Crítica
Ouvimos: Nina Maia, “Inteira”
- É assim que Nina Maia, 21 anos, explica à revista Noize o conceito de seu álbum de estreia, Inteira: “A personagem começa trancada, questionando a si mesma e o mundo ao redor. Aos poucos, ela passa a entender o que aconteceu dentro de si e o que a deixou nesse lugar. É a partir daí que ela busca se revelar, vai ganhando coragem e encara tudo isso, com amor e perdão. No final ela se liberta, depois de juntar todos os cacos e se refazer. Ganha força e vai pro mundo, inteira”.
- A produção do álbum é assinada por ela mesma em parceria com Yann Dardenne. O grupo que tocou no disco tem Thalin (bateria), Valentim Frateschi (baixo), Francisca Barreto (cello) e Thales Hashiguti (viola e violino).
- O material do disco foi sendo testado e produzido não apenas em estúdio como também nos shows de Nina. “Fazer shows e tocar as músicas ao vivo antes de gravar o disco também ajudou a entendermos os caminhos da produção. Fomos testando propostas diferentes nestas apresentações, sentindo as possibilidades dos arranjos de cada canção”, continua.
Inteira, estreia de Nina Maia, é uma travessia em forma de disco. O repertório foi sendo construído durante sete anos, as letras têm vários questionamentos que Nina fez da adolescência até hoje. E ela própria trata a organização das músicas do álbum como uma jornada, uma personagem que vai amadurecendo e ganhando força.
Entre letras existenciais e jornadas pessoais, Inteira é basicamente um álbum de art pop, de MPB definida pela criação de um design musical. Em termos de álbuns mainstream, dá para lembrar de discos como a dupla Universo ao meu redor e Infinito particular, de Marisa Monte, e de uma versão mais mântrica e quieta, menos pop, de Os grãos, dos Paralamas do Sucesso.
O disco abre com uma MPB quase motorik em Caricatura – um som minimalista que destaca o vocal de Nina e o piano da faixa. Por sinal, mesmo nos momentos mais ambient, é o piano que dá uma humanizada no som, como rola em músicas como a marítima Kaô e Mar adentro (na qual a voz de Nina surge com várias gravações sobrepostas, e vai ganhando caráter percussivo).
Algumas faixas do disco confundem o/a ouvinte, pelos mais variados motivos. Em Sua, dá para ficar sem saber o que é voz, teclado ou orquestra. Quando fica mais claro o que é um e outro, os efeitos na voz de Nina dão ambiência e ajudam a contar uma história na música. Vocais no estilo dos Beach Boys dividem a faixa em duas partes.
Menininha, no fundo, é um samba – ritmo que, por sinal, é evocado durante boa parte do disco, sem servir como fator de definição. Mas é uma música eletrônica, sombria e com uma abertura quase gótica, com programações e ruídos emoldurando a voz, e um caráter quase pós-punk modelando a produção.
Mais experimentações musicais surgem em faixas como Amargo, com uso incomum de instrumentos e no tom camerístico de Salto de fé. Curiosamente, é Inteira, que encerra o disco, uma das faixas mais acessíveis – é uma espécie de samba-reggae, com suíngue no violão e na percussão, sem largar os experimentos de estúdio.
Falando assim, parece que Inteira é um disco “difícil”. Nada disso, é só uma MPB bastante renovada e com muita criatividade em composição e produção, e que trata canções como episódios de uma série. Ouça de fone.
Nota: 9
Gravadora: Seloki Records
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Crítica
Ouvimos: White Denim, “12”
- 12 é o (adivinhe só) décimo-segundo álbum da banda norte-americana White Denim. James Petralli, criador do grupo, começou a escrever o álbum assim que saiu o anterior, Raze regal & White denim Inc, em novembro de 2023.
- O processo de criação do álbum, e de outros side projects de Petralli, foi registrado numa newsletter assinada por ele. Algumas demos e esqueletos de canções foram divulgadas por lá.
- “Neste disco, há muitas bandas, às vezes na sala comigo, às vezes a quilômetros de distância em uma colaboração remota, e esse processo abriu muitas possibilidades para mim”, diz Petralli, que teve mais oito pessoas (entre convidados e parceiros) como colaboradores.
O White Denim já foi selvagem sem deixar de ser belo. Um encontro entre slacker rock, psicodelia e punk que, além de impressionar, deixava todo mundo na dúvida sobre qual seria o próximo passo, sobre o que estaria até mesmo na próxima música do disco, ou nos próximos minutos da mesma faixa. Desse período, vá sem medo ao primeiro álbum, Workout holiday (2008), um disco que deixaria Kevin Ayers orgulhoso de seu legado.
Se você achou que iríamos usar o velho truque de citar um disco da antiga em comparação com o novo apenas para depreciar a fase nova, enganou-se – 12 é mais do que apenas uma evolução, é uma aula de como fazer música de embevecer. O White Denim, sempre liderado pelo criativo James Petralli, volta numa mescla de psicodelia, jazz rock, yacht rock, bossa psicodélica, power pop, soul e folk mágico, com um resultado tão variado que dá vertigem. Há coisas que lembram Beach Boys e Monkees, há até um aceno às trilhas que Vince Guaraldi compôs para o desenho do Snoopy (Your future as god, que por pouco não lembra também um Gentle Giant dançante).
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Do repertório de 12 faz parte o jazz-rock lisérgico de Light on – cuja letra tem uma mensagem “positiva” que, justamente por unir várias situações desagradáveis (“cara, às vezes é difícil permanecer vivo/tão difícil dormir sozinho à noite/muitas pessoas vão espalhar algumas mentiras/muitas mais vão usar disfarces”) e apelar para a resiliência, parece até brincadeira. Por acaso, esse clima de ironia x seriedade aparece algumas vezes no álbum. A balada 60’s Flash bare ass começa fazendo uma brincadeira em que fãs encomendam trabalhos a artistas, para depois concluir “posso dizer que você será real/tentando ser alguém de quem gosta/o trabalho é mais difícil do que parece/você vai botar a bunda na janela em plena luz do dia”.
Do começo ao fim, a variação de 12 inclui um folk suingado e experimental que cheira a bandas como Aztec Camera e Crowded House (Swinging door), rock entre folk e power pop com uma batida jazzística que confunde ouvidos (Econoling), indie disco (Look good) e coisas que lembram a fase A wizard, a true star de Todd Rundgren, como em I still exist e We can move along. Precious child, por sua vez, é um soul que lembra Cassiano e Stevie Wonder – este, especialmente nos vocais. Second dimension parece um desdobre indie e estranho da fase 80’s dos Doobie Brothers, com direito a solinho de synth.
Uma surpresa bem, digamos, sui generis em 12 é Hand out giving. Uma canção que parece falar sobre amizade, que abre como uma balada com toques folk e chega a lembrar bandas como Journey (!) e que… bom, acho que não precisava chegar a tanto. Mas levando em conta o que é o universo do White Denim, faz sentido.
Nota: 9
Gravadora: Bella Union.
Crítica
Ouvimos: Torrey, “Torrey”
- Torrey é o novo álbum do (ora vejam só) Torrey, ruidoso grupo de San Francisco, Califórnia. Na formação do grupo, Ryann Gonsalves (voz, baixo), Kelly Gonsalves (guitarra), Adam Honingford (voz, guitarra), Keith Ival (bateria) e Matthew Ferrara (teclados, guitarra).
- A vocalista Ryann faz parte de uma outra banda excelente que lançou disco esse ano, o Aluminum (leia resenha do disco Fully beat aqui). Uma banda que (frase nossa) parece um primo perdido de grupos como Ride, Happy Mondays, My Bloody Valentine e Boo Radleys.
- É o primeiro disco do Torrey para o selo Slumberland – a mesma gravadora que lançou discos de bandas como The Pains Of Being Pure At Heart, Stereolab e Velocity Girl.
Tem algo no som do Torrey que remete ao rock britânico dos anos 1990 antes do brit-pop começar a existir de verdade, mas sem o projeto de balanço que aparecia em discos de bandas da época. Basicamente o som desse grupo é um quase-shoegaze, uma espécie de power pop em negativo, com boas canções, referências de jangle pop e sonoridade chuvosa e nublada. É o que rola nesse álbum epônimo, em faixas como (olha só o nome!) Rain, que tem uma intro grande de guitarra e voz, e microfonias abrindo espaço para sonoridades mais tempestuosas. Ou No matter how, cujo início soa cono uma demo bem gravada, e logo depois mostra algo profundamente ligado ao bubblegum sessentista.
Em Moving, a acústica de bateria e vocais dão uma cara especial, assim como a gravação de guitarra – tudo isso junto dá um tom noturno e misterioso que é uma das marcas do novo disco. Bounce, por sua vez, tem algo que lembra o U2 do começo, ou bandas como Comsat Angels. A combinação entre vocais femininos e masculinos traz sensibilidade como diferencial, nessa faixa. Hawaii é aberta com muita distorção de guitarra e baixo. A voz vem distorcida como se saísse de um megafone e o som parece uma união de Jesus And Mary Chain e The Cure. Igualmente Slow blues tem lá suas lembranças do Jesus (mais aproximadamente do andamento de Teenage lust, música do álbum Honey’s dead, de 1992), mas ganha clima sonhador e contemplativo.
Um dos momentos mais descaradamente pop do disco é justamente uma música chamada Pop song, que lembra uma versão mais sinistra do começo do The Cure, com vocais e linhas melódicas apropriados para quem curte dissonâncias (dá para fazer uma comparação com o som da banda brasileira Pluma). July (And I’m) é shoegaze acústico, tocado no violão, lembrando coisas antigas do Ride. Perto do fim, o pós-punk distorcido e meio psicodélico de Happy you exist, o anti-power pop de Really am (que abre com uma guitarra que soa como uma fita K7 antiga se desfazendo) e a onda sonora de distorção de We’re dancing (End). No geral, o Torrey fez um disco para quem curte sons melódicos feitos em camadas de ruído – como acontece também com o Aluminum, a outra banda da cantora Ryann Gonsalves.
Nota: 8
Gravadora: Slumberland Records
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Crítica
Ouvimos: Guga Bruno, “7”
- 7 é o sétimo disco do cantor e compositor carioca (“tijucano”, esclarece) Guga Bruno. Guga é ex-integrante de uma banda que marcou época no rock do Rio nos anos 2000, o Lasciva Lula, faz trilhas sonoras e toca guitarra também na banda Melvin e Os Inoxidáveis.
- Em 2024, ganhou duplamente o prêmio de melhor trilha sonora do Festival do Rio com os filmes Kasa Branca (Luciano Vidigal) e Quando vira a esquina (Chris Alcazar), ambos em parceria com Fernando Aranha – sim, eles empataram consigo mesmos, como o release de Guga explica.
- O próprio Guga Bruno produziu o disco, além de compor tudo sozinho.
Não é para desanimar ninguém, não, mas o novo álbum do cantor, compositor e trilheiro carioca Guga Bruno é bastante realista, mesmo quando soa um tanto quanto pessimista. Lembrando nomes como Walter Franco, Belchior e Arnaldo Antunes/Titãs, ele entrega partículas poéticas de bolso em faixas como Achismos (power pop de menos de um minuto que abre o disco). Também solta o verso “aceita que dói/aceita que dói mesmo” no indie rock soul Escapismos. E traz uma visão bastante lúcida sobre o que significa sorte e azar num mundo desigual (Sorte, escolha e circunstância, um punk melódico cuja letra abriga racismo, traumas, cartas que vêm à mão, determinismos, escolhas e coisas que não mudam mais, porque já passaram).
O ponto fraco de 7 é que as músicas de Guga, todas excelentes, mereciam mais peso na voz e na bateria. Por outro lado, o maior peso do disco vem justamente da estrutura das canções e das letras. Como em Passaporte, uma espécie de bubblegum indie que encerra o disco e traz uma reflexão diante de todas as outras letras: “Não faça planos/faça pães/faça partos/faça parte do que quer mudar/faça arte/faça chuva ou faça sol e na tempestade faço um samba para respirar” . Socorro traz uma visão pessoal de Guga sobre a letra de Socorro (Arnaldo Antunes e Alice Ruiz). Fúria flor, uma balada com letra lembrando Secos & Molhados, diferencia fúrias e sensibilidades (“a fúria flor só quer se acalmar”). Dormente, com apenas um minuto, traz um tom especial e meditativo para o álbum.
O lado mais pop-rock do disco traz à memória o Lasciva Lula, banda anterior de Guga Bruno – incluindo aí a tendência do saudoso grupo para mesclar poesia surrealista e indie rock herdado de Pixies e pós-punk britânico. É o que rola no quase punk Juízo inicial, no punk country Voltar pra casa, cuja letra mistura saudade, dor e superação, e na balada Mesmo sem querer.
Nota: 8
Gravadora: Independente
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