Lançamentos
Joy Brandt: som afro-latino e irônico em “Digo nada”

Single novo da cantora pernambucana Joy Brandt, Digo nada, mistura influências de música afro-latina, sons pop e até tons ritmicamente orquestrais de MPB (encontráveis em discos de Marcos Valle, Caetano Veloso e outros nomes). Mas o principal é o clima de brincadeira da faixa: “digo nada”, ou “falo nada”, é um expressão de Pernambuco – usada também em outros estados brasileiros – usada ironicamente quando alguém prefere calar-se diante de certo assunto, ou dar a entender que tem alguma coisa nas entrelinhas.
No clipe da faixa, que ela divide com o cantor Mani Carneiro, os dois surgem o tempo todo interagindo por meio de expressões faciais, cercados por imagens surrealistas inspiradas na estética de videotapes dos anos 1970/1980. Joy e Mani dirigiram o visualizer, e Mani e Bruno Di Lullo produziram a faixa, que é o terceiro single lançado por ela neste ano. O primeiro álbum autoral dela está previsto para 2025, está sendo gravado entre Recife, Rio de Janeiro e Toronto, e terá produção de Bruno Di Lullo e Mani Carneiro – uma das faixas foi produzida por Barro e Guilherme Assis.
“A música é sobre como dizer algo sem dizer. Nessa música, a expressão ‘digo nada’ reflete momentos de conexão e encanto que nem sempre precisam ser verbalizados. Brincamos com as palavras para transmitir o poder dos silêncios, e no trecho ‘Tô pensando em dizer nada/Vou até ficar calada/No silêncio eu te escuto’, traduzimos tanto uma declaração de amor quanto uma crítica à falta de escuta no mundo de hoje”, explica Joy, que lembra ter crescido com “Bethânia, Elis, Gretchen, rock, brega e muito rádio, muita gente! Me inspiro nas minhas raízes e nas experiências ao redor do mundo. Sou um pouco de tudo que ouvi e vivi” (Foto: Divulgação).
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Crítica
Ouvimos: The Darkness, “Dreams on toast”

O Darkness talvez fosse hoje um clássico se tivesse se levado mais a sério ao longo do caminho – mas não teria a mesma graça, e não estaria permitido a eles zoar tanto certos padrões do rock. Dreams on toast, oitavo disco deles, é quase tão bom quanto Permission to land (2003), o primeiro álbum, e mantém o sarcasmo como melhor amigo de Justin Hawkins e seus camaradas.
Clichês de bandas como AC/DC e Status Quo surgem aqui e ali como homenagem – mas o senso de humor da banda é herdado do punk e do glam rock. Rock and roll party cowboy, que abre o disco, é um hard rock que sacaneia o estilo de vida rock’n roll, citando vários objetos de estimação de um roqueiro motoclubber típico (jaqueta de couro, Harley Davidson, isqueiro Zippo, Jack Daniels) e afirmando no refrão: “sou um roqueiro festeiro e cowboy / e não vou ler nenhum Tolstói” (!!). Walking through fire é boogie na estileira AC/DC, com riff lembrando vagamente Sweet child o’mine, do Guns N Roses.
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Agora, a cara própria do Darkness, no duro, são as canções glam e operísticas lembrando Queen. Como I hate myself, uma canção sobre um cara que partiu o coração de uma garota e se odeia, com uma desculpa pra lá de esfarrapada na letra: “eu realmente me odeio / então você não precisa”. Ou Don’t need sunshine – uma baladinha que, curiosamente, lembra mais Ed Sheeran que Queen, mesmo Justin sendo um fiel discípulo de Freddie Mercury e mesmo a banda pesando o som. Um David Bowie básico baixa no cabaré-rock de Hot on my tail e no glam pesado de Mortal dread (uma canção sobre envelhecimento). E um clima próximo do power pop – ainda que alguns decibéis acima – surge em The longest kiss, e um country glam dá as caras em Cool hearted woman.
O Darkness soa bem diferente do resto de Dreams on toast na épica The battle for gadget land, que é o mais próximo que o disco chega de ter uma ópera-rock – ainda que dure só três minutos e pouco. O som une rock clássico, emo, metal e hip hop, em partes diferentes. No final, a balada nostálgica Weekend in Rome volta combinando Queen e Sparks e entrega o que realmente é o The Darkness: a trilha sonora de uma pessoa que faz pose, mas que sofre muito e sonha muito. E o que é o glam rock senão isso?
Nota: 9
Gravadora: Cooking Vinyl
Lançamento: 28 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Ministry, “The squirrely years revisited”

O provável penúltimo disco do Ministry (Al Jourgensen, criador do grupo, diz que vai lançar só mais um depois desse, já com o ex-inimigo Paul Barker de volta) é um projeto que a maioria dos fãs não esperava. No ano passado, Al testou o repertório inicial do grupo, do começo dos anos 1980 – mais voltado ao tecnopop e à música eletrônica do que ao metal industrial – no show que o Ministry fez no festival Cruel World, em Pasadena, na Califórnia. Deu certo, aparentemente. Aliás, deu tão certo, que o músico venceu um ranço de décadas (músicas como Work for love não eram executadas havia quase 40 anos) e decidiu regravar o repertório.
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The squirrely years revisited, que traz na capa um esquilo sexualmente excitado (para não dizer outra coisa), é o retorno do Ministry às músicas de With sympathy, seu primeiro disco (1983), além de alguns singles lançados pelo selo indie Wax Trax. Sim, Al deu uma mudada nas músicas e deixou tudo mais podre: Work for love, Here we go, All day… Tudo isso soa mais como o Ministry do disco de transição Twitch (1986), um dos melhores álbuns do grupo. Só que, vamos lá, o Ministry já era meio podre até mesmo como banda de synthpop. Tanto que mesmo as canções mais redondinhas do grupo tinham alguma coisa estranha para confundir ouvidos. E às vezes o Ministry soava como um Depeche Mode mal-humorado.
Vale citar que as versões novas nem são tão melhores que os originais assim. Revenge volta mudada de verdade, mas… o original era um tecnopop com a cara do Ultravox, e a nova versão lembra um metal melódico (!). E sei lá se era preciso reler (Every day) is halloween, sucesso de 1984 que já tinha uma baita cara de hit do submundo – e que, vai entender, também foi vítima da implicância de Al Jourgensen por vários anos. Aqui, ela volta com algumas guitarras a mais e com evocações de Thieves, música de 1989 do Ministry.
Dentre as outras regravações que o Ministry fez, tem I’m not an effigy (pós-punk roqueiro no original, pós-punk metalizado em Squirrely), I’m falling (o original era basicamente pós-punk com alma gótica, e o grupo não fez muitas modificações) e Same old madness (outrora um tecnopop rápido e pesado, agora uma música pesada e com uma mixagem razoável). I’ll do anything for you é a musica com mais cara de synthpop dentre as regravações, com Al equilibrando vocais graves e registros altos, com drive, Já as três versões do álbum Twitch que encerram o disco não acrescentam muita coisa. No fim das contas, Squirrely vale mais para roqueiros que detestam qualquer coisa mais “pop” e odeiam sintetizadores.
Nota: 6
Gravadora: Cleopatra
Lançamento: 28 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Displicina, “As núpcias ósseas”

Com participação criativa de um ex-integrante do Akira S e as Garotas que Erraram, Alex Antunes (além do próprio Akira como convidado fazendo algumas programações), o Displicina é um posto avançado do underground paulistano dos anos 1980. A estreia As núpcias ósseas é um disco sombrio e explosivo na mesma medida, unindo samples de nomes como Joseph Campbell, Leonard Cohen e Laurie Anderson, evocações a Gang Of Four, Genesis P. Orridge e Public Image Ltd, e uma maneira abrasiva de usar não apenas os instrumentos como os próprios recursos de gravação.
Em As núpcias ósseas, tem experimentalismo de terror (na vinheta Bardo), funk-punk fundido com rap e poesia cáustica (Almoço nu), oito minutos de eletropunk sombrio e repleto de efeitos sonoros – em Friedkin: Pasolini (You can hear the bones humming) – e seis minutos de gemidos, ruídos e narrações em Bardo (Antibardo). O samba-punk-funk Os bones do ofício (Que Mario?), de versos como “morrer é só nascer ao contrário / nascer é só morrer ao contrário / os ossos do ofício / escondidos no armário”, é bastante recomendável para fãs de Black Future. Com Tit-Flash-Death (Harrison Ford said), essa música forma o lado menos antipop do álbum – no caso dessa, a familiaridade se dá pelo andamento funkeado e pelo riff lembrando A praieira, de Chico Science e Nação Zumbi.
As núpcias ósseas é também o disco de colagens sonoras como O que diria Joseph Campbell? e a inacreditável O funeral de Alex Antunes, uma narração sombria que encerra com uma vinheta entre o punk, o funk e uma vibe progressiva e podre. E quem comprar os áudios do disco no Bandcamp ganha oito demos.
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 8 de setembro de 2024
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