Crítica
Ouvimos: Tess Parks, “Pomegranate”

- Pomegranate é o quinto álbum da cantora canadense Tess Parks. Foi escrito e gravado entre Londres, Toronto e Los Angeles ao lado do colaborador Ruari Meehan, durante um período de turbulência emocional para ela. “Passei por um longo período sentindo que nunca mais queria fazer música. Qual é o sentido de cantar? Tudo é inútil. Eu estava me refugiando fazendo pinturas, sentada em silêncio por horas”, afirmou ao site Hero.
- “Durante o processo de fazer este álbum, eu estava fazendo caminhadas matinais ao nascer do sol com minha mãe diariamente também, o que eu acho que foi muito essencial para minha cura. Olhando para trás, não consigo dizer o quanto todo esse período significou para mim. Sinceramente, sinto como se tivesse morrido e nascido de novo”, disse.
- Somedays, música de seu álbum Blood hot (2013), apareceu recentemente na trilha sonora do filme Os fantasmas ainda se divertem: Beetlejuice Beetlejuice, de Tim Burton. “Só descobri um dia antes do filme ser lançado, descobri que um velho amigo meu, James Balmont, era o supervisor musical”, contou.
Se você nunca imaginou ouvir um disco que juntasse psicodelia, tons sonhadores e sensualidade, Tess Parks resolve seu problema com Pomegranate, disco povoado por climas herdados da neo-psicodelia oitentista, tons fluidos, filigranas de gravação e vocais sobrepostos – como cantora, ela vai de tons impositivos no estilo Nico até vocais esfumaçados e sussurrados, numa experiência que, às vezes, parece quase sobrenatural.
Quem tem o vinil de Pomegranate na mão (não é nosso caso) pode curtir os sons do disco olhando detalhadamente para a capa, uma explosão de cores que acompanha a sonoridade. Bagpipe blues abre o álbum com clima Madchester, de psicodelia dançante levada adiante pelas linhas de baixo – seguida pelo clima de sonho de California’s dreaming, quase um desdobre lisérgico do britpop, na instrumentação e nos vocais, tudo valorizado pelo arranjo de cordas.
Referências dos lados acústicos e viajeiros de artistas como Marc Bolan e George Harrison pairam nada discretamente sobre faixas como Koalas (dos versos venturosos “se ao menos você pudesse se ver como todos te veem” e “às vezes eu acho que todo mundo deveria estar dançando”) e Lemon poppy. Essa última, depois, ganhando instrumentação reforçada e riffs de guitarra lembrando a fase Spiders From Mars de David Bowie.
Outras surpresas de Pomegranate incluem a psicodelia sonhadora, lembrando um sol batendo na areia que quase cega, em Sunnyside, levada adiante por violão, guitarras base e piano Rhodes. Surround encerra o disco em clima vertiginoso e quase dançante. Já os seis minutos da declamada Charlie Potato abrem em clima de levantar voo, ganham ar próximo do trip hop, e transformam-se quase num J’e t’aime mon non plus no ácido. Um disco que soa como o passatempo de várias viagens pessoais.
Nota: 9
Gravadora: Fuzz Club
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Crítica
Ouvimos: Anika – “Abyss”

RESENHA: Anika mistura pós-punk, krautrock e sons ritualísticos em Abyss, disco sombrio e cru sobre confusão, fuga e relações quebradas.
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Anika vem de Berlim, Alemanha – você vai perceber isso logo que escutar as primeiras faixas de seu terceiro álbum, Abyss. Além do sotaque fortíssimo (ela canta em inglês), os vocais remetem logo a Nico e às tentativas musicais de Christiane F (a própria). Na verdade, quase dá pra dizer Anika soa como uma filha perdida de Nico e Iggy Pop, só que criada por Lou Reed e tendo Ian Curtis como padrinho.
Procurando, ou até sem procurar, você acha toda essa vibe em Abyss, disco de pós-punk duro, de krautrock, gravado quase totalmente ao vivo, e variando da crueza punk às aclimatações tecno (a abertura, com Hearsay), e aos sons de garagem dos anos 1960/1970 – nesse caso, a faixa-título, que lembra Stooges e a era do disco Funhouse, de 1970. Anika segue com o ruído distorcido de Honey, o power pop em preto-e-branco de Walkaway (que chega a lembrar Ramones), o punk ruidoso e dramático de Into the fire – cuja guitarra remete à intro de Life goes on, do The Damned.
O repertório de Abyss é endereçado a quem já se sentiu confuso/confusa demais para entender o mundo e já quis fugir. Essa sensação de desnorteio, de abismo (“abyss”, enfim) permeia todas as letras do álbum, passando pela desassociação de Oxygen, pelos relacionamentos falsos da faixa-título, pelo clima destrutivo de One way ticket e de Walk away. Com referências assumidas de Genesis P-Orridge, Anika também embarca em sons ritualísticos em Out of the shadows (com ruídos misteriosos na abertura). Sem deixar de evocar The Cure e até o lado mais sombrio dos Rolling Stones em Last song e na velvetiana Buttercups.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Sacred Bones Records
Lançamento: 4 de abril de 2025.
- Ouvimos: The Cure – Mixes of a lost world
- Joy Division antes, durante e depois do fim, no nosso podcast
- Relembrando: Iggy Pop – New values (1979)
Crítica
Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – “Curse” (EP)

RESENHA: Curse, novo EP do Unknown Mortal Orchestra, mistura terror, lo-fi e riffs setentistas num som sujo, psicodélico e estranho, mas cativante.
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O único disco mais, digamos, orientado para o mainstream da Unknown Mortal Orchestra é V, de 2023. O restante do trabalho do grupo de Ruban Nielson inclui grooves psicodélicos, singles de 27 minutos (!) e improvisações bem estranhas – como em IC-02 Bogotá, resenhado aqui. Pois bem: Curse, novo EP do grupo, se equipara a V e consegue ser mainstream sendo, ao mesmo tempo, esquisito pacas.
Curse foi inspirado nos giallos, filmes italianos de terror, e de quebra, inspirou-se também nessa época maluca de tirania no poder norte-americano, desgraças nos jornais, violência e outros temas nada amenos. Ruban inspirou-se também, claro, na ondinha que vem se erguendo de produções lo-fi – o repertório do EP parece ter sido gravado em fita K7. Dessa vez, as referências mais comuns da UMO desapareceram e o grupo se transforma numa daquelas bandas desconhecidas de rock pauleira dos anos 1970 que, lá por 2005, geral baixava de blogs, comunidades do Orkut ou endereços do 4shared e do Rapidshare.
Daí, se o papo é terror e porrada, mais fácil comparar a nova Unknown Mortal Orchestra com formações pouco lembradas como o Buffalo (o Black Sabbath australiano dos seventies) e Black Widow (a “outra” banda britânica que falava de temas ocultistas há uns 50 anos). Curse tem essa mesma aura underground, exibida na introdução aterrorizante de Aura, na riffarama de Boys with the characteristics of wolves e Sorcerers of silence, no metal ambient One hundred bats, na aura grunge de Death comes from the sky. No fim das contas, Curse soa como uma trilha sonora psicodélica para um pesadelo vintage – estranhamente atual, perigosamente sedutor.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: JagJaguwar
Lançamento: 18 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Ultrasonho – “Nós nunca vamos morrer”

RESENHA: O Ultrasonho estreia com um disco aterrorizante, Nós nunca vamos morrer, feito de colagens sonoras, jingles, discursos e ruídos que assombram como fantasmas.
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O projeto paranaense Ultrasonho (ou U L T R A S O N H O, como costuma estilizar o nome) faz música para meter medo, perturbar. Nós nunca vamos morrer, primeiro álbum do projeto criado por Thomas Blum, é formado por estranhas colagens sonoras que mexem com o conceito da hauntology (fantologia), de elementos da cultura do passado que assombram o presente como fantasmas.
Ouvir Nós nunca vamos morrer é tomar contato com esses fantasmas – e com sons que não são reconhecíveis à primeira vista, mas logo vão tomando forma. Nervos de aço, na abertura, é um vaporwave aterrorizante com sintetizador aludindo aos anos 1980, gravação de desenho animado e tom de Richard Clayderman dos infernos – até que tudo é acelerado. Tem de haver uma resposta une discursos de políticos, propagandas antigas da Bombril, jingles e trechos de I know there’s an answer, dos Beach Boys. Narrações e sons da natureza, em meio ao clima sombrio, animam Quem realmente está livre.
- Ouvimos: Manco Capac – Bom jantar (EP)
- Ouvimos: Fluxo-Floema – Ratofonográfico
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
- Ouvimos: Anika – Abyss
Um detalhe interessante sobre o Ultrasonho é que Thomas acha terror em sons que vemos como naturais. Baclofeno midnight faz de sons de rádio e de uma propaganda de creme dental (!) puros manifestos sobrenaturais. Um conto infantil de extremo mau gosto, narrado com sotaque sulista, dá o tom em Os meninos pregados, enquanto até mesmo o piano romântico de Dolce frequentiae aterroriza, ao lado de vários samples de voz. Preciso desinstalar meu instagram é um blues medonho, que reduz o pitch de uma gravação de voz de Silvio Santos – o “patrão” fica parecendo um zumbi.
Muita coisa de Nós nunca vamos morrer vem do rádio, transformado em uma caixinha de sons assustadores em Infinitu scrimu, e subvertido de forma irônica em Relatos de um pai ausente, em que colagens criam a frase “a maioria das pessoas trabalha de 96 a 98 horas por dia” e transformam o dia a dia de um filho com pai sumido em um corredor sombrio. No final, a faixa-título mistura musica de faroeste e uma onda sonora de vozes distorcidas e sons superpostos. Se o álbum do Ultrasonho fosse uma colagem de imagens, você não conseguiria assistir duas vezes.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Hominis Canidae REC
Lançamento: 5 de junho de 2025.
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