Crítica
Ouvimos: Whatever The Weather, “Whatever The Weather II”

Qualquer que seja o tempo (ok, isso é um trocadilho bem boboca) o Whatever The Weather estará preparado para fazer sua trilha sonora. O projeto criado pela DJ e produtora britânica Loraine James acaba de lançar seu segundo álbum, e a ideia em geral é bastante criativa: cada faixa dos dois discos do WTW tenta colocar em música uma determinada temperatura, em graus Celsius.
No primeiro álbum, o ouvinte conhecia a sonorização de gradações severas como 0ºC, 28ºC (“sol intermitente”, avisa Lorraine), 6ºC, 4ºC e 2ºC (“chuva intermitente”). Continua tudo na mesma base: as temperaturas bizarras de 1ºC, 3ºC e 18ºC abrem o disco em clima de transmissão cheia de estática (e bom… a sensação não é exatamente a de precisar botar um agasalho). Já 20ºC, verdadeiro clima de montanha em se tratando do Rio de Janeiro, soa como se o dia começasse e o sol batesse nas frestas da cortina – até os synths têm essa cara de dia nascendo, com direito a um beat eletrônico e uma batida feita com as mãos.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O disco também traz o som do gelo (com direito a teclados que parecem estalactites sonoras) em 5ºC e a sensação do frio e da solidão na contemplativa e decorativa 8ºC. Há certa psicodelia, com direito a sons luminosos como raios de sol na cara em 23ºC, certa sensação de vermelhidão na 15ºC, e na 11ºC, um som de transmissão de TV e rádio que pode causar vertigem nos mais desavisados.
Fechando, 12ºC lembra a sonorização de um aeroporto, com ruídos, apitos, e samples de vozes dando o ritmo, como num samba eletrônico torto – que depois ganha um violão e uma batidinha de reggae, ambos orgânicos, ao contrário da musicalidade eletrônica do álbum. Um disco para quem quer ir bem além de rótulos como ambient music e coisas do tipo.
Nota: 7,5
Gravadora: Ghostly International
Lançamento: 14 de março de 2025
Crítica
Ouvimos: Mundo Livre S/A – “Sessões Selo Sesc #15” (ao vivo)

RESENHA: Mundo Livre S/A lança álbum ao vivo pelo Selo Sesc, celebrando 40 anos de banda e 30 da estreia Samba esquema noise. Histórico.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
No ano passado, a banda pernambucana Mundo Livre S/A fez comemoração dupla: trinta anos de sua estreia Samba esquema noise (1994) e quarenta anos de existência – o grupo foi formado em 1984 e já havia aparecido em seções de notinhas da revista Bizz anos antes da publicação dar espaço generoso para seu primeiro álbum).
O álbum ao vivo do grupo lançado pelo Sessões Selo Sesc #15 traz uma apresentação do Mundo Livre S/A no Sesc Ipiranga, em 16 de agosto do ano passado. Na comemoração, boa parte do repertório da estreia foi tocada e gravada ao vivo, em versões extensas e repletas de histórias contadas pelo vocalista Fred Zero Quatro – que chega a pedir desculpas aos funcionários do local por esticar o show com os bate-papos. Sem problemas: por causa das histórias, show e disco se transformam em documentos, com direito a Fred avisando que estava para sair “uma biografia da banda escrita pelo jornalista carioca Pedro de Luna” (e que não apenas já saiu como está à venda).
De principal, o disco ao vivo mostra como a fórmula musical do Mundo Livre S/A serviu de modelo para várias bandas de sucesso entre os anos 1990 e 2000. O balanço samba-rock do grupo foi chupado pelo Charlie Brown Jr em várias músicas, a obsessão por beats jorgebenianos virou uma obsessão do Planet Hemp e do Rappa, a estranhice herdada de Talking Heads e Tom Zé rendeu vários trabalhos indies vários anos depois de Samba esquema noise sair. Homero o junkie abre nessa onda, unindo peso herdado do Clash e vibe pós-punk. O clima galante, sacana e praieiro de Musa da Ilha Grande, e o balanço de A bola do jogo (“a alma do trabalhador é como um carro velho / só dá trabalho”) mantêm esse clima.
O Mundo Livre S/A recorda causos bancários do tempo do talão de cheques em Saldo de aratu, une samba e anti-psiquiatria na psicodélica Terra escura, lembram antigos impérios televisivos em O mistério do samba (“o samba não é do Gugu / o samba não é do Faustão”) e releem o hino Manguebit unindo rock, reggae e um trecho adaptado de London calling, do Clash. A praieira, outro hino, só que de Chico Science e Nação Zumbi, vira brega-dub-psicodélico nas mãos deles, com ruídos e alguns segundos de algazarra no final. Histórico.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Selo Sesc
Lançamento: 22 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: Ebony – “KM2”

RESENHA: KM2, de Ebony, mistura rap, funk, R&B e protesto em um retrato cru da Baixada, entre traumas, empoderamento e batidões.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Casca-grossa é pouco: oscilando entre funk e rap, KM2, disco da rapper Ebony, é um suco cruel da realidade. Com nome fazendo referência à violenta Queimados, na Baixada Fluminense (chamada por ela e amigos de “KM-dois”), o disco une sexo, beats pesados, tiros, machismo, abusos, crueldades e desigualdades do dia a dia.
A viagem começa pelas gravações de telejornais na faixa-título, e segue com a mescla de protesto e ostentação sexy e empoderada de Parte do mundo (“como eu não ia querer fazer algo pro mundo? / no tempo total, a gente vive e morre em um segundo”), Gin com suco de laranja e Festas e manequins (“eu nunca fui essas meninas tipo manequim / por isso é estranho elas querendo ser iguais a mim”). Ebony, você deve lembrar, foi a rapper que peitou o machismo no rap com a música Espero que entendam, que chamava pro pau artistas como Baco Exu do Blues, L7, Filipe Ret e Orochi.
O som de KM2 tem vocal rápido, referências de r&b, batidões, e às vezes, uma vibe próxima da MPB e até do jazz, como em Triplex e Hong he (“Rita Lee, agora eu gosto de MPB / a gente ia ser amiga que eu sei”). Mandando a real, Ebony fala de porradas reais e psicológicas em faixas tensas como Vale do silício, com Black Alien (“e o que é correr perigo na mão de falsos amigos / se pra cada rima minha é um trauma? / e ninguém liga pros seus traumas”) e o peso familiar de Não lembro da minha infância (“não tenho medo de monstros, quando os meus tios chegavam / eu dormia embaixo da cama / eu fiquei amiga das aranhas / o que Jesus faria nessa circunstância?”). E sai por cima no batidão perigoso de Kia e Roubando livros.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 12 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: MC Hariel – “É noiz ki tá”

RESENHA: MC Hariel mistura funk, trap e brasilidades em É noiz ki tá, disco direto, com raiva, superação, críticas sociais e feats de peso.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Tendo uma parceria com Gilberto Gil no currículo (A dança, gravada pelos dois), o paulista MC Hariel volta em É nóiz ki tá unindo funk, trap, rap e até vibes praieiras e baianas, que surgem no funk-samba-reggae Beira do mar. Uma mistura de climas que basicamente regula o disco. O repertório de Hariel, que foi feito – segundo o próprio – em meio a encontros e festas com os amigos, aponta, na real, para a mesma onda que embala discos recentes de rappers como Klisman e Djonga.
Ou seja: a raiva, o terror, as raízes e as histórias bizarras das quebradas são contrabalançadas com discurso de superação (em XT2, interpolada com Fazendo música, jogando bola, de Pepeu Gomes, tem um verso ótimo: “sempre acreditei que a fase ruim vira frase / e frase encaixa na base”) e com histórias de quem já viu a vida do avesso. Em meio aos beats frenéticos de Aston Martin, Hariel lembra, indo direto no nervo: “antes de se cobrar, cobra quem te deve primeiro / na sua mente tem uma máquina de dinheiro / cuida bem dela pra deixar teu filho herdeiro”.
Falando direto com seu público, Hariel e seus convidados (ele chamou MC Cabelinho, Rael, Major RD, Neguinho da Kaxeta, AJuliaCosta, entre outros) pedem paz, sucesso, menos racismo e menos cobiça na vinheta O que eu quero pro mundo, batem cabeça em batidões como Conta forrada, Limite do extremo (“arte eu faço é com a vida vivida / sempre foi isso mermo”) e Bloco de notas (“quero mais saber de nada / só distância dos fardados / e a conta toda engordada”) e expõem contradições pessoais em faixas como Sal grosso e Sem sentir saudade.
Já Sede de vencer, no final, fecha o ciclo trazendo o violão de Duani e os vocais do pagodeiro Ferrugem, falando sobre pequenas diferenças que moram onde ninguém enxerga, mas que definem a aceitação e o lugar de cada um no mar de egos (“quem viveu na pele sabe reparar”, diz).
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Warner Music Brasil
Lançamento: 21 de agosto de 2025.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop9 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop7 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop8 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?