coca junto com os amigos, e se dedicava a brincadeiras imbecis, como arrancar as calças de veludo do amigo Delaney, deixando-o de bunda de fora.

DESLIZANDO. Popularizada no blues, a técnica de slide guitar (usar um anel para fazer sons nas cordas, ao deslizar no braço do violão) já vinha sendo bastante utilizada no rock desde o começo dos anos 1960, e fazia parte do dia a dia da turma de Delaney. Uma das músicas do set list, Comin’ home, contava com a guitarra slide de Dave Mason, do Traffic. Mas na ausência de Mason, sobrava mesmo para George tocar o instrumento usando a técnica, que ele aprendeu rápido.

ALIÁS E A PRÓPÓSITO, George se sentia meio por fora quando via que o rock estava repleto de superguitarristas (Jimi Hendrix, Jimmy Page), enquanto ele tinha desviado o foco para a música indiana e praticamente deixara de aprender coisas novas no instrumento. Chegou a falar à revista Crawdaddy que passou a brincar com o slide porque achou que “tinha perdido muito tempo”.

O HIT. My sweet lord, o primeiro single de All things must pass, nasceu justamente da turnê com Delaney e Bonnie. Entre um show e outro, Harrison ficava brincando com Oh happy day, um hino cristão gravado por meio mundo, e tentava compor sua própria canção gospel. A ideia do cantor era fundir cristianismo e hinduísmo numa só letra.

SÓ, MAS ACOMPANHADO. Delaney afirmou anos depois (no tribunal, quando Harrison foi acusado de plágio na música) que teve participação não creditada na composição da música, ao lado de Bonnie. O beatle vivia lhe perguntando como se compunha uma canção gospel, segundo ele. Delaney teria criado a frase “oh my lord”, com Bonnie e Rita Collidge (também cantora da turnê) respondendo com “aleluia”. Billy Preston, o cara que tocou órgão em Let it be, teria ajudado Harrison (segundo Delaney) a completar a canção,

AINDA UM BEATLE. Quando My sweet lord foi feita, na finaleira de 1969, Harrison, mesmo saracoteando por aí com Delaney e cia, ainda era um beatle e não tinha interesse em lançar outro disco solo. Pensou em oferecer My sweet lord ao grupo que estourou com uma versão de Oh happy day, Edwin Hawkins Singers, mas em janeiro de 1970, a canção acabou gravada por Billy Preston, com Harrison na produção. Encouraging words, segundo disco de Preston para a Apple (e quinto de sua carreira), trouxe, dois meses antes de All things must pass sair, as primeiras versões de All things… e My sweet lord.

ALIÁS E A PROPÓSITO, a introdução de My sweet lord com Preston parece bastante com a de Chega mais, de Rita Lee. Não?

NO VASO. Anos depois, Harrison comparou o trabalho em All things must pass a “um caso de diarreia”. Isso porque de fato, ele estava com muito repertório guardado (e ainda acrescentou outras canções) e ainda por cima tinha muito a dizer a respeito da situação toda que os Beatles estavam vivendo, com brigas internas, disputas de poder, encontros com advogados e ofensas de parte a parte. Canções como Isn’t a pity e Run of the mill falavam das recriminações internas da fase final do grupo – Harrison estava bastante irritado com a maneira como Lennon o criticava, por exemplo.

GEORGE também escreveu Wah wah, primeira canção gravada por ele para All things must pass, e que tinha sido composta quando ele decidiu se afastar dos Beatles em janeiro de 1969, durante as gravações do que seria o disco-filme Let it be. A letra era um recado direto a Paul e John, pelas críticas que recebera dos colegas. Apple scruffs, por sua vez, falava das fãs que passavam o dia na porta da Apple, empresa do grupo, em Londres. A canção era uma doce homenagem a elas, e Harrison chegou a chamar algumas das scruffs para ir ao estúdio escutar a música pronta.

ALIÁS E A PROPÓSITO, pelo menos uma das scruffs, Carol Bedford, diz que a relação com o beatle passou da admiração para uma proximidade (er) maior. Ela chegou a escrever um livro sobre a história com Harrison, Waiting for the Beatles.

HARRISON também afirmou que sabia que tinha um bom disco na mão. “Mesmo antes de começar, já sabia que faria um bom álbum, porque tinha muitas canções e energia de sobra. Para mim, fazer meu próprio álbum depois de tudo aquilo foi uma grande alegria”, disse.

O CLIMA nos Beatles já era de fim de feira: cada integrante estava trabalhando em seus projetos solo, todos imersos em questões pessoais. Harrison tentava curar as feridas da época com a banda, John trabalhava no material extremamente pessoal de Plastic Ono Band, Paul se metia no estúdio para gravar o esperado primeiro disco solo, Ringo fazia as primeiras aventuras solo e dizia a amigos que queria começar a se aventurar pelo caminho da música experimental (uma ideia que não foi para a frente).

PUTO DA VIDA com a mania de Paul de dirigir até mesmo as sessões dos colegas de banda, Harrison decretou que seu disco, mesmo sob seu comando, teria espaço para os músicos criarem livremente nos arranjos. A lista de colaboradores de All things must pass assusta: o sempre solícito Clapton (guitarra), Gary Wright (teclados), Klaus Voorman (baixo), Billy Preston (piano, órgão), Ringo Starr (bateria), e vários outros, inclusive integrantes do Badfinger, recém-contratado pela Apple. Jim Gordon, Carl Radle, Bobby Whitlock e Eric Clapton descobriram que davam liga juntos, e montaram o grupo Derek & The Dominos durante as gravações do disco de Harrison.

ALÉM DOS dois discos repleto de canções, All things must pass era complementado pelo terceiro álbum, que era quase um disco-bônus das sessões. Apple jam ganhou um selo especial, diferente da maçã da Apple, desenhado por John Wilkes, com uma embalagem de geleia de maçã. E trazia basicamente improvisos instrumentais, gravados ao lado de amigos como Bobby Whitlock (teclados), Ginger Baker (bateria), Klaus Voorman (baixo) e a formação que, a partir daí, geraria o Derek & The Dominos (em Plug me in). I remember Jeep era uma homenagem ao cãozinho desaparecido de George. Thanks for the pepperoni tinha seu nome tirado de uma frase do humorista Lenny Bruce. It’s Johnny birthday era a exceção: uma brincadeira de poucos segundos em cima de um hit de Cliff Richard, Congratulations, e gravada como homenagem aos 30 anos de John Lennon.

ALIÁS E A PRÓPÓSITO, a gravação de Harrison veio numa leva de homenagens a Lennon em seu aniversário. Mal Evans, notável da Apple, abordou nomões do rock como Donovan e Janis Joplin para que enviassem lembranças. Lennon chegou a ouvir a música no estúdio, quando foi visitar George. O autor de Something, vale dizer, foi obrigado a dar crédito aos autores de Congratulations na vinheta, ou ganharia um belo dum processo – coisa corriqueira no dia a dia da Apple, por sinal.

SÓ QUE como todo mundo sabe, o clima nos Beatles, e em especial na Apple, estava pela hora da morte, com todo mundo brigando e, em especial, Paul McCartney irritadíssimo com o fato de ter que engolir Allen Klein no controle dos negócios do grupo. Allen, tido como empresário espertalhão e cumpridor cruel da pequenas cláusulas de qualquer contrato, tinha (vá lá) uma missão espinhosa pela frente: organizar a Apple, fazer o dinheiro aparecer nos cofres do grupo e garantir uma gestão mais interessante para a banda. Demitiu a maior galera e foi colocando seu pessoal no lugar.

PAUL, que queria os parentes da mulher Linda (os Eastman) no controle da banda, detestou ter que trabalhar com Klein, que viera para o grupo por ideia de Lennon e fora aceito por todos os colegas. Para aumentar seu desgosto, Lee e John Eastman, pai e irmão, respectivamente, de Linda, não conseguiram ficar nem como advogados do grupo – Klein limou ambos.

FOI KLEIN, por sinal, quem ajudou a desencavar o projeto de Get back, disco-filme engavetado que depois ganharia o nome de Let it be, e cuja produção tinha sido cenário de várias brigas entre os quatro beatles. Allen ainda continuou tendo poder até mesmo sobre as carreiras solo dos quatro, já que Paul, para poder sair da banda, precisou processar os colegas (que depois processaram-se mutuamente).

EM ENTREVISTAS, entre o surgimento de Klein na vida beatle e o lançamento de All things must pass, Harrison dizia que tinha percebido que “qualquer pessoa poderia ser Lennon & McCartney”, e via que a solução para os Beatles era aceitar que se tratava de uma banda formada por quatro pessoas, e não apenas um grupo dominado por dois caras. “Tudo que temos a fazer é aceitar que somos indivíduos e que temos temos tanto potencial quanto cada um”, afirmava. Dizia também que se dava bem com Lennon e Ringo e “fazia o possível” para viver bem com Paul, seu ex-colega de escola.

AINDA ASSIM, All things must pass pode ser considerado um produto direto de Klein, apenas pela entrada na produção de Phil Spector, que produzira Let it be (e cujos arranjos de cordas em The long and winding road fizeram Paul McCartney escrever uma carta furibunda ao empresário). Phil foi à mansão de Harrison (a gótica Friar Park) escutar o material do disco e ficou bastante impressionado. Só disse que (compreensivelmente) o recital do beatle foi “interminável”, dada a quantidade de material acumulado.

SPECTOR, um produtor que costumava andar armado (e comparecia ao estúdio com um berro no bolso), não foi, evidentemente, uma figura que trouxe muita estabilidade às gravações. Bebia bastante antes da maratona de estúdio, e muitas vezes deixava Harrison cuidando do disco sozinho. Numa ocasião, caiu no chão no meio do trabalho e quebrou o braço. Acabou afastado.

MÃE. Harrison precisou interromper as gravações do disco em alguns momentos para visitar sua mãe, que estava com câncer, e muito doente. Louise Harrison morreu em  7 de julho de 1970, aos 59 anos.

ALIÁS E A PROPÓSITO, o trabalho demorado e as interrupções nas gravações preocuparam a EMI, que dada altura, achou que o disco estava ficando caro demais. Acredita-se que as gravações tenham ido de maio a outubro de 1970, apesar da EMI não ter registros detalhados da data. Testemunhas dizem que possivelmente a pré-produção começou em 20 de maio de 1970, no mesmo dia da estreia mundial do filme Let it be.

ALÉM DO MATERIAL que foi para o disco triplo, Harrison deixou mais de vinte canções gravadas. Algumas delas só apareceram mesmo no relançamento de 50 anos do disco, que saiu há pouco. E várias apareceram num piratinha que ficou famoso, Beware of ABKCO, com as canções que estavam sendo consideradas para o disco. O álbum bootleg tem também Beware of darkness com o primeiro verso alterado para “beware of ABKCO” (“cuidado com a ABKCO”), daí o nome do disco.

ALIÁS E A PROPÓSITO, e você deve saber, ABKCO era a empresa do indesejado empresário Allen Klein. A versão não-lançada era um desabafo de Harrison.

FEZ SUCESSO? Bom, All things must pass é considerado por uma porrada de críticos como o melhor disco lançado por um ex-beatle, e números apontam para o fato de que também é um dos mais vendidos, até pelo contraste da situação (um disco triplo, caro, e que platinou várias vezes). Harrison conseguiu o topo da lista de álbuns e de singles simultaneamente na Billboard. Durante vários anos, George foi considerado o beatle mais bem sucedido na carreira solo, inclusive no Brasil.

E TEVE BANGLADESH. No domingo, 1º de agosto de 1971, foram realizados os Concertos para Bangladesh (às 14h30 e 20h00), no Madison Square Garden, em Nova York. A ideia dos shows partiu do músico indiano Ravi Shankar, que abordou Harrison com a ideia de fazer algo para ajudar o povo bengali, refugiado do Paquistão Oriental, durante a Guerra de Libertação de Bangladesh. O filme gerou um disco triplo, o segundo lançado por Harrison em um curso espaço de tempo (saiu no Natal de 1971), e um filme, lançado pela Apple Corps.

SHANKAR esperava que os concertos arrecadassem 25 mil dólares, mas a coisa foi aumentando bastante quando os nomões do rock que George Harrison chamou foram aderindo: Badfinger, Ringo Starr, Eric Clapton, Leon Russell, Bob Dylan. Os dois shows arrecadaram US$ 243.418,50, dados à Unicef. Boa parte dessa grana foi mantida numa conta de custódia durante dez anos, porque Klein se esqueceu de registrar o evento como um benefício da Unicef. Na hora de lançar o conjunto de três discos (bastante caro, por sinal), todo mundo queria uma parte: lojistas, gravadoras dos artistas (como a Columbia, de Bob Dylan). Antes mesmo que a caixa chegasse ao mercado, já havia discos piratas com os shows. Ainda assim os três discos venderam bastante e foram sucesso de crítica.

AH SIM, E TEVE o plágio: Harrison enfrentou os tribunais (mais uma vez…) porque a empresa Bright Tunes Music Corporation, que detinha os direitos das canções de Ronnie Mack reclamava das semelhanças entre My sweet lord e He’s so fine, do autor, gravada pelas Chiffons. Isso rolou em 10 de fevereiro de 1971, e no mesmo ano, uma cantora country chamada Jody Miller gravou a mesma canção, só que incluindo efeitos de slide guitar (!). O processo foi se arrastando, e ainda envolveu maracutaias de Klein (que tentou comprar a Bright Tunes e ainda ofereceu informações confidenciais sobre o sucesso financeiro de My sweet lord).

ALIÁS E A PROPÓSITO, até mesmo as Chiffons gravaram My sweet lord, em 1975, com a ideia de chamar atenção para o processo.

O LITÍGIO foi se arrastando até os anos 1990, mas até lá George ainda compôs This song, ironizando o processo e (vá lá) graças às malandragens de Klein, conseguiu até mesmo os direitos de He’s so fine.

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Cultura Pop

Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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