Crítica
Ouvimos: Julie, “My anti-aircraft friend”

- My anti-aircraft friend é o primeiro álbum da banda norte-americana Julie. O grupo existe desde 2019, vem de Orange County (Califórnia) e é formado por Keyan Pourzand (voz, guitarra), Alexandria Elizabeth (voz, baixo) e Dillon Lee (bateria).
- Traduzido para o português, o nome do disco do Julie dá um ótimo trocadilho: “meu amigo anti-aéreo”.
- Além da música, os três são artistas visuais e responsabilizam-se pela arte do grupo – inclusive a capa do álbum, feita em trio. “Qualquer coisa criativa que tenha a ver com a banda é criada por nós três. Então já parece que estamos fazendo arte metade do tempo de qualquer maneira”, contaram ao site Dork.
- “Eu nunca penso realmente sobre o que faz um ótimo álbum de ‘estreia’, apenas sobre o que faz um ótimo álbum. Então não tenho tanta certeza. A maioria dos meus álbuns favoritos não são estreias”, diz Alexandria, quando perguntada sobre qual a receita por trás da estreia do grupo.
Considerados uma novíssima banda de shoegaze (resenhas apontam influências de Sonic Youth, My Bloody Valentine e Swervedrive no som deles), os norte-americanos do Julie são bem mais do que isso. Revelado pelos fãs (e para os fãs) em redes como tik tok e Instagram, o trio volta com classe às noções antigas de rock alternativo e trilha seu álbum de estreia, My anti-aircraft friend, no corredor dos “novos Nirvanas” que eram contratados pelas grandes gravadoras lá por 1992.
Muita coisa do álbum tem o mesmo senso de música-feita-com-microfonias de álbuns como Daydream nation e Goo, do Sonic Youth – a abertura com Catalogue, por exemplo. E certas coisas lembram bastante o lado mais sinistro do grunge – faixas como Tenebrist e Clairbourne practice soam como uma releitura mais adocicada de bandas como Tad e Melvins.
Já em outros momentos, fica claro que sem a audição de discos como Bleach (1989) e In utero (1993), do próprio Nirvana, muita coisa ali não teria sido feita. Em especial no caso das faixas Knob, I’ll cook my own meals, Piano instrumental e Thread, stitch, que soam como reviradas particulares no lado mais sinistro e quase stoner do grupo de Seattle – o de músicas lado-Z como Sifting e Paper cuts, do Bleach. O tom nu e cru de várias letras do ábum lembra também bastante o estilo de Kurt Cobain – por acaso, dois integrantes do grupo, Alexandria Elizabeth (voz e baixo) e Dillon Lee (bateria) são ilustradores, profissão na qual Kurt se metia às vezes.
Lendo esse texto, fica a impressão de que o Julie é uma banda sem identidade. De jeito nenhum: My anti-aircraft friend é um dos álbuns mais animadores do ano, o disco que muita gente precisa ouvir para voltar a acreditar no rock, numa época em que álbuns do estilo são recebidos com bem menos paciência por vários jornalistas do que lançamentos de hip hop ou música pop. Até para unir influências (coisa que a geração anos 1990 do rock cresceu fazendo com a turma dos anos 1970 e 1980), você tem que ter sua marca pessoal, para não entrar para o cordão dos imitadores. O Julie faz essa fusão de referências direitinho.
Para citar mais um nome importante da onda de Seattle, o Julie faz em 2024 com os anos 1990 o que o Soundgarden fazia em 1994 com os anos 1970. E no primeiro álbum. Vale muito ouvir.
Nota: 10
Gravadora: Atlantic
Crítica
Ouvimos: Peter Doherty – “Felt better alive”

RESENHA: Peter Doherty renasce no country rock em Felt better alive, disco de histórias rurais, faroeste psicodélico e gratidão pós-caos.
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Peter Doherty, o líder dos Libertines, é o sobrevivente mais jovem do rock. Enganou a morte por uma gota – e estamos falando de uma pessoa que costumava se divertir com ninguém menos que Amy Winehouse, e que no meio de uma rebordosa de drogas, simplesmente resolveu assaltar o apartamento de seu colega de banda Carl Barat.
Felt better alive, seu quinto disco solo, traz o som de alguém que se sente grato e feliz por ter conseguido escapar do pior – mas que se divertiu muito enquanto curtia os frutos proibidos da vida. Peter escolheu o country, estilo musical eternamente associado a contadores errantes de histórias, para balizar o disco – e o repertório associa-se também a seu atual estado de morador da área rural da Normandia, pai de três filhos (Billie Mae, a mais nova, é homenageada na doce e suingada Pot of gold, com emanações tanto de Bob Dylan quanto de Red Hot Chili Peppers), socialista, limpo e livre de vícios ilegais desde 2019.
- Fizemos resenha do disco mais recente dos Libertines, All quiet on the eastern esplanade.
Felt better alive é um disco, na real, de country rock, com cordas que dão um ar bonito e triste a faixas como Calvados, Out of tune balloon (na cola tanto de Bob Dylan quanto de Tom Waits) e a música-título (que tem uma baita cara de música de faroeste). A nata da malandragem ganha homenagem em Poca Mahoney’s, uma curiosa mistura de canção francesa com tema punk – que vira um curioso hardcore no fim.
Por sinal, sons do país onde Doherty está atualmente morando dão as caras também em Stade océan, quase um blend de Serge Gainsbourg e os álbuns solo de John Frusciante, e o faroeste não-estadunidense de Prêtre de la mer. E até David Bowie é convocado como referência em Fingee, som estiloso, acústico, blueseiro, com cara sonhadora e levemente psicodélica. Um disco de música e histórias, onde Peter arrisca-se a se tornar um menestrel punk-country, a seu estilo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Strap
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: TVOD – “Party time”

RESENHA: TVOD mistura punk e pós-punk em Party time, disco barulhento e introspectivo sobre solidão, abuso e amores fracassados.
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O título Party time pode parecer convite para uma festa insana, mas o terceiro disco da banda nova-iorquina TVOD (“television overdose”) vai além do porre coletivo. Punk e pós-punk de boas guitarras, com clima espacial e um synth apitando para avisar que a festa ali é para quem dança na pista, mas também viaja sozinho pelos cantos.
Os temas abordados nas letras também estão bem longe do clima “festeiro”: quase sempre, Party time fala de abusos, acidentes, amores cagados, morte, solidão – embora a faixa-título fale de uma festa bêbada e nudista que vai até altas horas. De modo geral, Party time é um disco introspectivo com coração barulhento – como se a Gang of Four encontrasse os Buzzcocks numa pista meio vazia, cheia de luzes piscando.
Uniform abre os trabalhos com um riff bêbado de sintetizador. Já Car wreck surfa em guitarras com wah-wah e clima voador, com algo de Syd Barrett. Pool house cruza The Cars e Pixies no meio do caminho entre o punk e o pop sombrio. Em Empty boy, o som cresce em camadas psicodélicas, enquanto Super spy chega a lembrar o U2 em começo de carreira – só que ganhando vocais falados na cola do Sonic Youth. A viagem continua com Mud, que parece o B-52’s em órbita. Wells fargo mistura o cima ríspido e nervoso do The Fall com viradas sessentistas, sons rangendo e clima de garagem. Alcohol desacelera num clima sombrio que remete à fase atual dos Pixies.
No mais, Take it all away traz guitarra econômica e eficaz. Bend ganha batida quase cigana no início, e conclui levando a argamassa sonora dos Pixies para o espaço. E no final, tem a faixa-título, com clima herdado de The Cars, um theremin possuído, guitarras ruidosas e vocais falados lembrando Talking Heads. Um disco coeso, sujo e sentimental.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Mothland
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Cristian Dujmović, “Atisbo” (EP)

RESENHA: Cristian Dujmović mistura pós-punk, bossa e MPB setentista no inventivo EP Atisbo.
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Cantor e compositor formado entre os sons da Argentina e da Espanha, Cristian Dujmović herdou muito da magia do rock argentino na construção de melodias e arranjos, voltando-se para um som ligado ao pós-punk e para algumas doses de experimentalismo musical.
Segundo lançamento após o álbum Desde acá (resenhado aqui), o EP Atisbo abre com as inseguranças e ansiedades de Shock, repleta de riffs simples e bem bolados, de climas entre o luminoso e o sombrio, e apresentando algo de bossa nova na melodia. A mesma vibe, por sinal, surge no jogo de acordes da sinuosa Sin cuerpo.
Já a bela Animal tem algo de rock gaúcho (Nenhum de Nós, Cidadão Quem), e simultaneamente, uma musicalidade que une anos 1990 e 1980. No final, a abolerada Destello ganha uma cara musical próxima da MPB setentista (Beto Guedes, Flávio Venturini), e Quemar tem tom ambient na abertura, emendando com um pós-punk vigoroso e levado adiante por baixo e bateria bem marcados.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 8 de maio de 2025.
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