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Cultura Pop

The Fall: uma janela aberta para Stooges, Monks e krautrock

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The Fall: uma janela aberta para Stooges, Monks e krautrock

Normalmente, quando uma pessoa gosta muito de uma banda, costuma usá-la como porta de entrada para outras bandas e artistas. É o caso daquele fã dos Stray Cats que, após vários anos ouvindo os discos da banda, passou a fuçar álbuns de rock dos anos 1950. Ou do cara que ao ouvir “Festa punk”, dos Replicantes, anotou todos os nomes de bandas citadas lá (Ramones, Undertones, GBH, Discharge) para procurar os álbuns. Ou do fanático por Beatles que resolveu ir atrás de todos os compositores e artistas que eles reliam nos primeiros discos.

Se você for fazer o mesmo com a numerosa obra da banda britânica The Fall, vai passar semanas ou meses na função. A começar porque o grupo, formado em 1976, tem mais de trinta discos – chegou a gravar até três álbuns por ano em vários momentos. Cada disco trazia montes de referências, algumas bem obscuras: bandas que eles regravaram e que muita gente só foi descobrir milênios depois que eram regravações, trechos de letras, releituras de músicas de outros artistas com nomes modificados… Aproveitamos a comemoração dos 60 anos do homem-The Fall, Mark E Smith (rolou no domingo, dia 5 de março), e juntamos dez referências e releituras de bandas mais antigas, obscuras ou não, que você pode encontrar na obra do grupo.

“No xmas for John Quays” (“Live at witch trials”, 1979). “John Quays” é uma piada com “junkies” (a pronúncia é a mesma), o que a música deixa claro. Em fóruns da banda, os fãs disputam para ver quem acha mais referências na letra da canção – há quem diga que o John do título é só um disfarce para um personagem inominável. O verso “the powders reach you/and the powders teach you/when you find they can’t reach you” é tido como referência a “Black skinned blue eyed boy”, sucesso de 1970 do grupo londrino multirracial de rock The Equals, que unia músicos britânicos e jamaicanos (bom, a letra dos Equals diz: “cool is school/but the teachers beat ya/when they see/that they can’t reach ya”).

“I am Damo Suzuki” (“This nation’s saving grace”, 1985). Vocalista do grupo experimental alemão Can de 1970 a 1973, o japonês Suzuki foi o homenageado da banda nessa música. Hoje, afastado do Can, o músico costuma fazer shows absolutamente experimentais, com canções improvisadas na hora – e que nunca mais são repetidas.

“What you need” (“This nation’s saving grace”, 1985). “Do que você precisa?/de um pouco de Iggy Stooge”, diz essa canção, toda construída em versos de chamada-e-resposta, homenageando Iggy Pop e sua fase inicial como vocalista dos Stooges.

“Mr. Pharmacist” (“Bend sinister”, 1986). A primeira vez que o Fall conseguiu espaço no Top 75 da Inglaterra foi com essa música, uma regravação do grupo norte-americano de garagem The Other Half, lançada originalmente em 1966. A música foi um sucesso tão grande do The Other Half que chegou a sair uma coletânea deles com o nome “Mr. Pharmacist”, bem antes da regravação do Fall. Já o grupo de Mark E Smith toca a releitura até hoje em shows (e, só lembrando: “Bend sinister” foi também o primeiro disco do Fall lançado no Brasil, na primeira fornada de lançamentos do selo Stiletto/Eldorado).

“Dktr. Faustus” (“Bend sinister”, 1986). Um traço de união entre o Fall e a banda de krautrock Faust. O “Doctor Faustus”, ou Faust, é um personagem conhecido do folclore alemão: um sujeito que decide vender sua alma ao diabo em troca do conhecimento infinito. Brix Smith, vocalista, tecladista e mulher de Mark na época, detestou cantar parte da letra, que incluía palavras como “banana” e expressões como “frutas exóticas”.

“Victoria” (“The frenz experiment”, 1988). Releitura do clássico dos Kinks, cuja versão original saiu em 1969 no disco “Arthur (Or the decline and fall of the British Empire)”. Comparado com os discos anteriores do Fall, “The frenz… ” (também lançado em LP no Brasil) foi um sucesso retumbante: chegou no Top 20 britânico e tinha músicas mais acessíveis, como a quase folk “The steak place”.

“Black monk theme” (“Extricate”, 1990). Demorou mas rolou: no décimo-segundo disco, “Extricate”, o Fall virou aposta de gravadora grande (a Fontana, que voltava com força total ao mercado contratando Tears For Fears, Swing Out Sister, Was Not Was e James). E retornavam homenageando o grupo americano radicado na alemanha The Monks, regravando sua “I hate you” como “Black monk theme”. Ignorados na época em que foram lançados, os Monks eram tão proto-punks quanto os Stooges.

“Lost in music” (“The infotainment scan”, 1993). De volta ao meio indie, na Matador Records, o Fall enchia de ruído uma música que Nile Rodgers e Bernard Edwards, do Chic, haviam composto para o grupo de disco music Sister Sledge, “Lost in music”.

“I’m goint to Spain” (“The infotainment scan”, 1993). Ator britânico conhecido por seu trabalho em séries como “Crossroads”, Steve Bent chegou a gravar discos – bastante criticados, diga-se de passagem. Em 1976, quando participou de um show de talentos chamado “New faces”, apresentou “I’m going to Spain”, considerada um lixo por muita gente, apesar da melodia agradável. O The Fall regravou, e a versão até que ficou legal (e melhorou o original).

“War” (“Middle class revolt”, 1994). O décimo-sexto disco do Fall tinha outra releitura dos Monks (a irritada ‘Shut up!”) e ainda relia “War”, do grupo britânico de vanguarda Henry Cow. Mark Smith era fã do grupo e costumava chamá-los de “anti new-wave”.

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Relembrando: Vários, “O espigão – trilha sonora nacional” (1974)

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Relembrando: Vários, "O espigão - trilha sonora nacional" (1974)

Até os dez primeiros capítulos (que foi até onde assisti), O Espigão, novela das 22h exibida pela Rede Globo em 1974, e escrita por Dias Gomes, tem ritmo de série bem construída e passagens que lembram Os Simpsons. Por sinal, com a chance de cada personagem ali conseguir ser o Homer por alguns minutos, ou por alguns capítulos. Os três primeiros capítulos são tomados por um cavernoso engarrafamento no Túnel Novo – que divide Botafogo e Copacabana, na Zona Sul carioca – no último dia de 1972. Hoje dá para ver tudo no Globoplay, que resgatou a trama.

No túnel, os personagens vão aparecendo para, mais do que construir a história, dar uma baita sensação de caos. Isso porque parece que quase ninguém ali costuma ser ouvido ou enxergado de verdade. No caso do trio de bandidos interpretado por Betty Faria, Ruy Resende e Milton Gonçalves, nem eles conseguem enxergar sua própria falta de talento para roubar os outros, mas isso é apenas um detalhe.

Para quem passou a vida ouvindo as trilhas sonoras de O Espigão, a nacional e a internacional, lançadas pela Som Livre naquele mesmo ano, o mais legal é ver a utilização nos capítulos das faixas da trilha nacional (um perfeito disco pop-rock-MPB). Pela cidade, tema instrumental e quase progressivo do Azymuth, surge na primeira cena, com o assombrado Léo (Claudio Marzo) chegando de navio de Sergipe, passando pela Baía de Guanabara. Nessa hora, destaque para o estranho cromaqui marítimo e para as imagens das barcas Rio-Niterói em alto-mar.

Retrato 3×4, primeiro quase-hit de Alceu Valença, e segunda ou terceira tentativa de sucesso do cantor, antes da fama, surge nas cenas do assalto frustrado do trio de bandidos. Versos como “rasgue meu retrato 3×4/porque eles vão pintar o sete com você” dão a sensação de que a turma formada por Lazinha (Betty), Nonô (Milton) e Dico (Ruy) é bem mais robin hoodiana do que pode parecer. Na sombra da amendoeira, de Sá & Guarabyra, na voz do grupo niteroiense Os Lobos, dá vontade de visitar o tal casarão antigo que é, de fato, o tema da novela.

Alfazema, tema folk do hoje astrólogo Carlos Walker, surge inicialmente numa cena de total lesação e abandono na cidade grande (por sinal no fim da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, Zona Sul do Rio, bem antes do excesso de bares e carros). Já o tema de abertura, o hard rock orquestral O espigão, de Zé Rodrix, vem da transição entre os álbuns I acto (1973) e Quem sabe sabe, quem não sabe não precisa saber (1974), os dois primeiros do cantor – que geraram um show apresentado no Rio em março de 1974, ao lado da banda Agência de Mágicos.

O repertório da trilha de O espigão ainda inclui um excelente e hoje cancelável samba-rock (Malandragem dela, de Tom & Dito, que tocou muito no rádio na época), uma música que surge como protesto à gentrificação no Rio, mas que tem mais a ver com a poluição em São Paulo (Botaram tanta fumaça, de Tom Zé), um tema clássico composto por Tuca (Berceuse), um samba antirracista com letra de Nei Lopes (Você vai ter que me aturar, com Sônia Santos) e um sambão triste composto e cantado por Benito di Paula (Último andar).

O espigão fez tanto sucesso que a trilha nacional voltou às lojas várias vezes. Volta e meia dá para achar um vinil a preço barato em loja de usados, mas o álbum foi relançado em CD na série Som Livre Masters, com remasterização comandada por Charles Gavin. Hoje é um caso raro de trilha de novela nacional dos anos 1970 que pode ser vista e ouvida.

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No nosso podcast, os primeiros anos do Soft Cell

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No nosso podcast, os primeiros anos do Soft Cell

O Soft Cell tá vindo aí pela primeira vez. A dupla de Marc Almond e Dave Ball se apresenta no Brasil em maio, e vai trazer – claro – seu principal hit, Tainted love. Uma música que marcou os anos 1980 e vem marcando todas as décadas desde então, e que deu ao Soft Cell um conceito todo próprio – mesmo não sendo (você deve saber) uma canção autoral. Era um dos destaques de seu álbum de estreia, Non stop erotic cabaret (1981), um dos grandes discos da história do synth pop.

No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, voltamos lá no comecinho do Soft Cell, mostramos a relação da dupla com uma das cidades mais fervilhantes da Inglaterra (Leeds) e damos uma olhada no que é que está impresso no DNA musical dos dois – uma receita que une David Bowie, T Rex, filmes de terror, Kenneth Anger, sadomasoquismo e vários outros elementos.

Século 21 no podcast: Red Cell e Noporn.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts. 

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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Relembrando: Mick Ronson, “Play don’t worry”

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Guitarrista de David Bowie na fase Spiders From Mars, Mick Ronson foi uma promessa injustamente não cumprida como artista solo. Inicialmente teve cobertura da Mainman (mesma empresa que cuidava de Bowie nessa fase), contrato com a RCA, interesse da mesma imprensa que cobria o dia a dia dos popstars do glam rock, certa migração de fãs do cantor de Starman.

Até porque Ronson estreou com treze shows no Reino Unido em março de 1974, quando Bowie estava fora dos palcos. E o guitarrista volta e meia era chamado de “substituto” de seu patrão. Ironicamente o próprio Bowie ficaria com ciúmes de sua “cria”, começando a armar sua volta aos palcos a partir daí. Esbarraria no fato de que a turnê solo do guitarrista havia comido uma boa parte da grana que seria investida em sua própria carreira, mas isso é outra história.

No começo, Ronson era um músico desprotegido a ponto de, mesmo sendo mais velho que Bowie e sua mulher Angie, ser cuidado pelo casal como se fosse um irmão mais novo. Com Bowie, chamou a atenção das plateias e foi um quase parceiro. Merecia ter ganhado crédito de co-autor em faixas de discos como The man who sold the world, de 1970, cuja gravação havia sido marcada pelo desapego do maior interessado, que era o próprio Bowie. Como compensação, fica o fato de que é impossível lembrar de músicas como Life on Mars? e Starman sem lembrar das guitarras de Ronson.

Surgiu a chance de tornar-se artista solo, quando Bowie havia resolvido ficar longe dos palcos. O repertório da estreia de Ronson, Slaughter on 10h avenue (1974), unia as duas faces do músico, um cara que tocava guitarra como se o instrumento viesse do espaço sideral, e também regia orquestras, além de tocar piano.

Era o disco da hard roqueira Only after dark, do blues glam I’m the one (de Annette Peacock, musicista pioneira dos sons eletrônicos que também gravava pela RCA naquele período). E da grandiloquência da faixa título (uma canção dos anos 1930 revisitada), do romantismo de Love me tender (aquela mesma, imortalizada por Elvis Presley). Mick, por sua vez, era o guitarrista experiente que tinha talento dramático a ponto de fazer um anúncio-curta metragem para divulgar Slaughter – a foto da capa, que trazia o guitarrista chorando, era um trecho do tal filme.

Muita coisa contribuiria para afastar a Mainman de Ronson e entre elas, estava o fato da relação entre Bowie e o empresário Tony Defries estar saindo do controle e ter chegado a um ponto bem complicado em 1974.Por acaso, foi em janeiro de 1975 que saiu Play don’t worry, o segundo disco do guitarrista.

Era mais um disco realizado sob as barbas de Pin-ups, disco de covers de Bowie (1973). O primeiro de Ronson havia sido gravado com a mesma banda do cantor na época, assim que o serviço no disco do patrão terminara. Já em Play, Mick reaproveitava uma backing track realizada para Pin ups, e nunca lançada: a da versão de White light/white heat, do Velvet Underground, mais viva e pesada que a original, e uma das melhores faixas do disco de um compositor e guitarrista que, ao se tornar um intérprete e fazedor de covers, quase sempre acertava.

Play don’t worry tinha a mesma aparência ora melancólica, ora feliz do disco anterior. Era o disco da balada glam Angel nº9, releitura do grupo country-rock Pure Prairie League (de cuja gravação original Mick havia participado fazendo arranjos), e do agito de Girl can’t help it, clássico do repertório de Little Richard, relido em clima protopunk. Outro rock countryficado do Pure Prairie League, Woman, encerrava o álbum. Por outro lado, Empty bed, versão de Io me ne andrei, do pop-roqueiro italiano Claudio Baglioni, era um baladão romântico, pronto para entrar em trilha de novela no Brasil (infelizmente não entrou).

Ronson aparecia como autor apenas em duas faixas, talvez escolhidas a dedo para mostrar que nem tudo ali eram flores. Play don’t worry, feita ao lado do amigo produtor e compositor Bob Sargeant, falava sobre os altos e baixos da vida, e era a provável admissão de que a vida de potencial rockstar havia trazido mais problemas do que soluções. Hazy days, faixa-solo, trazia aquelas discussões sobre a obsolescência programada do pop, típicas da própria música de Bowie (“o que você vai fazer agora, quando você achar que estou no passado?”, diz a letra).

Parecia recado para alguém. Talvez para o próprio Ronson, que não se sentia nem um pouco confortável ou feliz como artista solo. “Sabia que as pessoas perceberiam meu desconforto na plateia e eu não queria isso”, chegou a afirmar o músico, que também considerava a vida de popstar solo algo parecido como ter dúvidas e ter que responder suas próprias dúvidas, sem contar com a parceria de ninguém.

Mick respondeu suas próprias dúvidas quando resolveu, ainda com Play don’t worry em curso, juntar-se ao Mott The Hoople, banda do amigo Ian Hunter. O Mott estava com os dias contados e restou a Mick voltar à vida de músico contratado. Gravou com muita gente, mas ficou conhecido pelas colaborações com Ian, com quem chegou a gravar um disco em dupla – Yui orta, de 1990. Infelizmente tornou-se menos reconhecido do que deveria, e a decepção com as expectativas do pop tornou-se um vazio nunca devidamente preenchido.

Mick morreu em 29 de abril de 1993, já resgatado para as novas gerações. Pouco antes, havia produzido Your arsenal, de Morrissey, e tinha se juntado a David Bowie, a Ian Hunter e aos remanescentes do Queen no concerto de tributo a Freddie Mercury. A notícia de sua partida ressoa até hoje como os últimos ruídos de guitarra de Play don’t worry, a canção. São sons que desaparecem aos poucos, como numa transmissão de TV cheia de interferências que vai sumindo. Nossa sorte é que o recado estava dado: “Não pense muito neles/comece a sonhar novamente com o amanhã”.

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