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Crítica

Ouvimos: Andy Bell, “Pinball wanderer”

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Ouvimos: Andy Bell, “Pinball wanderer”

Se o galês Andy Bell for escrever seu currículo à mão, vai faltar tinta na caneta. Ele é até hoje um dos vocalistas e guitarristas do Ride, foi baixista do Oasis e tocou na banda-solo de Liam Galagher, o Beady Eye, além de outros projetos. É também integrante do super-grupo doidão Mantra Of The Cosmos – do qual também fazem parte os ex-Happy Mondays Shaun Ryder e Bez, e o baterista do The Who (e filho de você sabe quem) Zak Starkey.

Sua discografia solo é quase tão variada quanto seu histórico, pendendo mais para o lado da experimentação do que para o da canção comum. Em seu terceiro disco solo, Pinball wanderer, sua voz aparece mais como um detalhe em meio a uma sonoridade que evoca bastante o rock alemão dos anos 1970, o lado mais podre do synthpop e projetos como Stereolab. Sobre as referências de krautrock no som dele, vale lembrar que em 2023 Bell lançou um single com uma releitura de Hallogallo, composição da banda alemã Neu!, gravado ao lado do duo de theremin Masai.

Panic attack, logo na abertura, vai para os lados do noise pop, só que com tons robóticos, e sons lembrando as partes mais agitadas de Autobahn, do Kraftwerk. Muitas vezes, mesmo o que não é eminentemente “eletrônico” (como os sons tirados por Bell da guitarra) ganha um design musical sintetizado, como no krautrock venturoso de I’m in love, (cover da banda britânica Passions, por acaso com participação de Michael Rother, do Neu!, e um ex-Kraftwerk) e na onda sonora de Madder lake deep – esta, lembrando os tons contemplativos e “selvagens” dos primeiros álbuns solo de Brian Eno.

Essa abordagem também aparece em Apple green UFO, um rock de beatmaker, com o baixo à frente, remetendo a uma evolução futurista do som de Madchester (a Manchester doidaralhaça dos anos 1980/1990). Ou a uma perversão de Fool’s gold, dos Stone Roses, com ritmo quebrado.

O “lado B” de Pinball wanderer soa ainda mais setentista que a primeira parte do disco. Há viagens meio floydianas na faixa-título, que começa com uma guitarra entre o folk e o progressivo antes de mergulhar em climas sintéticos e programados. Music concrete faz jus ao nome, oferecendo um soul esparso com beat surdo, baixo em clima disco e mais evocações do Kraftwerk. The notes you never heard mistura bateria eletrônica rudimentar e algo da atmosfera dos discos solo de David Sylvian (Japan).

O álbum se despede com Space station mantra, uma viagem espacial conduzida por sintetizadores e vocais em clima de cântico, encerrando tudo com uma sensação de hipnose cósmica.

Nota: 9
Gravadora: Sonic Cathedral
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025

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Crítica

Ouvimos: Will Smith, “Based on a true story”

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Ouvimos: Will Smith, “Based on a true story”

“Ué, mas como assim o Will Smith gravou um disco? Ele é cantor? Achava que ele fosse só ator!”. Com o tempo, muita gente esqueceu que Will gravava discos (inicialmente como The Fresh Prince, ao lado do DJ Jazzy Jeff) desde os anos 1980 – e as novas gerações passaram a vê-lo apenas como o cara da série Um maluco no pedaço, e o astro de filmes como Homens de preto, Rei Ricardo e À procura da felicidade.

Não apenas Will foi/é cantor: sua perspectiva pop do rap ajudou a fazer com o que o estilo fosse mais ouvido durante os anos 1990, num espelho do que rolou com Gabriel O Pensador aqui no Brasil. Tem quem diga que isso fez com que o rap se infantilizasse mais, se tornasse mais comercial, mas faixas como Gettin’ jiggy wit it (1997) fizeram muita gente curtir o gênero diluído no pop, em plena era de ouro do gangsta rap, e prepararam os ouvidos de uma turma enorme. Como resultado, seus talentos de ator foram (bem) mais requisitados que os de cantor – tanto que seu último disco, Lost and found, saiu há vinte anos.

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Agora corta para 2025 e para Based on a true story. Will era tido, há duas décadas, como um rapper comportado, que não falava palavrão e que traduzia o idioma do hip hop para os fãs de música pop – era um rapper popstar, que estava mais interessado, de verdade, no mundo do cinema e das séries. Se ele decidiu gravar um disco novo, supõe-se, é porque ele tem muita coisa para contar. E em tese, tem mesmo: imprensa se metendo em sua vida, brigas na cerimônia do Oscar, seu casamento com arranjo pouco convencional, a vida em família, as armadilhas da fama, racismo no showbiz.

Dá para ver reflexos disso tudo no novo disco – um álbum que, por sinal, ele gravou sem se despir da capa de bom moço. Based on a true story é um compêndio dos conselhos que Will andou recebendo, e também traz o ator-cantor como coach e pastor protestante, em vinhetas que são estranhas pregações, e servem de introdução para algumas faixas. The reverend (Rave sermon) fala sobre resiliência, depressões e buracos ao longo do caminho (“quando eu falo em rave, quero dizer para olhar no fundo dos olhos do dragão e dizer: ‘hoje, não!’”). Essa vinheta abre Rave in the wasteland, gospel-rock-afro sobre jogar fora tudo que há dentro de você, e que não serve mais.

Based on a true story usa peso e agilidade para mandar recados, como no blues-rock-rap de Bulletproof e na cavalar Tantrum (“pego meus traumas e faço deles um hino”), e cai numa estileira mais pop no soul lento de Beautiful scars, cujo ritmo lembra Milli Vanilli. A vinheta Int. Barbershop – Day, com o antigo chapa DJ Jazzy Jeff e B Simone, fala sobre tudo que se seguiu após o tapa em Chris Rock no Oscar: cancelamento, gelo da imprensa, problemas em casa, exposição negativa, racismo velado ou nada velado. Hard times, simultaneamente um boogie oitentista e um tema no estilo da Disney (com Teyana Taylor) fala da superação de fossas pessoais. Essa, vale citar, é a melhor do disco.

Como criador de frases e de slogans certeiros, vale dizer, Smith está longe de ser um prodígio – aliás a própria escolha de um pastor como personagem do álbum parece querer dizer que não há problemas se Will decidir incorrer na auto-ajuda barata. É o que rola em vários momentos, especialmente em Work of art, gravada com o filho Jaden, e You can make it. Based on a true story serve bem como disco pop, mas há algo de mal resolvido como disco de rap em vários momentos.

Nota: 7
Gravadora: Slang
Lançamento: 28 de março de 2025

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Crítica

Ouvimos: Sarah Mary Chadwick, “Take me out to a bar / What am I, Gatsby?”

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Ouvimos: Sarah Mary Chadwick, “Take me out to a bar / What am I, Gatsby?”

Dá para temer por Sarah Mary Chadwick ouvindo seu novo disco, Take me out to a bar / What am I, Gatsby?. Por sinal, um álbum cuja gravação encerrou-se com a australiana parando de beber – inclusive desde o lançamento do disco, já saiu um single novo dela chamado I’ll die sober (“eu morrerei sóbria”). O novo álbum de Sarah é quase um disco conceitual sobre dor, envolvendo temas delicados como “o desejo desolado de mudança, as despedidas, o romance que se esvai, as memórias”, e outras feridas expostas.

A frase “balada triste de piano” serve para definir todas as faixas do disco, que apresenta só a cantora e seu instrumento, além da ambiência do estúdio – uma microfonação que capta respirações, suspiros e o barulho do banquinho de Sarah. Como cantora, ela tem voz rouca e um grave considerável, mesmo quando alcança as notas mais altas – mas o principal é que escutando a voz de Sarah no álbum, dá para sentir a dor, num tom quase despedaçado. Faixas como What am I, Gatsby?, Take me out to a bar e She never learnt upon a bar variam da perdição rock-cabaré à tristeza sonora que faz as teclas do piano soarem como gotas (lágrimas?).

Soundtrack fala sobre “a criação de um filme melancólico” na telona. O vocal de Not cool like NY / Not cool like LA vai ficando mais tenso à medida que a melodia segue – com notas apenas dando o andamento da melodia, num clima minimalista e tristonho. Big business é uma balada amarga sobre o contraste entre sonhos e realidade, entre delírios pessoais e grandes negócios. Já The show musn’t go on é tanta tristeza e resignação que chega a fazer mal: “o show não pode continuar / às vezes você tem que ir pra casa / porque ninguém quer ver alguém / se debatendo inutilmente”. Um disco de beleza angustiada, que não é para ouvir a qualquer hora.

Nota: 7,5
Gravadora: Kill Rock Stars
Lançamento: 4 de abril de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Hellacopters, “Overdriver”

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Ouvimos: Hellacopters, “Overdriver”

Lembra do Sweet? A banda glam britânica está por aí, lançando discos e fazendo shows – mas largou o estilo que marcou sua história em prol de um hard rock meia-boca (resenhamos o disco mais recente deles aqui). Os escandinavos dos Hellacopters, por sua vez, levam sua carreira adiante de modo a que o Sweet possa ser quase sempre apontado como principal referência. Afinal, é glam rock básico, com influências dosadas de sons pesados oitentistas, e um glacê que aponta também para Kiss (bastante) e Be Bop De Luxe (muito, de verdade – inclusive as guitarras lembram as de Bill Nelson, guitarrista e artífice do Be Bop).

A sorte é que depois de tantos anos de carreira, o Hellacopters não largou nada de mão e continua fiel ao seu estilo – uma opção que, no caso de outras bandas, poderia parecer passadismo barato, mas aqui soa como um ferramental bem usado. O novo álbum Overdriver, em alto e bom som, remete a Sweet (Token apologies), Kiss (Don’t let me bring you down, Leave a mark), ABBA – em (I don’t wanna be) Just a memory – Status Quo (Wrong face on) e a uma cúspide entre punk e hard rock (Faraway looks, Doomsday daydreams). Do you feel normal remete a Slade e ao já citado Be Bop de Luxe – e também aos discos solo de Ian Hunter e Johnny Thunders. The stench dá uma derrapada: um blues-rock sombrio e chatinho sobre pé na bunda (“podemos remendar as rachaduras / melhorar tudo o que queremos / nos dar um pouco mais de folga / mas ainda estará lá”).

Uma curiosidade de Overdriver é Coming down, um hard rock que lembra uma fusão de Kiss e R.E.M., com instrumentação doce e clima próximo das baladas dos mascarados. Para garantir uma cara mais classic rock para o disco, os Hellacopters enchem Soldier on de climas que lembram Lynyrd Skynyrd e Led Zeppelin (este, bastante lembrado nos solos de guitarra). Um disco de rock com R maiúsculo sem deixar espaço para o reacionarismo e conservadorismo musical.

Nota: 8,5
Gravadora: Nuclear Blast
Lançamento: 31 de janeiro de 2025.

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