Crítica
Ouvimos: Oasis, “Definitely maybe – 30th anniversary”

Não adianta: por mais que você goste mais do Blur (é meu caso, relaxa), não dá para não reconhecer que o Oasis veio ao mundo com uma estrela deste tamanho. O grupo liderado pelos irmãos Noel e Liam Gallagher sempre teve em mente uma espécie de modelo do que é preciso para fazer uma canção de rock se tornar clássica. Já estava mais ou menos claro desde a estreia com Definitely maybe (1994), um disco que, mais do que tudo, veio para satisfazer os desejos de quem ouve um disco de rock sonhando em se tornar um rockstar – enfim, como quem assiste a uma partida de futebol sonhando em virar o camisa 10 de um time (não por acaso música e futebol andaram juntos na história do Oasis várias vezes).
Detalhe que não se trata apenas de ter boas canções ou boas ideias. Dá para imaginar que uma parte bem grande do material do Oasis seria descartada por bandas como Stone Roses, The La’s e o próprio Blur por ser apelativa demais, mais do mesmo demais, ou algo do tipo. Não dá para fazer a defesa cega do senso de oportunidade num tempo tão cínico e tão escroto como o de hoje, em que bandas independentes são sacanaeadas por plataformas digitais e a política estúpida do mercado fonográfico cancela festivais, majora preços de ingressos e inviabiliza mudanças. Mas o Oasis se deu bem justamente por pelo menos tentar entender o que estava acontecendo ao seu redor, ou pelo menos parecer que estava tentando. Não se surge para o mercado com músicas como Rock’n roll star e Live forever a passeio, claro.
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Dito isso, quem já ouviu Definitely maybe um trilhão de vezes desde 1994 vai encontrar algumas novidades nessa edição de trinta anos do disco (lançada, vale dizer, poucos dias após o anúncio da turnê da banda). Mas nem tanto: o disco volta no mesmo remaster feito para a edição comemorativa de duas décadas, que vinha acrescida de mais de duas horas de música, contendo demos e gravações ao vivo, e até hoje é imperdível para fãs emperdernidos (as). O cozidão de hard rock, punk, glam rock, Beatles, Rolling Stones e indie rock britânico dos anos 1980 volta, de qualquer jeito, disposto a crescer novamente nos ouvidos de qualquer fã das antigas, na parede de guitarras de Up in the sky (quase um encontro imaginário entre Deep Purple, Beatles e Buzzcocks, se é que isso é possível), no estilo pesado e largadão de Columbia, na elegia a Marc Bolan de Cigarettes & alcohol e na mescla de Sex Pistols, Small Faces e Kinks de Digsy’s dinner.
As novidades ficam para o disco 2, que traz as sessões abandonadas que a banda havia feito antes de registrar em definitivo o primeiro álbum e dar OK para o material finalmente sair. Antes da versão oficial de Definitely maybe, o grupo fez duas tentativas nos estúdios Monnow Valley e Sawmills – respectivamente, com Dave Batchelor e a dupla Noel Gallagher/Mark Coyle no comando dos trabalhos. Um material que, na época, pareceu pouco atraente aos olhos do grupo – particularmente as gravações de Monnow Valley soaram “excessivamente técnicas e polidas” para o Oasis, e não conseguiram “capturar a essência da banda”, segundo o próprio grupo. Já o material de Sawmills foi remexido em estúdio por Owen Morris e se tornou o álbum que todo mundo conhece, após vários truques de mixagem (o baixo chegou a ser filtrado por um sintetizador Mini Moog, por exemplo – e muito do álbum vem das mumunhas de estúdio de John Lennon, ao registrar seu trabalho solo com Phil Spector).
O clima “polido” não transparece após a audição das sessões de Monnow Valley, especialmente nas versões de Rock’n roll star e Up in the sky feitas lá. O material de Sawmills, por sua vez, surge com urgência quase punk e som emparedado como no disco que todo mundo conhece – Noel Gallagher achava que, para o disco trazer o som da banda ao vivo, era preciso gravar sem isolamento acústico e fazer vários overdubs de guitarra para engordar a música. Morris suou e gastou saliva dialogando com a banda e o selo Creation, e ajudou a transformar Definitely maybe num clássico do qual hoje, pode-se dizer: o resto é história. E que história – completada aqui por uma demo de Sad song com Liam Gallagher nos vocais, e pela capa reimaginada sem nenhum dos integrantes da banda.
Nota: 9
Gravadora: Big Brother Recordings Ltd
Crítica
Ouvimos: Hélio Delmiro e Augusto Martins – “Certas coisas”

RESENHA: Gravado pouco antes da morte de Hélio Delmiro, Certas coisas evita o tom de despedida com repertório variado e ótima sintonia com Augusto Martins.
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Quando o violonista Hélio Delmiro morreu (vítima de complicações de diabetes e problemas renais em 16 de junho, aos 78 anos), não apenas Certas coisas, gravado com o cantor Augusto Martins, estava terminado, como também o músico já estava prestes a cumprir agenda de imprensa – já até tinha dado uma entrevista. Produzido por Moacyr Luz, o álbum chuta a tristeza para o mais longe possível e escapa do clima de epitáfio, por causa da dinâmica entre cantor e músico, e pela vontade com que Hélio ataca violão e guitarra nas doze faixas.
Hélio Delmiro teve inúmeros amigos, parceiros e testemunhas. Seu trabalhos como guitarrista e violonista de cantoras como Elis Regina e Clara Nunes sempre são lembrados. Mas ele também tocou em grupos como o Fórmula 7, e na banda da versão carioca do Jovem Guarda, programa apresentado por Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos durante os anos 1960.
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Como um reflexo dessa trajetória variada, o repertório de Certas coisas vai da MPB clássica à mais popular. Certas coisas, de Lulu Santos e Nelson Motta, aparece com algo de blues no andamento – e De repente, lado B da dupla de compositores, encerra o álbum ganhando cara de música de Gilberto Gil. Fotografia (Tom Jobim), que teve a guitarra de Hélio na gravação do disco Elis & Tom (1974), traz o músico ao violão unindo jazz e blues, e encartando um trecho de Garota de Ipanema (Tom Jobim e Vinicius de Moraes). Jardin d’hiver, popularizada por Henri Salvador, investe no samba-jazz noturno, e até Como vai você, de Antonio Marcos e Mario Marcos, está no repertório.
Augusto, cantor bom e despojado, acompanha e se deixa acompanhar por Hélio. O resultado vai do canto correto da faixa-título à entrega de Fotografia e de Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) – que se torna um samba épico, quase viajante – passando por uma versão contida até demais do bolero Contigo aprendi (Armando Manzanero). O repertório tem uma música totalmente inédita – a ótima Acanhado, de Hélio e Moacyr Luz – e traz como maior surpresa Bye bye Brasil, de Chico Buarque e Roberto Menescal, gravada como se fosse uma bossa pop de Rita Lee e Roberto de Carvalho.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Mills Records
Lançamento: 30 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Alberto Continentino – “Cabeça a mil e o corpo lento”

RESENHA: Alberto Continentino, com Cabeça a mil e o corpo lento, faz pop-psicodélico com clima setentista e cinematográfico, misturando MPB, soul, bossa, boogie e city pop.
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Mais do que o groove das músicas de Lincoln Olivetti e Robson Jorge, os discos de Gal Costa feitos entre os anos 1970 e 1980 – com todo aquele aspecto pop, mágico e quase espacial – parece servir de referência para vários álbuns e músicas das novas gerações da MPB. O terceiro disco de Alberto Continentino, Cabeça a mil e o corpo lento, tem muito desse clima.
Essa musicalidade rola em faixas que passam igualmente por um filtro psicodélico (Coral, com Dora Morelenbaum, e o single Milky way, com Leticia Pedroza) e fluido musicalmente – é o caso do disco todo, mas especialmente de O ovo do sol, que lembra os discos de orquestras dos anos 1970 e tem um quê passadista-futurista que ruma em direção a Stereolab e Arthur Verocai.
- Ouvimos: Dora Morelenbaum – Pique
- Urgente!: Wet Leg aquece para Moisturizer no Tiny Desk. Ana Frango Elétrico na vibe pós-disco.
- Ouvimos: Stereolab – Instant holograms on metal film
Cerne, por sua vez, é um balanço no estilo de discos de Dom Salvador e Waltel Branco, com ritmo dado por assovios. Manjar de luz, com Ana Frango Elétrico, é tranquila e mântrica em letra e música. Go get your fix, com Gabriela Riley, une samba, bossa e city pop, e Uma verdade bem contada, com Nina Miranda nos vocais e Kassin na parceria, é boogie com cara de trilha de filme nacional antigo.
Como músico, Alberto tem duas décadas de carreira e trabalhou com músicos como Caetano Veloso, Ana Frango Elétrico, Adriana Calcanhotto – é um nome que provavelmente você já viu em muitos shows e discos. Em Cabeça a mil e corpo lento, por sua vez, ele filtra tudo que aprendeu nos estúdios e palcos por um clima voador e quase sempre, cinematográfico. O terço final do disco, com o soul Negrume, o pop francês carioca Vieux souvenirs (com Nina Becker) e a balada Madrugada silente – uma parceria com Negro Leo, levada por piano Rhodes, violão e baixo – traz bastante disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Selo RISCO
Lançamento: 17 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Gustavo Ortiz – “Desafogo” (EP)

RESENHA: Com samba, jazz e até ambient, o EP Desafogo, de Gustavo Ortiz, trata de liberdade e denúncia, com destaque para a faixa José, João.
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“Desafogo” é uma daquelas palavras que a gente está acostumado a ler mas, em vários casos, nunca parou para ver o significado – uma palavra ligada ao fim de algo que oprime, pressiona, sufoca. No caso do EP do paulista Gustavo Ortiz, ela conceitua um repertório que fala sobre formas diferentes de viver. Mas apontando também para os tais momentos em que a opressão diária dá um tempo.
O clima também é de denúncia, e muita. A faixa José, João, com Romulo Fróes, foi lançada em single no simbólico 1º de maio, e é dedicada ao pai de Gustavo, um ex-caminhoneiro que começou a trabalhar ainda na infância, e morreu de covid poucos dias antes de receber a vacina – o clipe traz imagens do aniversário de 3 anos de Gustavo, com o pai entre os presentes, A faixa-título, composta há 16 anos, fala sobre como às vezes é complicado apenas esquecer dos problemas e descansar. Botafé propõe, na letra, liberdade para ser, ao mesmo tempo, silêncio e barulho.
Musicalmente, Desafogo é um samba com variadas referências. A faixa de abertura Trago voa pelo jazz, pelo samba de Jorge Ben e até pelo ambient. A faixa-título tem samba, afoxé e até um lado seresteiro, com coral feminino no estilo das Gatas. O violão e a voz dominam Casca cascata, e uma vibe quase carioca, herdada de Aldir Blanc e seus muitos parceiros, aparece em José, João. E Botafé encerra o disco em tom de chamada e de valsa afro.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 20 de junho de 2025
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