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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre All Things Must Pass, do George Harrison

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Várias coisas que você já sabia sobre All Things Must Pass, do George Harrison

O único beatle que aparecia sorrindo na capa do disco Let it be (1970) era George Harrison. Mas ao contrário da alegria da foto, o autor de Something aparecia em crise durante o filme, brigando com os colegas e agindo como se aquilo fosse um fardo na vida dele.

Ainda assim, durante o ano de 1969, havia muito trabalho a fazer na Apple, o complexo multitudo montado pelos Beatles. George produzia artistas (fez até dois singles do Radha Krishna Temple, hinduístas de Londres) e até lançava discos. Em maio, pelo selo Zapple (etiqueta de vanguarda da Apple) saiu o segundo disco solo do cantor, Electronic sound, com duas peças enormes compostas no sintetizador Moog, cada uma ocupando um lado do disco.

All things must pass, o terceiro (e que muita gente pensa até hoje que era o primeiro) disco de Harrison, saiu em 27 de novembro de 1970. Era um de relato do sofrimento do cantor em meio às brigas dos Beatles: George passara os últimos anos tentando emplacar canções na banda, aporrinhando-se com as brigas de ego, com as disputas de poder e com a sangria da grana da Apple.

Várias coisas que você já sabia sobre All Things Must Pass, do George Harrison

Um extenso relato, diga-se: era um LP triplo, dois deles repletos de canções que haviam sido esquecidas no repertório da banda, além de um LP de jams (Apple jam). Figuras ligadas ao dia a dia da Apple inspiravam diretamente o trabalho: Phil Spector, que produzira Let it be, cuidou do disco triplo ao lado de George. O cantor produziu em 1969 That’s the way god planned it, disco de Billy Preston – um mergulho no gospel que ajudou a formatar canções como What is life e My sweet lord.

A curta turnê que fez ao lado de Eric Clapton e Delaney & Bonnie também deixou marcas no álbum e na carreira de Harrison. Delaney Bramlett ensinou o beatle a tocar slide guitar, técnica que ele transformou em sua mais conhecida assinatura musical, ao lado do senso melódico e das letras repletas de temas filosóficos e espirituais.

Os 50 anos do disco triplo de Harrison não vão passar em branco em 2021: acaba de sair uma versão remasterizada do álbum, em várias versões. A maior delas tem 70 faixas em 5 CDs ou 8 LPs, incluindo outtakes, jams e 47 demos, 42 delas nunca lançadas.

All things must pass não fez jus ao nome (“tudo deve passar”). Não passou: permaneceu como uma das experiências musicais mais ricas de todos os tempos, na história do rock. E um momento inigualado na carreira de Harrison (e nas carreiras de todos os Beatles enquanto artistas solo), pronto para ser descoberto.

E segue aí nosso relatório sobre All things must pass. Leia ouvindo, ouça lendo, essas coisas.

SOM DOS EUA. Muitos fãs e pesquisadores de Harrison hão de concordar: na gênese de All things must pass está o período, a partir do fim de 1969, que o guitarrista passou com um dos músicos – ao lado do amigo Eric Clapton – do grupo Delaney & Bonnie and Friends, formado pelo casal Delaney (guitarra) e Bonnie Bramlett (voz). Com saudade de tocar ao vivo e animado com o som da banda, Harrison procurou Delaney nos bastidores de um show no Royal Albert Hall em 5 de dezembro de 1969 e sugeriu sua entrada no grupo. Foi excursionar com um bando de músicos americanos por lugares como Bristol, Birmingham e Croydon e fez suas primeiras apresentações ao vivo desde o sumiço dos Beatles dos palcos em 1966.

MALUCÃO. Como diria sua avó, Harrison estava im-pos-sí-vel durante a turnê com o casal. Tido como o zoeiro-mor dos Beatles antes de entrar numa febre mística no fim dos anos 1960, deixou o cabelo e a barba crescerem a ponto de ficar quase irreconhecível (o hoje babaca de plantão Clapton era mais manjado nas ruas do que ele), enchia a cara de uísque com Coca junto com os amigos, e se dedicava a brincadeiras imbecis, como arrancar as calças de veludo do amigo Delaney, deixando-o de bunda de fora.

DESLIZANDO. Popularizada no blues, a técnica de slide guitar (usar um anel para fazer sons nas cordas, ao deslizar no braço do violão) já vinha sendo bastante utilizada no rock desde o começo dos anos 1960, e fazia parte do dia a dia da turma de Delaney. Uma das músicas do set list, Comin’ home, contava com a guitarra slide de Dave Mason, do Traffic. Mas na ausência de Mason, sobrava mesmo para George tocar o instrumento usando a técnica, que ele aprendeu rápido.

ALIÁS E A PRÓPÓSITO, George se sentia meio por fora quando via que o rock estava repleto de superguitarristas (Jimi Hendrix, Jimmy Page), enquanto ele tinha desviado o foco para a música indiana e praticamente deixara de aprender coisas novas no instrumento. Chegou a falar à revista Crawdaddy que passou a brincar com o slide porque achou que “tinha perdido muito tempo”.

O HIT. My sweet lord, o primeiro single de All things must pass, nasceu justamente da turnê com Delaney e Bonnie. Entre um show e outro, Harrison ficava brincando com Oh happy day, um hino cristão gravado por meio mundo, e tentava compor sua própria canção gospel. A ideia do cantor era fundir cristianismo e hinduísmo numa só letra.

SÓ, MAS ACOMPANHADO. Delaney afirmou anos depois (no tribunal, quando Harrison foi acusado de plágio na música) que teve participação não creditada na composição da música, ao lado de Bonnie. O beatle vivia lhe perguntando como se compunha uma canção gospel, segundo ele. Delaney teria criado a frase “oh my lord”, com Bonnie e Rita Collidge (também cantora da turnê) respondendo com “aleluia”. Billy Preston, o cara que tocou órgão em Let it be, teria ajudado Harrison (segundo Delaney) a completar a canção,

AINDA UM BEATLE. Quando My sweet lord foi feita, na finaleira de 1969, Harrison, mesmo saracoteando por aí com Delaney e cia, ainda era um beatle e não tinha interesse em lançar outro disco solo. Pensou em oferecer My sweet lord ao grupo que estourou com uma versão de Oh happy day, Edwin Hawkins Singers, mas em janeiro de 1970, a canção acabou gravada por Billy Preston, com Harrison na produção. Encouraging words, segundo disco de Preston para a Apple (e quinto de sua carreira), trouxe, dois meses antes de All things must pass sair, as primeiras versões de All things… e My sweet lord.

ALIÁS E A PROPÓSITO, a introdução de My sweet lord com Preston parece bastante com a de Chega mais, de Rita Lee. Não?

NO VASO. Anos depois, Harrison comparou o trabalho em All things must pass a “um caso de diarreia”. Isso porque de fato, ele estava com muito repertório guardado (e ainda acrescentou outras canções) e ainda por cima tinha muito a dizer a respeito da situação toda que os Beatles estavam vivendo, com brigas internas, disputas de poder, encontros com advogados e ofensas de parte a parte. Canções como Isn’t a pity e Run of the mill falavam das recriminações internas da fase final do grupo – Harrison estava bastante irritado com a maneira como Lennon o criticava, por exemplo.

GEORGE também escreveu Wah wah, primeira canção gravada por ele para All things must pass, e que tinha sido composta quando ele decidiu se afastar dos Beatles em janeiro de 1969, durante as gravações do que seria o disco-filme Let it be. A letra era um recado direto a Paul e John, pelas críticas que recebera dos colegas. Apple scruffs, por sua vez, falava das fãs que passavam o dia na porta da Apple, empresa do grupo, em Londres. A canção era uma doce homenagem a elas, e Harrison chegou a chamar algumas das scruffs para ir ao estúdio escutar a música pronta.

ALIÁS E A PROPÓSITO, pelo menos uma das scruffs, Carol Bedford, diz que a relação com o beatle passou da admiração para uma proximidade (er) maior. Ela chegou a escrever um livro sobre a história com Harrison, Waiting for the Beatles.

HARRISON também afirmou que sabia que tinha um bom disco na mão. “Mesmo antes de começar, já sabia que faria um bom álbum, porque tinha muitas canções e energia de sobra. Para mim, fazer meu próprio álbum depois de tudo aquilo foi uma grande alegria”, disse.

O CLIMA nos Beatles já era de fim de feira: cada integrante estava trabalhando em seus projetos solo, todos imersos em questões pessoais. Harrison tentava curar as feridas da época com a banda, John trabalhava no material extremamente pessoal de Plastic Ono Band, Paul se metia no estúdio para gravar o esperado primeiro disco solo, Ringo fazia as primeiras aventuras solo e dizia a amigos que queria começar a se aventurar pelo caminho da música experimental (uma ideia que não foi para a frente).

PUTO DA VIDA com a mania de Paul de dirigir até mesmo as sessões dos colegas de banda, Harrison decretou que seu disco, mesmo sob seu comando, teria espaço para os músicos criarem livremente nos arranjos. A lista de colaboradores de All things must pass assusta: o sempre solícito Clapton (guitarra), Gary Wright (teclados), Klaus Voorman (baixo), Billy Preston (piano, órgão), Ringo Starr (bateria), e vários outros, inclusive integrantes do Badfinger, recém-contratado pela Apple. Jim Gordon, Carl Radle, Bobby Whitlock e Eric Clapton descobriram que davam liga juntos, e montaram o grupo Derek & The Dominos durante as gravações do disco de Harrison.

ALÉM DOS dois discos repleto de canções, All things must pass era complementado pelo terceiro álbum, que era quase um disco-bônus das sessões. Apple jam ganhou um selo especial, diferente da maçã da Apple, desenhado por John Wilkes, com uma embalagem de geleia de maçã. E trazia basicamente improvisos instrumentais, gravados ao lado de amigos como Bobby Whitlock (teclados), Ginger Baker (bateria), Klaus Voorman (baixo) e a formação que, a partir daí, geraria o Derek & The Dominos (em Plug me in). I remember Jeep era uma homenagem ao cãozinho desaparecido de George. Thanks for the pepperoni tinha seu nome tirado de uma frase do humorista Lenny Bruce. It’s Johnny birthday era a exceção: uma brincadeira de poucos segundos em cima de um hit de Cliff Richard, Congratulations, e gravada como homenagem aos 30 anos de John Lennon.

ALIÁS E A PRÓPÓSITO, a gravação de Harrison veio numa leva de homenagens a Lennon em seu aniversário. Mal Evans, notável da Apple, abordou nomões do rock como Donovan e Janis Joplin para que enviassem lembranças. Lennon chegou a ouvir a música no estúdio, quando foi visitar George. O autor de Something, vale dizer, foi obrigado a dar crédito aos autores de Congratulations na vinheta, ou ganharia um belo dum processo – coisa corriqueira no dia a dia da Apple, por sinal.

SÓ QUE como todo mundo sabe, o clima nos Beatles, e em especial na Apple, estava pela hora da morte, com todo mundo brigando e, em especial, Paul McCartney irritadíssimo com o fato de ter que engolir Allen Klein no controle dos negócios do grupo. Allen, tido como empresário espertalhão e cumpridor cruel da pequenas cláusulas de qualquer contrato, tinha (vá lá) uma missão espinhosa pela frente: organizar a Apple, fazer o dinheiro aparecer nos cofres do grupo e garantir uma gestão mais interessante para a banda. Demitiu a maior galera e foi colocando seu pessoal no lugar.

PAUL, que queria os parentes da mulher Linda (os Eastman) no controle da banda, detestou ter que trabalhar com Klein, que viera para o grupo por ideia de Lennon e fora aceito por todos os colegas. Para aumentar seu desgosto, Lee e John Eastman, pai e irmão, respectivamente, de Linda, não conseguiram ficar nem como advogados do grupo – Klein limou ambos.

FOI KLEIN, por sinal, quem ajudou a desencavar o projeto de Get back, disco-filme engavetado que depois ganharia o nome de Let it be, e cuja produção tinha sido cenário de várias brigas entre os quatro beatles. Allen ainda continuou tendo poder até mesmo sobre as carreiras solo dos quatro, já que Paul, para poder sair da banda, precisou processar os colegas (que depois processaram-se mutuamente).

EM ENTREVISTAS, entre o surgimento de Klein na vida beatle e o lançamento de All things must pass, Harrison dizia que tinha percebido que “qualquer pessoa poderia ser Lennon & McCartney”, e via que a solução para os Beatles era aceitar que se tratava de uma banda formada por quatro pessoas, e não apenas um grupo dominado por dois caras. “Tudo que temos a fazer é aceitar que somos indivíduos e que temos temos tanto potencial quanto cada um”, afirmava. Dizia também que se dava bem com Lennon e Ringo e “fazia o possível” para viver bem com Paul, seu ex-colega de escola.

AINDA ASSIM, All things must pass pode ser considerado um produto direto de Klein, apenas pela entrada na produção de Phil Spector, que produzira Let it be (e cujos arranjos de cordas em The long and winding road fizeram Paul McCartney escrever uma carta furibunda ao empresário). Phil foi à mansão de Harrison (a gótica Friar Park) escutar o material do disco e ficou bastante impressionado. Só disse que (compreensivelmente) o recital do beatle foi “interminável”, dada a quantidade de material acumulado.

SPECTOR, um produtor que costumava andar armado (e comparecia ao estúdio com um berro no bolso), não foi, evidentemente, uma figura que trouxe muita estabilidade às gravações. Bebia bastante antes da maratona de estúdio, e muitas vezes deixava Harrison cuidando do disco sozinho. Numa ocasião, caiu no chão no meio do trabalho e quebrou o braço. Acabou afastado.

MÃE. Harrison precisou interromper as gravações do disco em alguns momentos para visitar sua mãe, que estava com câncer, e muito doente. Louise Harrison morreu em  7 de julho de 1970, aos 59 anos.

ALIÁS E A PROPÓSITO, o trabalho demorado e as interrupções nas gravações preocuparam a EMI, que dada altura, achou que o disco estava ficando caro demais. Acredita-se que as gravações tenham ido de maio a outubro de 1970, apesar da EMI não ter registros detalhados da data. Testemunhas dizem que possivelmente a pré-produção começou em 20 de maio de 1970, no mesmo dia da estreia mundial do filme Let it be.

ALÉM DO MATERIAL que foi para o disco triplo, Harrison deixou mais de vinte canções gravadas. Algumas delas só apareceram mesmo no relançamento de 50 anos do disco, que saiu há pouco. E várias apareceram num piratinha que ficou famoso, Beware of ABKCO, com as canções que estavam sendo consideradas para o disco. O álbum bootleg tem também Beware of darkness com o primeiro verso alterado para “beware of ABKCO” (“cuidado com a ABKCO”), daí o nome do disco.

ALIÁS E A PROPÓSITO, e você deve saber, ABKCO era a empresa do indesejado empresário Allen Klein. A versão não-lançada era um desabafo de Harrison.

FEZ SUCESSO? Bom, All things must pass é considerado por uma porrada de críticos como o melhor disco lançado por um ex-beatle, e números apontam para o fato de que também é um dos mais vendidos, até pelo contraste da situação (um disco triplo, caro, e que platinou várias vezes). Harrison conseguiu o topo da lista de álbuns e de singles simultaneamente na Billboard. Durante vários anos, George foi considerado o beatle mais bem sucedido na carreira solo, inclusive no Brasil.

E TEVE BANGLADESH. No domingo, 1º de agosto de 1971, foram realizados os Concertos para Bangladesh (às 14h30 e 20h00), no Madison Square Garden, em Nova York. A ideia dos shows partiu do músico indiano Ravi Shankar, que abordou Harrison com a ideia de fazer algo para ajudar o povo bengali, refugiado do Paquistão Oriental, durante a Guerra de Libertação de Bangladesh. O filme gerou um disco triplo, o segundo lançado por Harrison em um curso espaço de tempo (saiu no Natal de 1971), e um filme, lançado pela Apple Corps.

SHANKAR esperava que os concertos arrecadassem 25 mil dólares, mas a coisa foi aumentando bastante quando os nomões do rock que George Harrison chamou foram aderindo: Badfinger, Ringo Starr, Eric Clapton, Leon Russell, Bob Dylan. Os dois shows arrecadaram US$ 243.418,50, dados à Unicef. Boa parte dessa grana foi mantida numa conta de custódia durante dez anos, porque Klein se esqueceu de registrar o evento como um benefício da Unicef. Na hora de lançar o conjunto de três discos (bastante caro, por sinal), todo mundo queria uma parte: lojistas, gravadoras dos artistas (como a Columbia, de Bob Dylan). Antes mesmo que a caixa chegasse ao mercado, já havia discos piratas com os shows. Ainda assim os três discos venderam bastante e foram sucesso de crítica.

AH SIM, E TEVE o plágio: Harrison enfrentou os tribunais (mais uma vez…) porque a empresa Bright Tunes Music Corporation, que detinha os direitos das canções de Ronnie Mack reclamava das semelhanças entre My sweet lord e He’s so fine, do autor, gravada pelas Chiffons. Isso rolou em 10 de fevereiro de 1971, e no mesmo ano, uma cantora country chamada Jody Miller gravou a mesma canção, só que incluindo efeitos de slide guitar (!). O processo foi se arrastando, e ainda envolveu maracutaias de Klein (que tentou comprar a Bright Tunes e ainda ofereceu informações confidenciais sobre o sucesso financeiro de My sweet lord).

ALIÁS E A PROPÓSITO, até mesmo as Chiffons gravaram My sweet lord, em 1975, com a ideia de chamar atenção para o processo.

O LITÍGIO foi se arrastando até os anos 1990, mas até lá George ainda compôs This song, ironizando o processo e (vá lá) graças às malandragens de Klein, conseguiu até mesmo os direitos de He’s so fine.

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Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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Cultura Pop

Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

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Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.

Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação

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Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.

No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.

Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.

***

Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.

O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.

***

E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.

“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela

***

Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.

“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.

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