Crítica
Ouvimos: FACS, “Wish defense”

- Wish defense é o sexto álbum da banda norte-americana FACS. Acabou sendo o último disco produzido por Steve Albini. O engenheiro de som Sanford Parker pegou o trabalho depois que ele morreu.
- Hoje na formação do grupo estão Brian Case (guitarra, voz, teclados), Noah Leger (bateria e percussão) e Jonathan Van Herik (baixo, violão e baixo de seis cordas). Jonathan, que era um integrante original do grupo, voltou após a saída da baixista Alianna Kalaba.
- “Todo esse álbum é sobre a ideia de um duplo, ou um doppelgänger. Como você se apresenta e quem você realmente é. Eu li Doppelgänger: A trip into the mirror world, de Naomi Klein, e fiquei fascinado por como o deslizamento para o mundo digital cria espaço suficiente entre fatos/realidade para que as pessoas parem de ser críticas, apesar das evidências em contrário, e apenas aceitem o que está na tela”, contou Case ao site Birthday Cake Breakfast.
Wish defense, sexto álbum do FACS, trio ruidoso de Chicago, foi feito para gerar tensão — aquele tipo de som que mantém os instintos aguçados, à espera de uma explosão que pode ou não acontecer. Para começar, o disco foi produzido por um mestre nessa arte: Steve Albini, que “gravou” a banda durante dois dias em seu estúdio. O resultado acabou sendo o último álbum produzido por ele (morto em maio do ano passado). E, ouvido em perspectiva, soa como um testamento das habilidades de Albini na captação de bandas ao vivo. As guitarras e os pratos da bateria, por vezes, parecem até suar frio.
Poeticamente, todas as faixas exploram a ideia do duplo — “como você se apresenta e quem você realmente é”, diz o guitarrista e vocalista Brian Case. Musicalmente, Wish defense dialoga com referências como Killing Joke, Public Image Ltd e Wire. As experimentações rítmicas lembram as obsessões de John Lydon na época de Metal box (1979, segundo disco do Public Image), enquanto os vocais blasés e ríspidos ecoam tanto Lydon quanto Jaz Coleman (KJ). Já o clima cáustico dos arranjos remete à primeira fase do Wire.
O baixo pulsante e as guitarras estridentes de Talking haunted chamam atenção logo de cara. Ordinary voices surpreende com um clima samba-hard, onde bateria e chocalho se entrelaçam. O math rock aparece nas quebradiças Wish defense e Desire path — esta última com um quê de Fugazi. O trio chega perto de um samba-jazz do demônio em A room e equilibra peso e beleza na ótima Sometimes only, que gira em torno de um riff circular e uma batida hipnótica. No final, um tom mais “normal” de pós-punk surge em You future, sustentado por um riff de guitarra que constrói a melodia. Um disco feito de sombras e choques.
Nota: 8,5
Gravadora: Trouble In Mind
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025
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Crítica
Ouvimos: Sombr – “I barely know her”

RESENHA: Sombr estreia no emo-pop “yearncore” com I barely know her: melodias grandiosas, drama juvenil e ecos de 1980s e emo moderno.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6,5
Gravadora: Warner Music
Lançamento: 22 de agosto de 2025.
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Existe um gênero musical ainda não lá muito explorado pela mídia chamado yearncore – que é definido por muita gente como uma mescla de emo e metal, o que nem explica lá muita coisa nessa era de gêneros musicais fluidos. De modo geral, é um estilo de emoções derramadas, refrãos levanta-plateia e gravação/mixagem trabalhada o suficiente para que a coisa não resvale no cafona – e se resvalar, que possa atrair uma galera mais indie. Traduzindo: é querer ser o Roupa Nova sem parecer o Roupa Nova (e nada contra uma das maiores bandas da história, é só uma constatação).
Shane Michael Boose, o popular Sombr, 20 anos, tem sido referido como um grande e novo expoente dessa turma aí. Um jovem que, em casa, antes de ser contratado e de trabalhar com um produtor, já havia desenvolvido uma sonoridade justamente nesse estilo: músicas para multidões, com refrãos trabalhados, melodias grandiloquentes e clima geral que valoriza sua excelente voz. I barely know her, seu primeiro disco, é bastante autoral – todas as músicas foram feitas por ele, e o próprio Sombr dividiu a produção com Tony Berg (Phoebe Bridgers).
O fato de I barely know her ser um disco tão pessoal é um grande feito nessa era de dez compositores e 200 produtores para um só single – não dá para não notar que Sombr já chega no mercado com cara própria, e com uma concepção sonora típica de quem ouve muita música, e ouve música como produtor e compositor. Músicas como Crushing, Back to friends e 12 to 12 têm herança do pop e do rock dos anos 1980 – a segunda tem um excelente balanço nos beats e no baixo, próximos da dance music do começo da década de oitenta. E unem as informações musicais de outrora com vibrações sombrias típicas de quem cresceu ouvindo emo, r&b e hip hop, ou pelo menos sujeito a tudo isso.
Entre guitarras que lembram The Police e The Cure, e emanações de Weezer e Beach Boys nas linhas vocais (além de uma saturação vocal que é a cara dos Strokes), Sombr vai das sombras às explosões em músicas como I wish I know how to quit you, a balada triste Canal Street, o bubblegum de Undressed, We never dated e Dime, e o clima dramático e pesado de Under the mat – clima esse que deixa entrar mumunhas de Beatles, Brian Wilson e David Bowie.
Falando assim, parece que Sombr vem com um esquema de pop perfeito e gostável por todo mundo. Não é bem assim: as influências são perfeitas e a atmosfera é das melhores, mas ainda é o começo. Muitas músicas repetem fórmulas (deu certo em uma, tem que dar certo em outra) e algumas dão aquele trato esperto e cult em fórmulas de outros artistas – em alguns momentos chega a passar pela mente uma bizarrice tipo “Justin Timberlake encontra Yungblud”.
Quanto às letras: a persona Sombr é de um rapaz sensível, que choraminga por todas as mulheres que conheceu na vida, supostamente não merecia ter sofrido tanto nas mãos de um monte de garotas e, mesmo sendo um cara bonitão, vive uma ressaca amorosa que parece durar uma eternidade. Em Canal Street, você descobre que ele chora por uma ex-namorada dos tempos de escola, mora com os pais e leva esporro da mãe porque fuma no quarto. Em Come closer, Sombr literalmente espera que uma peguete gatíssima por quem ele está apaixonado – mas que parece cagar solenemente para ele – lhe atire um osso.
Ou seja: um sofrimento sem fim que você não vai encontrar nem mesmo em discos de pagode romântico, e que acaba melando o tal esquema do “sou emocionado, mas não sou brega”. Justiça seja feita: a vibe pop de I barely know her tem inúmeros atrativos. Mas tem também uns problemas conceituais que cansam.
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Crítica
Ouvimos: White Reaper – “Only slightly empty”

RESENHA: Entre perdas e recomeços, o White Reaper abraça de vez o pós-grunge em Only slightly empty, unindo peso, melodia e letras sobre crescer e seguir.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Blue Grape Music
Lançamento: 26 de setembro de 2025
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Only slightly empty (“apenas ligeiramente vazio”) é um bom nome para o quinto álbum do White Reaper, grupo norte-americano que já batizou um álbum de The world’s best american band (o segundo, de 2017) e cuja história é marcada pela combinação de peso e ironia. A começar porque Only slightly empty sai depois que a banda perdeu baixista e baterista (os irmãos Sam e Nick Wilkerson). Desprovido justamente de sua cozinha, o grupo decidiu continuar como trio – mas vale lembrar que outra coisa importante (o contrato com a Elektra) se perdeu pelo caminho.
Em clima de recomeço e de junção de pedaços, o White Reaper estreia na gravadora Blue Grape Music com um álbum que joga a banda de vez na área “pós-grunge” para a qual eles já vinham se dirigindo em álbuns anteriores – o WR era basicamente uma junção esperta de glam rock e power pop, e esse foi o som que deu fama ao grupo. Não que Only seja um disco ruim: na real o White Reaper acaba mesmo é atirando a nomenclatura “rock alternativo” (um catacorno que é usado para definir tanto o Creed quanto o Weezer, dependendo de quem escreve) numa onda que lembra, às vezes, bandas como Therapy? e Hüsker Dü.
É nessa onda que Only slightly empty segue, com o peso metal-punk de Coma, o pós-punk + pop-punk de Blink, Eraser e Honestly, além da vibe anos 1990 de Freakshow e Blue 42 – que lembra o Bad Religion mais “aberto” de Stranger than fiction (1994). Músicas como Pocket e Enemy John, em alguns momentos, soam como um Blink-182 sem vergonha de amadurecer e crescer, com guitarras que lembram bandas como Be Bop De Luxe e Cheap Trick. Tem Rubber cement, que mesmo recorrendo a um truque meio velho e repetitivo de guitarras herdadas dos Pixies e do Weezer (truque esse que até Taylor Swift aprendeu a realizar), tem lá seus encantos.
- Ouvimos: Die Spitz – Something to consume
Usando o pop como mágica e o peso indie como charme sonoro, o White Reaper manda bem na maior parte do tempo em Only slightly empty. Nas letras, por sua vez, a banda mostra que crescer e sobreviver tem dado (bastante) trabalho: Blink recorda uma época em que “a verdade era ruim, mas a mentira era pior”, Blue 42 parece um diálogo interior sobre confusão e insegurança (“eu não quero ser aquele de quem eles estão rindo / porque você não gosta de brigar, e eu não gosto de me sentir excluído”), Freakshow fala de relacionamentos cagados. Parece que Tony Esposito, Ryan Hater e Hunter Thompson, os três que sobraram na banda, estão criando letras românticas, ou meio confusas, para falar das quedas e problemas recentes do grupo. Faz sentido.
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Crítica
Ouvimos: Maura Weaver – “Strange devotion”

RESENHA: Entre o dream pop e o folk, Maura Weaver cria em Strange devotion um som delicado, melancólico e cheio de verdades emocionais.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Feel It Records
Lançamento: 19 de setembro de 2025.
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“Um dos segredos mais bem guardados do Vale do Rio Ohio”. É dessa maneira que o selo Feel It Records refere-se à cantora Maura Weaver, que retorna com seu segundo álbum, Strange devotion. O release define seu som como “uma joia do indie-pop”, mas não é exatamente isso: Maura equilibra-se em torno de estilos de dream pop, power pop e folk, com referências sonoras que vão dos anos 1960 aos 1990, construindo um som introspectivo e, quase sempre, meio triste.
Músicas como Frizz city têm uma onda bem grande de guitar rock, com guitarras proeminentes, vocal doce e sensível. Cool imagination, a segunda faixa, une mundos: é soft rock triste, com um curioso baixo punk, quase mal-educado, que dá um clima mais despojado à canção. Seguindo no álbum, tem o soft rock gélido e sonhador de Prince, o power pop ruidoso de Do nothing, The face e I’m not sleeping, e uma certa tendência de Strange devotion de investir mais na tranquilidade, como nos teclados relaxantes e nas slide guitars de Visine recall, nos arpejos country e na vibe sombria de Museum glass, e no som contemplativo de Breakfast.
- Ouvimos: Sally Dige – Holding the sun
No final de Strange devotion, a magia cheia de climas de Back home, melodia linda com slide guitar que parece derreter. As letras, por sua vez, giram em torno de crescimento, vida, perdas, e trazem até um relato grave de abuso e agressão, em Museum glass. Tudo isso contribui para que Strange devotion seja um disco repleto de verdade, do começo ao fim.
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