Crítica
Ouvimos: Robson Jorge e Lincoln Olivetti, “Dèjá vu”

- Dèjá vu é o segundo disco de Robson Jorge (1954-1992) e Lincoln Olivetti (1954-2015), feito com material gravado pela dupla entre 1982 e 1986. Antes, os dois haviam gravado um álbum em 1982 (o de hits como Aleluia), além de alguns singles, como o de Babilônia rock (tema do filme Rio babilônia).
- O disco é uma espécie de mini-LP (como aqueles LPs pequenos da EMI nos anos 1980) com cinco faixas pensadas pela dupla para ser uma sequência do disco de 1982. Mary Olivetti achou as faixas em fitas de rolo e HDs deixados pelo pai. O trabalho ganhou pós-produção e organização feitas pelo produtor Alexandre Kassin.
- Dirigida por Augusto Olivani, a Selva Discos é um selo “dedicado a desenterrar e relançar músicas brasileiras únicas e requintadas, do passado e do futuro”. Lançamentos de Fernando Falcão, Marlui Miranda e Edson Conceição estão no catálogo do selo (confira e ouça no Bandcamp).
Se Dèjá vu, disco novo de Robson Jorge e Lincoln Olivetti, não existisse, teria que ser inventado. Pensando bem, de certa forma, é um disco inventado, criado, imaginado, e que reimagina a música nacional dos anos 1980. E se o pop nacional dos anos 1980 não tivesse mudado totalmente após 1982, quando rolou o estouro das bandas de rock? E se o pós-disco e o boogie continuassem firmes e fortes por aqui, dividindo espaço com outros estilos musicais, misturando-se com outros gêneros?
Pensando bem, essa última hipótese foi o que aconteceu (o próprio Lincoln esteve por trás de algumas dessas metamorfoses), mas o contexto era bem outro. O “e se?” permite uma larga variedade de hipóteses e histórias paralelas – no caso de um mercado musical cruel, extrativista e monocultural como o do Brasil, permite a resolução de crises nas não muito infinitas terras do pop nacional. Parte da resposta para alguns desses questionamentos está nesse segundo disco da dupla Robson & Lincoln. Soa quase como fotografia dos bastidores, uma visão musical das madrugadas viradas em estúdio pela dupla, criando músicas para diversão própria ou fazendo trilhas para filmes, ou colaborações com outros artistas.
Dèjá vu surgiu de material milagrosamente encontrado por Mary Olivetti, filha de Lincoln. Mas ganhou colaborações atuais, como na recuperação de músicas feitas pelo produtor musical Alexandre Kassin (que orquestrou os metais de Sem essa ao lado de Marlon Sette, a partir do arranjo de Lincoln). Suspira, a faixa de abertura (e primeiro single do álbum), é relacionada diretamente aos trabalhos de Olivetti desenvolvidas ao lado de Marcos Valle (como no disco do cantor lançado em 1983). O funk Dance baby, aberto com uma forte linha de baixo, lembra os temas da dupla que costumavam aparecer em trilhas incidentais de filmes e novelas – sendo que Sem essa, originalmente, era mesmo um tema usado no filme Menino do Rio.
Completando o disco, o balanço de You, que mostra Lincoln e Robson dialogando musicalmente logo na abertura, com guitarra e sintetizadores. E Batebca (o nome é assim mesmo), a melhor e mais bem gravada música do disco, um tecnobalanço cinematográfico com aqueles vocais costumeiros de Robson, feitos em cima dos solos de guitarra, na cola de George Benson. Para ouvir, reouvir e torcer por mais material surgindo dos guardados da dupla.
Gravadora: Selva Discos
Nota: 9
Foto: Reprodução da capa do disco
Crítica
Ouvimos: Radiohead – “Hail to the thief live recordings 2003-2009”

RESENHA: Registro ao vivo de Hail to the thief (2003) mostra Radiohead intenso e renovado entre 2003 e 2009, revalorizando o disco original.
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Thom Yorke, líder do Radiohead, nunca se sentiu muito confortável fora da sua casca. De certa forma, mesmo suas opiniões “polêmicas” sempre trouxeram aquela visão abstrata das coisas que costuma brotar em entrevistas de gente acostumada a ser chamada de “gênio” – mesmo que nem seja. Em alguns casos, as opiniões de Thom são ruins, mesmo. Ou simplesmente atabalhoadas, como naquela situação em que ele foi praticamente forçado a expor sua visão sobre Palestina x Israel, protestou contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, mas deu um jeito de sair pela tangente.
No caso de Hail to the thief, disco de 2003 do Radiohead, havia algumas coisas para notar assim que ele saiu. O Radiohead havia feito um disco político – ainda que com letras extremamente oblíquas e que se pareciam mais com fábulas estranhas do que com qualquer outra coisa. Livros como 1984, de George Orwell, e discursos do então presidente norte-americano George W. Bush em época de guerra serviram como inspiração. O som do disco, tão dolorido quanto o dos álbuns anteriores, soava como um pós-punk maníaco (ou um progressivo com alfinetes na bochecha, vá lá), em que tudo transpirava pressa.
- Ouvimos: Shearling – Motherfucker, I am both: ‘amen’ and ‘hallelujah’ …
- Ouvimos: Paul Weller – Find El Dorado
- Ouvimos: Apeles – Cru
Hail to the thief, vale dizer, estava mais para uma espécie de “obra aberta”, na qual cabem diversos entendimentos – aliás, recentemente Yorke retrabalhou todo o conteúdo de Hail para a produção da Royal Shakespeare Company Hamlet hail to the thief, o que já mostra o caráter (vá lá) elástico do álbum. E foi justamente por causa dessa produção que Thom decidiu ouvir gravações ao vivo das faixas de Hail – o que gerou esse Hail to the thief live recordings, com registros entre 2003 e 2009.
A versão ao vivo de Hail está bem longe de ser um caça-níqueis barato. O Radiohead vai no repertório como quem vai atrás de um prato de comida, como comprovado pela audição das releituras de faixas como There there, 2 + 2 = 5, Where I end and you begin, The gloaming e várias outras. Tem um subtexto histórico: o Radiohead de 2003 é diferente existencialmente do de 2009, já que o primeiro ainda era contratado da Parlophone e o segundo, uma banda independente que estava divulgando In rainbows (2007), o disco do “pague o quanto quiser”. Era também uma banda descontente consigo própria, já que Hail foi considerado por eles como um disco grande demais e meio enfadonho.
Musicalmente, é a vitória do rock experimental em tempos incertos, com faixas chorosas como I will sendo aplaudidas por plateias de arena (em Londres, Amsterdã, Buenos Aires e Dublin, lugares onde as gravações foram feitas). Hail to the thief está bem longe de ser o melhor disco do Radiohead, mas sai revalorizado das versões ao vivo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: XL Recordings
Lançamento: 13 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Apeles – “Cru”

RESENHA: Gravado ao vivo em uma tarde, Cru mostra Apeles em voz e guitarra, revisitando faixas antigas e tendo o eco do local como um instrumento a mais.
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Eduardo Praça, o músico, cantor e compositor por trás do Apeles, já havia lançado um diferentíssimo álbum triplo em março, 2015-2022: The complete demos and early recordings, com as primeiras gravações que fez usando o codinome. Cru, novo disco do Apeles, sai agora com a mesma disposição para apresentar algo novo. O músico gravou o disco ao vivo durante uma única tarde, no estúdio White Noise, em Los Angeles – e fez todos os registros apenas com voz, guitarra e eco.
Por sinal, bastante eco: todo o repertório parece ter sido gravado numa garagem abandonada, ou numa igreja. Em Cru, Eduardo revisita canções antigas do Apeles, abrindo com a balada abolerada de Vermelha, Ele prossegue com a experimentação de Clérigo e A alegria dos dias dorme no calor dos seus braços, e adere de vez ao clima sombrio na balada Socorro.
Cru também tem um lado meio sixties, meio brega em Vesania I (Cabo horn), e vai para um lado rocker, que chega a lembrar Creedence Clearwater Revival, em Desconocidos. Vibes ligadas a bandas como Smiths surgem em Lábios mentem à distância e Pax, patz, paz. Em alguns momentos, dá para perceber que o esquema de voz-e-guitarra impõe limitações de arranjo, especialmente em faixas com elementos parecidos. Por outro lado, no final, Cru (I rise in pieces), traz uma espécie de lado oculto do projeto, com clima fantasmagórico na voz e na guitarra.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Balaclava
Lançamento: 12 de agosto de 2025.
Crítica
Ouvimos: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável – “Ident II dades” (EP)

RESENHA: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável mistura shoegaze, punk triste e dream pop em EP sombrio e intenso sobre fugas, superações e sonhos.
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Banda paulista cujo nome volta e meia é confundido com o de outro grupo (E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante), o A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável vai além de nomenclaturas como “shoegaze” e “lo-fi” no novo EP, Ident II dades. Em faixas como Espaço/tempo, o som deles chega a lembrar o de formações hoje esquecidas, como o Kafka, pela união de ruídos, psicodelia e de instrumental quase espacial, levado pela guitarra.
Tempo/espaço, a continuação, tem mais cara de punk triste, ou de emo em tons bem mais sombrios, com microfonias. Distante abre com guitarra de textura quase eletrônica, e um som perto do punk, com peso e intensidade. As letras e os recados do disco são voltados para coisas deixadas para trás, fugas, superações e sonhos bem estranhos, como na vinheta falada de 94 (“entre uma fuga e outra você vai consegui se divertir”) e na trama slowcore de Santana 1994.
No final, Excursionista selvagem é mais ensolarada que o restante do disco, trazendo muito do dream pop dos anos 1980, mas sem deixar de lado a beleza sombria que marca o som da banda. Ouça como quem invade um ensaio do grupo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Selo Quituts
Lançamento: 6 de junho de 2025
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